A Traffic dá um novo passo no que diz respeito ao mercado de jogadores. Gestora de dois clubes separados pelo Oceano Atlântico, o Desportivo Brasil (São Paulo/BRA) e o Estoril Praia (Lisboa/POR), a empresa acaba de fazer a primeira transferência entre eles. O volante Douglas, de 18 anos, deixou o Brasil na semana passada para defender o clube português na próxima temporada.
Com isso, a Traffic abre uma nova possibilidade para negociações: em vez de formar e revelar jogadores no Brasil, e depois vende-los para times de fora, como faz no Desportivo, ela quer levar brasileiros ainda na base para a equipe na Europa e revela-los lá mesmo.
Além de ampliar as suas opções de negócios, a empresa enxerga neste formato uma oportunidade de fortalecer o Estoril, cuja estreia na elite do futebol português aconteceu na temporada passada. Em entrevista o executivo da Traffic e atual presidente do Estoril, Tiago Ribeiro, conta como foi o trabalho de recuperação financeira do clube e os próximos desafios.
Como está a situação do clube agora?
Tiago Ribeiro - A gente pegou o clube em uma situação muito precária em 2009. Passamos a primeira temporada e parte da segunda com um trabalho fora de campo muito árduo, para sanar as dívidas e renegociar os passivos. Enquanto isso, dentro de campo, o time tentava desenvolver uma adaptação do mercado futebolístico. O clube hoje só tem um plano de pagamento de impostos que é coisa pequena. Todo o resto foi zerado. A saúde financeira do clube é uma das melhores entre todas as equipes de Portugal.
Como foi o processo de quitação de dívidas?
T.R. - Foi um processo complicado. A gente teve de assumir um passivo imediato de pressupostos, para fazer a inscrição na Segunda Liga, na época, se não o time poderia fechar ou cair para as divisões amadoras. A gente chegou com um valor relativamente alto para pagar, mas isso foi parte do risco que a gente assumiu, quando decidimos entrar. Já na primeira temporada a gente fez uma auditoria minuciosa, porque os processos contábeis estão muito confusos. Aos poucos a gente foi sanando, pagando algumas coisas. Foi um trabalho de formiguinha.
O valor era de 4 milhões de euros, é isso?
T.R. - Aproximadamente isso.
A diretoria do Flamengo quando assumiu, constatou que o clube estava sendo processado por uma pessoa que queria pagar, mas não conseguia. Vocês encontraram esse tipo de coisa?
T.R. - Guardada as devidas proporções, foi mais ou menos isso. A gente passou pelo mesmo processo que o Flamengo. A gente não sabia onde estavam as dívidas. A gente fez uma chamada pública de credores, houve muito pagamento em duplicidade, gente que já tinha recebido e se aproveitava para cobrar de novo. A gente tinha um plano de pagamento na Receita Federal, de impostos atrasados, e fomos notificados para fazer um depósito. Quando a gente foi fazer o pagamento, percebemos que o pagamento já havia sido feito. Havia processos que a gente não fazia ideia que existiam e outros que tinham desaparecido.
Quanto os direitos de transmissão representam no balanço de vocês?T.R. - Representam pelo menos 60%. É um dinheiro importante. Esse ano melhorou ainda mais, porque conseguimos ir para a Liga Europa. Depois vem patrocínio, algumas permutas e bilheteria de 3 ou 4 jogos que enchem a casa. Mas a televisão responde pela maior parte desse valor, e tem também prêmios de competição.
Essa melhora na gestão gerou novos contratos de patrocínio?
T.R. - A última temporada, que terminou agora, foi nossa primeira na primeira divisão. A gente fez apenas o mínimo do que a gente gostaria. Esse ano melhorou bastante. Temos a Hyundai, a Samsung, marcas legais. Trocamos nosso material esportivo para a Hummel. As empresas já olham diferente para o Estoril e enxergam possibilidades. Isso é gratificante.
O que isso pode deixar de lição para o time brasileiro?
T. R. - Eu acho que nosso caso é um verdadeiro 'case' de gestão corporativa no futebol. Acho que essa é a grande lição. Com preparação, com conta, com cumprimento das obrigações. Temos que manter os pés nos chão para não dar um passo maior que a perna. É uma lição corporativa mesmo, com 'business plan', orçamento controlado, sem loucuras.
Qual o próximo objetivo de vocês?
T.R. - Nosso objetivo é consolidar nossa presença na Primeira Liga. Que o Estoril tenha um desempenho esportivo cada vez melhor, com o aumento das receitas. No lado esportivo, ter sempre uma rotatividade dos atletas, sabendo captar tanto no Brasil quanto lá. Ter jogadores novos para poder explorar e para que o projeto tenha um ganho financeiro, que isso é fundamental.
O mercado de jogadores é um objetivo para vocês?
T.R. - Sim. Nós não conseguimos cobrir nossas despesas apenas com as receitas ordinárias. A negociação de jogadores é uma lógica inevitável e no nosso caso mais ainda. É uma empresa investidora que quer colher frutos nisso. Isso é muito importante, sem nunca deixar de lado o aspecto esportivo. Não podemos cair na tentação de só fazer negócio.