Em toda a carreira foram quatro cirurgias de joelho e uma de tornozelo. Nenhuma das operações, porém, fizeram a atleta sofrer tanto quanto a suspensão por doping anunciada pela Federação Internacional de Ginástica Artística, em janeiro de 2010. Como já estava afastada por lesão, Daiane dos Santos ficou quase três anos sem competir. Para muitos, não voltaria aos tablados. Mas o retorno aconteceu no início deste mês, durante o Troféu Brasil, disputado em Brasília. Defendendo o Pinheiros, clube paulista onde treina desde 2008, a ginasta mostrou que ainda pode praticar o esporte com alto rendimento. No solo, dividiu a liderança com Daniele Hipólito e garantiu o retorno à Seleção Brasileira. Mais uma vez, a gaúcha que começou a praticar o esporte apenas aos 11 anos de idade, surpreendeu. O foco agora são as Olimpíadas de Londres. Terminado o ciclo olímpico, Daiane vai se aposentar. Só então poderá ser decretado o fim da carreira da principal ginasta do país.
ZH - Como foi retornar em uma competição importante como o Troféu Brasil?
Daiane dos Santos - Depois de muito tempo sem competir, sempre dá aquele friozinho. Por mais que tenha experiência, era um novo começo pra mim. Era o tudo ou nada. Estou ou não preparada pra fazer? Senti bastante carinho das meninas e dos treinadores. Isso me deixou mais tranqüila. Que bom que deu tudo certo como a gente preparou. Agora é lapidar.
ZH - Você se sente pronta para voltar à seleção?
Daiane dos Santos - Pronta eu estou. Agora de 23 a 26 de junho (Meeting Internacional - Natal/RN) a gente vai demonstrar um pouquinho do que está sendo preparado para o Japão (Campeonato Mundial em outubro), tomara que vocês gostem. A gente está treinando bastante.
ZH - A suspensão por doping deixou algum trauma?
Daiane dos Santos - Trauma não ficou. Foi mais uma lição de que tem que se cuidar em tempo integral, mesmo não estando em período competitivo e fora da seleção. Aprendi muito com isso. É uma situação que eu não esperava e quero que ninguém passe.
ZH - Como você está física e tecnicamente?
Daiane dos Santos - Fisicamente estou 100%, não sinto dores, mas agora começa uma nova fase. Ainda têm alguns ajustes a fazer. Não só eu, mas o grupo todo da seleção. O Troféu Brasil foi bom para dar o primeiro passo.
ZH - Estamos acostumados a ver na ginástica, atletas bem jovens se consagrando. A sua idade (28 anos) atrapalha ou ajuda pela experiência?
Daiane dos Santos - Acho que é bom ter as duas gerações juntas. Tem um ótimo exemplo que é a Dani (Danielle Hipólito) que é mais velhinha que eu na ginástica. Tem outro super exemplo que é a Oksana Chusovitina (uzbequistã, mas defende a seleção da Alemanha) que tem 34 e é medalhista olímpica e está sempre ali nas cabeças. Com a tecnologia e aperfeiçoamento dos aparelhos, cada vez mais vai ter ginastas mais experientes se mantendo bem e ajudando suas seleções. Tem que treinar muito e estar bem também psicologicamente. A cabeça tem que estar legal.
ZH - Depois de tantas conquistas, qual é hoje a sua maior motivação?
Daiane dos Santos - O que falta é a medalha olímpica. Quando o Pinheiros me fez o convite, o foco era esse. Não só o meu objetivo, mas de todos nós ginastas da seleção. A gente ainda não tem esse título e queremos muito.
Daiane com os colegas de Pinheiros, Arthur Nory e Péricles SilvaFoto: divulgação
ZH - Você vai apresentar uma nova coreografia para a temporada?
Daiane dos Santos - Agora será uma música latina. Tinha que quebrar um pouco dessa coisa do Brasileirinho. As pessoas lembram muito. Foi marcante não só pra mim, mas para todas as pessoas. Mostrou um outro lado do Brasil. Um lado cultural que englobou o samba. A coreografia nova também vai ter uma parte de samba porque igualmente pegamos o lado latino do país. Esperamos que gostem.
ZH - E a série, alguma novidade?
Daiane dos Santos - A gente já treinou algumas passadas. Depois do Campeonato Brasileiro, vou treinar com a seleção. Acho que vai mudar não só a minha série, mas também a do resto da equipe. Ainda não sei se vai ser um duplo esticado ou algum outro.
ZH - Qual será a principal competição do ano?
Daiane dos Santos - O Mundial no Japão. É a competição que vale a vaga às Olimpíadas. Logo depois já vem o Pan-americano. As duas maiores competições do ano vão acontecer em outubro. Então precisarei estar muito bem preparada.
ZH - Quais seleções você considera as mais fortes da atualidade?
Daiane dos Santos - Estados Unidos, China. A Rússia está dando a volta por cima depois de um período complicado. Romênia também é forte. O legal é que todos já sabem que o Brasil não vai mais só pra competir. Todos estamos no mesmo barco e quem tiver o melhor colete vai se salvar.
ZH - Quais os planos para depois dos Jogos Olímpicos?
Daiane dos Santos - Minha saída é depois de Londres. Para 2016 fica complicado. A Daiane se despede em Londres e vêm novas meninas por aí.
ZH - Quem você aponta como sucessora?
Daiane dos Santos - Assim como em todos os esportes, a ginástica vai evoluindo. A gente vê grandes nomes como a Jade Barbosa, menina super talentosa. Tem a Letícia da Costa que entrou agora. Tem a Adrian Gomes, a Priscila Cobello, a Harumy Freitas. Muita gente nova surgindo. A gente queria exatamente isso, que não fosse momentâneo. Uma seleção boa em Atenas, outra em Pequim e daí acabou? Não, a gente espera que tenha uma seleção melhor ainda. Teremos para 2016 a Lorraine dos Santos. A tendência é essa, a gente vai sair, vai querer casar, ter filhos. Outras meninas vão aparecer e serão tão boas quanto a gente ou até melhores.
ZH - E depois da aposentadoria?
Daiane dos Santos - Quero participar de algum projeto social. Há muitos brotando no Brasil e precisa mais, porque sem massa a gente não vai conseguir tirar os tesouros pra conseguir formar a equipe de 2016.
ZH - Dá para achar outras "daianes" na periferia de Porto Alegre?
Daiane dos Santos - Dá pra achar na periferia do Brasil inteiro. Tenho um carinho especial pelo RS que é meu estado, e lá precisa de um projeto social. Mas não é só lá. A gente precisa de massificação esportiva no país inteiro.
ZH - Isso é uma crítica?
Daiane dos Santos - É um alerta e um conselho. Todos os outros países têm e o Brasil também vai ter bons projetos e mais clubes como o Pinheiros apoiando o esporte nacional.
ZH - As Olimpíadas no Rio podem ajudar nesse sentido?
Daiane dos Santos - Devem. Aí o nosso foco principal: usar tanto o Mundial de Futebol tanto a Olimpíada, para mudar a cultura esportiva do país. Não só a visão das pessoas, mas mudar mesmo, ter mais crianças praticando. Devemos fazer a integração entre o esporte e a educação, que é a salvação pra qualquer país.
ZH - Você pretende participar da organização dos Jogos de 2016?
Daiane dos Santos - Se for convidada, sim. Ainda estou pensando em Londres, apenas. Quero saber disso só depois.