Arílson acordou esbaforido ao meio-dia: tinha perdido o treino da manhã. Bebera todas na noite anterior, não conseguiu sair da cama cedo. Naquela época, julho de 1996, ele jogava no Inter - um ano antes, havia conquistado pelo clube rival, o Grêmio, a Copa Libertadores e o reconhecimento como um dos meio-campistas mais habilidosos do país.
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E agora estava ali, em Bento Gonçalves, sua terra natal, deitado na cama e olhando para o teto enquanto pensava em alguma desculpa para o técnico Nelsinho Baptista. Haveria outro treino à tarde no Beira-Rio: comeu qualquer coisa correndo e partiu para Porto Alegre, dirigindo seu recém-comprado Mitsubishi Eclipse, que ainda nem placas tinha. Era evidente que a polícia o abordaria na estrada.
- Eu era irresponsável. Nunca dispensava uma cervejinha, dormia tarde, saía demais à noite. Minha carreira foi abreviada por isso - reconhece o ex-atleta, hoje aos 40 anos. - Se eu levasse uma vida mais regrada, talvez estivesse jogando até agora, que nem o Zé Roberto (meia de 39 anos do Grêmio).
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Como era de se esperar, naquele dia a polícia viu o Mitsubishi sem placas e parou Arílson na BR-116. Ele, que já havia faltado o treino da manhã, chegou atrasado ao coletivo da tarde, tentou mentir para o treinador, inventou um problema familiar, mas Nelsinho deu-lhe um pito tão veemente - "Da próxima vez, Arílson, ou você vai embora ou vou embora eu" - que o meio-campista prometeu para si mesmo: daria um tempo na gandaia.
- Só que eu tinha recaídas - ele recorda.
Arílson era um mão-aberta, vivia emprestando R$ 5 mil aqui, R$ 10 mil ali. Tinha (e ainda tem) bom coração, sempre quis o bem de todos. Lembra de uma vez em que, para ajudar um conterrâneo de Bento Gonçalves, comprou dele uma casa em São Paulo, mas até hoje o imóvel nunca apareceu.
Enquanto perdia dinheiro fora de campo, dentro dele percebia seu corpo sucumbindo à rotina de excessos. Vieram as lesões, uma série delas. E, antes dos 30 anos, Arílson já peregrinava por clubes pequenos.
- No Sampaio Corrêa (de São Luís, no Maranhão, em 2006), eu precisava recolher bosta de vaca do gramado antes de treinar. Me sentia humilhado. Já tinha passado pela Seleção, já tinha jogado na Europa. Esses clubes menores nem pagavam o meu salário - conta ele, lembrando da primeira vez em que desejou largar a profissão.
Desempregado em 2007, Arílson queria ser técnico, mas não sabia por onde começar. Topou uma proposta para estender a carreira jogando no Imbituba, à beira do mar em Santa Catarina: R$ 5 mil por mês. Mas logo pediu para baixarem seu salário. Aceitaria R$ 3 mil, desde que o restante fosse dividido entre um grupo de jogadores que, no horário inverso aos treinamentos, fazia bicos de pedreiro para garantir a janta.
- Não tínhamos nem preparador físico. O pessoal subia e descia as dunas para ganhar resistência, e eu ficava tomando chimarrão com o treinador - ele dá risada.
E foi lá mesmo, em Santa Catarina, que Arílson conheceu Sintia, sua terceira mulher, em uma festinha regada a cerveja. Também foi lá que recebeu o convite para enfim ser técnico.
Comandou o time juvenil do Imbituba e, hoje, é treinador da equipe sub-20 do Aimoré, de São Leopoldo. Enquanto conversava com a reportagem de Zero Hora, ele mandava o filho Adílson, de 18 anos - a outra filha é Pietra, de 15 -, comprar pão para o lanche do time.
- É importante passar por dificuldades, é assim que se trilha um caminho. Estou aqui para me preparar, um dia vou assumir um time maior. Mas quero avançar com calma, sem pressa - pondera Arílson, que desde os tempos de engraxate, quando era criança, só queria viver do futebol.
A hora de parar
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Paulo Germano
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