Durante toda esta semana, Lisboa viverá o seu Gre-Nal. Não existe um sigla que resuma o clássico entre Benfica e Sporting, o que é uma prova de grandeza. Trata-se de uma rivalidade que não precisa de bordão. Assim como Armindo Antônio Ranzolin, o maior narrador esportivo gaúcho de todos os tempos, que se tornou inesquecível sem a necessidade de uma muleta de linguagem. Sporting e Benfica lutam ponto a ponto pelo título português, e o derby lisboeta pode encaminhar o futuro campeão.
No Benfica, um jogador bem conhecido da Província de São Pedro monopoliza as terras dalém mar. Os portugueses comparam Jonas, ex-Grêmio, a Luizito Suárez. Um exagero, é claro. Mas, como os dois disputam a Chuteira de Ouro na condição de goleador da Europa, dá para conceder este pequeno desatino sob a ótica promocional do grande jogo do próximo sábado. Jonas, você vai lembrar, trocou o Olímpico pelo Valencia, da Espanha, em 2011, dias depois daquele fatídico jogo contra o São José, no qual fez os dois gols da virada por 2 a 1 e foi xingar os torcedores que antes o vaiavam.
Tomara que Luan, perseguido por setores da torcida, não entre nessa. De nada adiantará. Renato Portaluppi, técnico à época, repreendeu Jonas, inclusive esguichando nele a água da garrafinha de plástico. Anos antes, Jonas havia perdido um gol inacreditável diante do improvável Boyacá Chicó, na Libertadores de 2009. Uma manchete que misturou maldade, injustiça e desrespeito, rodou o mundo: "o pior atacante do mundo". Trajetórias como a de Jonas me interessam mais do que a do menino genial e seu talento de berço, a abrir-lhe todas as portas sem que ele precise nem colocar a mão no trinco.
É a história aquela dos baldes. Já a abordei, mas vale repetir. Há o talento inato e o adquirido. O inato tem tantas ferramentas que não se preocupa em incorporar novas habilidades. Também não vê necessidade de aperfeiçoá-las ou perder tempo com atualizações táticas. Filtrar críticas para depurar as construtivas das destrutivas? Nem pensar. Sua genética resolve tudo, o que o afasta do aprendizado. Enquanto isso, o talento adquirido tem de correr atrás de suas compensações com muito treino, estudo, repetição. Lá pelas tantas, o balde de talento do adquirido quase transborda em eficiência, enquanto o do inato esvazia e, não raro, mal passa da metade.
Há muitos exemplos de adquiridos como Jonas, que chegou ao Olímpico vindo do interior paulista sem categorias de base. Eu era repórter e lembro dele treinando como um doido para recuperar o atraso. Ficarei em apenas um, talvez o mais emblemático por estes pagos. Nos anos 70, Valdomiro era vaiado pela torcida do Inter. Baixou a cabeça e passou a ser sempre o último a sair dos treinos. Tornou-se um dos maiores vencedores da história do Beira-Rio. Não precisava driblar o lateral. O efeito raro no cruzamento desenvolvido por ele imprimia uma curva que fazia o serviço, consagrando centroavantes como Flavio Minuano e Dadá Maravilha.
Inatos que treinam como adquiridos resultam em Messi ou Cristiano Ronaldo. O duro é o contrário. No Grêmio, Tia Joana arrasava no juvenil como futuro craque, na década de 1970. Não vingou. Nos anos 90, Murilo surgiu como projeto de Zico loiro no Inter, cheio de convocações para as seleções de base. Chegou a jogar algumas partidas, mas jamais engrenou. Quantos meninos ficam no meio do caminho por desorientação ou por sucumbir aos encantos de salários milionários já no primeiro contrato profissional? O próprio Alexandre Pato, por exemplo. Está com a vida ganha, no Chelsea. O seu talento natural dá e sobra, tanto que só jogou em grandes clubes. Mas é óbvio que, com um tanto mais de envolvimento, entraria no primeiríssimo escalão da bola.
Enquanto isso, Jonas, o rei justiceiro, apelido conferido após o gol da vitória do Benfica nos acréscimos sobre o Zenit, no jogo de ida das oitavas da Liga dos Campeões, era um jogador médio, mas o esforço colocou Portugal aos seus pés. Aos 31 anos, a Europa pode se abrir de vez para ele. São 25 gols em 32 jogos na temporada. Só na liga portuguesa, 23 em 22 rodadas. Se o Benfica avançar na Champions, é possível.
Os jovens talentos do Grêmio (Lincoln, Éverton) e Inter (Alisson Farias, Andrigo) deveriam observar com atenção o exemplo de Jonas. O talento é também fruto de um esforço operário, tijolo por tijolo. Se não passar pelo canteiro de obras dos treinos todos os dias, o prédio não sai do chão.
*ZHESPORTES