Marta odeia perder. A mera possibilidade de ser derrotada transforma seu humor. Deixa de ser uma mulher sorridente e engraçada e transforma-se em uma baixinha irritadiça. E não vale só para o futebol. Como ocorreu em uma mera partida de purrinha - aquele jogo em que os participantes têm de acertar quantos palitos estão nas suas e nas mãos dos adversários.
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Antes do jantar de despedida da comitiva brasileira que acompanhou a passagem da tocha dos Jogos Pan-Americanos de Toronto, Marta foi desafiada por seu agente, Fabiano Farah, para uma partida, com os jornalistas que dividiam a mesa. Iniciou-se uma batalha de purrinha. Cada vez que algum adversário se safava, Marta ficava mais nervosa. Já estava começando a brigar - consigo mesma e com os oponentes - quando acertou o número. Só então apreciou sua salada, e voltou a rir. E eu, após uma ferrenha disputa com a colega Marina Izidro, do SporTV, acabei em último. Foi o último momento das 48 horas que passei com a melhor jogadora da história do futebol feminino.
Da purrinha, vamos para o ônibus que deslocava o grupo para Oshawa, cidade a 90 quilômetros da sede do Pan, onde ela percorreu cerca de 200m com o fogo dos Jogos. Antes de embarcar, ao depositar sua bagagem no porta-malas, carregava um violão. Ávidos por uma imagem de Marta fazendo algo diferente daquilo que está acostumada, os repórteres pediram que ela tocasse alguma música.
- Não posso. Ainda estou aprendendo. Só trouxe porque minha colega que está ensinando me mandou praticar - diz.
Depois, porém, para agradar o motorista Roberto, equatoriano fã de Roberto Carlos, mandou:
- Um dia a areia branca/seus pés irão tocar/E vai molhar seus cabelos/a água azul do mar...
Com ritmo e afinação surpreendentes, arrancou aplausos da excursão.
Marta sabe cantar, por isso canta em público. Marta não sabe tocar violão. Por isso, ele não sai do case.
Talvez seja essa "raiva" de fazer feio o principal combustível para sua carreira vitoriosa. É a atleta de futebol mais premiada da história. E não é por acaso.
Mantém uma forma física exemplar. Seu índice de gordura corporal é de 7%. No café da manhã, no almoço e no jantar, abusa de saladas e frutas. Não tocou nas delícias gordurosas que o Canadá oferece, como o poutine (as batatas fritas com queijo e molho).
Antes de entrar em campo, estuda as adversárias. E a falta de informações sobre o futebol feminino obriga a tomar medidas curiosas. Para descobrir quem eram as costa-riquenhas, adversárias na última rodada da primeira fase da Copa do Mundo, apelou para o álbum de figurinhas. Ao menos descobriria seus rostos, tamanho e peso.
Dorme cedo. Acorda cedo. Não se atrasa. Evita o frio - e, para uma alagoana de Dois Riachos, isso quer dizer temperatura inferior a 20ºC. Ou seja, na Suécia, onde recém renovou contrato com o Rosengard, de Malmoe, mal sai da casa que divide com o cachorro Candinho. Recebe familiares, amigos e, admite, alguma "visita especial". Mas seu status no Facebook é "solteira".
Fala inglês com naturalidade. Prefere Cristiano Ronaldo a Messi. Chama Ibrahimovic de Zlatan. Nunca perde um jogo deles na TV. Omite, mas é reverenciada pelos craques a cada premiação da Fifa. E ainda sua a mão quando abre o envelope convidando para a cerimônia de Zurique, mesmo já tendo sido chamada 12 vezes.
É reconhecida quando caminha nas ruas. E quando não é, as pessoas passam aquela imagem de: "conheço de algum lugar". Não nega autógrafos. Emocionou-se quando foi recebida pelo time de futebol feminino da Universidade de Ontario. E quando carregou a tocha, sob chuva fina. Mesmo campeã, o futebol ainda mexe com sua alma.
Mesmo que seja para o mal. Marta mediu palavras quando foi perguntada sobre corrupção na Fifa. Na CBF, atacou o presidente Marco Polo del Nero, disse estar indignada com as denúncias e pediu apuração. Sem se importar por concentração durante uma Copa do Mundo, criticou os "chefes".
Só é política mesmo quando fala de seu futuro. Ainda que repita que não pensa em parar de jogar, usa um discurso automático para adiantar o que vai fazer:
- Só sei que vou dedicar ainda mais tempo para as causas humanitárias.
Está em boa companhia. É embaixadora da ONU ao lado de Gisele Bündchen e Angelina Jolie. Luta pelo direito das mulheres. Talvez trabalhe como dirigente.
Mas isso é assunto para daqui a 10 anos. Neste domingo, às 14h, seu compromisso é outro: ajudar o Brasil a vencer a Austrália e chegar às quartas de final do Mundial.
E, se marcar um gol, desbancar o alemão Miroslav Klose da artilharia geral em Copas. Mais um recorde para uma mulher que ainda fica nervosa quando a bola rola, mesmo sendo dela todos os recordes.
* O repórter viajou a convite da empresa Toronto Tourism.