— Veio para o jogo? Que legal! Você é jogador ou torcedor?
— Nenhum dos dois. Sou jornalista esportivo. Vim cobrir o jogo entre Metropolitanos e Inter, pela Copa Libertadores.
— Muito legal! Tenha um bom trabalho e seja bem-vindo a Venezuela!
A simpatia da agente da Polícia Nacional Bolivariana que carimbou o meu passaporte chamou a atenção nos meus primeiros minutos na cidade de Caracas. A policial não escondeu o sorriso ao perceber que eu e um grupo de quase 10 jornalistas brasileiros estávamos visitando o país por conta de uma partida de futebol
Aliás, os venezuelanos aparentam gostar muito de esporte. A primeira imagem vista por qualquer pessoa que desembarca no Aeroporto Internacional Simón Bolívar é um pôster dos atletas venezuelanos que ganharam medalha nos Jogos Olímpicos de Tóquio, como a saltadora Yulimar Rojas, o ciclista Daniel Dhers e os halterofilistas Keydomar Valenilla e Julio Mayora.
Mas, ao que tudo indica, o que empolga mais os venezuelanos hoje em dia é o futebol, mesmo em um país onde tradicionalmente o beisebol é o esporte mais popular. Quem me garantiu isso ao menos foi o taxista Vicente Ribero, 62 anos, que conduziu a mim, o narrador Marcelo de Bona e o técnico de externas Rodrigo Zaro do aeroporto ao hotel.
— Quando jovem, eu era fã de beisebol, que sempre foi o nosso esporte mais popular. Mas agora a juventude venezuelana está se tornando muito mais apaixonada por futebol. E eu também. Hoje, tomei gosto pelo futebol e é o meu esporte favorito. Quero inclusive acompanhar o jogo do Metropolitanos contra o Inter — contou Ribero, que disse ser torcedor do Barcelona, time pequeno da cidade homônima, situada no noroeste do país.
No trajeto de 40 minutos entre o aeroporto Simón Bolívar e o nosso hotel, no bairro Chacao, região central de Caracas, chamaram atenção a ausência de qualquer congestionamento e o permanente contraste entre favelas no topo dos morros que cercam a capital e prédios antigos, porém imponentes, junto às principais avenidas da cidade.
O trânsito de Caracas, porém, inspira alguns cuidados. A todo momento, motociclistas buzinam e "costuram" em meio a carros e caminhões em uma velocidade mais rápida que o razoável. E o semáforo nem sempre é respeitado
— Só nos bairros mais nobres que tem de respeitar. Ali, a polícia fiscaliza. Nos outros, não — contou o nosso motorista.
Após fazer o check-in, fizemos um rápido passeio pelas lojas e shoppings situados nas imediações do hotel. As cenas de prateleiras vazias e de filas quilométricas em busca de produtos básicos, que viralizaram na crise política vivida pelo país entre 2018 e 2019, aparentemente ficaram no passado.
No supermercado que visitamos, todas as prateleiras estavam abastecidas com uma grande variedade de itens. Já nas lojas, as vitrines estavam repletas de bijuterias, roupas e outros produtos para venda. Foi uma amostra pequena, em um bairro badalado, é verdade. Mas apesar de a Venezuela ainda viver uma grave crise e conviver com índices altos de inflação, são claros nas ruas os sinais de recuperação econômica em relação a dois anos atrás.
Outro fato que chamou atenção é que os dólares tomaram conta da vida comercial venezuelana. Desde que o uso da moeda norte-americana foi autorizado pelo presidente Nicolas Maduro, em 2018, as principais transações passaram a ser em dólar e não mais em bolívar, que em tese ainda é a moeda oficial do país. Em todos os restaurantes e lanchonetes que fomos, o cardápio mostrava os preços em dólar e não em bolívar.
— Aceitamos dólares ou bolívares. Se vocês me pagarem em dólar, posso dar o troco em dólar ou em bolívar. Fica a critério de vocês — nos disse a garçonete.
A dolarização informal da economia venezuelana torna os preços mais caros para viajantes de países como o Brasil, ao menos nos bairros mais nobres de Caracas. No restaurante em que eu, De Bona e Zaro jantamos, por exemplo, os pratos mais tradicionais, como carne ou frango, arroz e salada custavam entre 15 (R$ 74) e 20 dólares (R$ 99). Acabamos cada um pedindo uma pizza de Marguerita, que custou 8 dólares (R$ 39).
Se tivéssemos pago a pizza na moeda local, o valor teria sido 208 bolívares. Porém, não sabemos nem onde conseguir trocar dólares por bolívares. E nem precisa. Afinal, os estabelecimentos e vendedores em Caracas preferem receber em dólar, que possui um valor muito maior que a moeda local.
A dolarização é um dos trunfos de um país em crise que tenta se recuperar. Situação, aliás, muito parecida com a do Inter, que desembarca na noite desta terça (23) em Caracas e, tal qual a Venezuela, também sonha com dias melhores