Em uma terça-feira de novembro, o assistente administrativo Olmidio Miguel Rosa, o Mano, recebeu uma ligação. A notícia era de que um jovem havia sido baleado na Vila Cruzeiro. O temor de que a vítima fosse um ex-aluno do Esporte Clube Ajax se confirmou. Logo, veio o pior. O garoto que havia atuado por seis anos com Mano havia morrido. Evitar que crianças e adolescentes descambem para o mundo do crime e tenham esse destino faz parte da luta diária do projeto social que existe há 23 anos na comunidade.
A violência ronda os meninos da Cruzeiro. Entre os guris do Ajax, um já teve dois familiares assassinados. É comum serem órfãos de pai ou mãe. Às vezes, dos dois. Mano toca a iniciativa ao lado lado do irmão, Júnior. Faz por amor ao futebol e por insistir em apresentar um outro caminho aos guris. A batalha é feroz. No ano passado, ele perdeu oito alunos: seis para o tráfico e dois vítimas de homicídio (um de 14 anos e outro de 17). Dos seis que optaram pela criminalidade em 2014, dois morreram neste ano (um de 17 anos e outro de 15).
- Tu estás com o menino no projeto por três ou quatro anos, daí acontece uma coisa dessas. É bem triste - lamenta o coordenador.
No outro extremo, o Ajax também se orgulha de ter dois atletas profissionais com passagens que saíram de suas fileiras. O meia Everton Faísca, ex-Aimoré e hoje no Passo Fundo, e o meia Jonas, que disputou o Gauchão de 2014 pelo União Frederiquense e jogou em Portugal. Faísca visitou o projeto no ano passado e levou uma camiseta do Aimoré de presente para os coordenadores.
- A felicidade é encontrá-los depois de um tempo e ver que se transformaram em pessoas de bem, chefes de família. Nosso golaço de placa é ajudar a formar cidadãos - ressalta Mano.
André Ávila / Agência RBS
Cem meninos no projeto
O Ajax foi fundado em setembro de 1988 por jovens que moravam na Vila Cruzeiro. Eles jogavam juntos, disputavam campeonatos com camisetas brancas de algodão, mas o time não tinha nome. Certa tarde, resolveram criar o clube.
Nos treinos e jogos dos mais velhos, a criançada estava sempre em volta. Então, em 1992, apareceu um torneio infanto-juvenil. A ideia foi juntar os guris e montar um time. A estreia foi com derrota, mas a equipe reagiu e acabou campeã.
- Aquele título impulsionou. A cada dia chegava mais gurizada - relembra Mano, 44 anos, 35 deles morando na Cruzeiro.
Os treinos, desde o princípio, ocorrem no Centro de Comunidade George Black (Cegeb), na Medianeira. O antigo campo da Febem, que existia na Vila Cruzeiro, também foi utilizado. As atividades são nas sextas-feiras, e os jogos, nos finais de semana.
- Chegamos a ter cerca de 150 meninos. Atualmente, são cerca de 100, dos sete aos 17 anos.
Os garotos da Vila Cruzeiro fazem o trajeto até o Cegeb a pé. Chegam aos poucos, em grupos, e se juntam aos "estrangeiros" dos bairros Glória e Santa Tereza. Além de Mano e Júnior, a iniciativa tem como orientador Renan, ex-atleta do projeto.
André Ávila / Agência RBS
Sonhos de graça
As aulas no projeto são gratuitas. Mano e o irmão bancam quase todas as despesas, do material de jogo aos quilos de sabão em pó utilizados para lavar os seis jogos de uniformes. Para auxiliar nas despesas, promovem rifas.
- As pessoas me enxergam e já pensam: "Lá vem ele com mais uma rifa". É um trabalho social, a gente faz porque gosta e para ajudar a criançada - sorri o coordenador.
O Ajax tem cerca de 300 troféus, que ficam na casa de Mano, já que clube não possui sede própria. Na trajetória, destacam-se os títulos do municipal infantil em 2011 e do mirim em 2013, mas as pequenas conquistas são as que mais empolgam.
- Levamos os guris (para jogar) em todos os cantos da cidade. Realizamos o sonho deles, de treinar, jogar. Ocupamos o tempo ocioso - diz Mano.
Fora de campo, também há as festinhas de Páscoa e Natal. É tradição na Cruzeiro. A gurizada ganha cachorro quente, refrigerante, brinquedos e um afago na autoestima que traz o sorriso.
* Diário Gaúcho