No dia 16 de agosto de 2006, fitei o Beira-Rio com um olhar distinto. Parado em frente ao estádio que frequento desde a infância, bebi uma cerveja e lembrei de momentos trágicos e sublimes que havia passado ali dentro, até chegar ao instante transcendental daquela noite: uma final de Copa Libertadores da América. Esperei tanto tempo que não sabia como agir. Queria falar com todos meus amigos e familiares que sofreram comigo, queria ver a aflição dos gremistas que secavam desesperadamente nos seus quartos em Porto Alegre, queria que aquela noite jamais terminasse.
A taça estava no gramado, à minha espera, à espera de 60 mil pessoas. A taça, no Beira-Rio!
À meia-noite, ela seria minha ou escorreria pelas minhas mãos numa dor que talvez eu não conseguisse suportar. De qualquer forma, era na minha casa que a história se desenhava, era no meu gramado que Fernandão cruzava para Tinga arrancar as mais emocionantes lágrimas de felicidade que inundaram milhões de colorados desde a lendária goleira do capitão Elias Figueroa.
Contarei para os meus filhos e netos os detalhes do dia 16 de agosto de 2006. Levárei-los pelas mãos e mostrarei o que vivi para que eles jamais esqueçam que amar um clube, das coisas mais irracionais da vida, é a mais sensata. Direi para eles que a torcida ganhou, sim, a Libertadores, e cumprirei minha função com dignidade.
Diferentes torcidas vivem isso há 58 anos. Começou quando Olímpia e Peñarol decidiram a primeira edição da Libertadores, em Montevidéu e Assunção. Desde então, o torneio enraizou-se no coração dos latinos pela intensa emoção dos seus mata-mata, que culminam na mística noite de quarta-feira na casa da equipe de melhor campanha. Existe fórmula mais bem-sucedida do que essa?
À medida em que se acerca, como dizem os castelhanos, a grande final, as duas cidades que recebem as partidas vivem dias atípicos. É fácil expressar este sentimento para colorados e gremistas. Porto Alegre já foi palco de oito finais. Nunca saímos iguais depois de uma delas.
Levarei na retina, até o último suspiro, a imagem de Fernandão, cabelos esvoaçantes e olhar furioso, erguendo a Copa em frente ao seu povo. Levarei na retina, até o último suspiro, a imagem de D'Alessandro erguendo a Copa em frente ao seu povo e alentando “tu és minha paixão”, na arquibancada ainda de cimento do Beira-Rio.
Não existe nada, no futebol sul-americano, superior a disputar uma finalíssima de Libertadores em casa. Nada, absolutamente nada, substitui o apito final do juiz que decreta o título para a equipe local. Os gremistas mais antigos recordam de 1983; os colorados se arrepiam ao lembrar 2006 e 2010. Estas noites de Copa não têm fim. A alegria literalmente transborda do estádio e invade os bares, as casas, os restaurantes, as boates. Não sou católico ou evangélico, mas acho que posso definir o momento como “glória coletiva”.
Me sinto um velho escrevendo este texto. A Copa Libertadores da América mudou. A partir de 2019, a final será jogada em partida única, num sábado à tarde, em estádio escolhido antes do início do torneio. Que nem a Champions League. Emocionante como uma final de Roland Garros.
Retrocedemos 500 anos. Não basta apenas entregar para os europeus a nossa riqueza material. É preciso entregar a alma, o caráter e a identidade. Outra vez mais, paramos diante dos nossos conquistadores e dobramos os joelhos, dizendo que vamos segui-los.
Choram os verdadeiros amantes da Libertadores no Beira-Rio, na Arena, no Morumbi, na Bombonera, no Monumental de Nuñez, no Estádio Libertadores de America, no Centenário, no Defensores del Chaco, no Mineirão e no Atanasio Giradot.