Poucos jogadores superaram a marca de 500 jogos pelo Inter. Para ser mais específico, somente três: o atacante Valdomiro, estrela do time tricampeão brasileiro nos anos 1970, o zagueiro Bibiano Pontes, que esteve na inauguração do Beira-Rio, e D’Alessandro.
Ao longo dos 12 anos em que defendeu a camisa colorada, o meia argentino conquistou títulos importantes, imergiu na rivalidade Gre-Nal e se solidificou como um dos maiores ídolos da história do clube. Uma trajetória difícil de imaginar quando ele foi contratado, em 2008.
— A ideia da contratação dele surgiu em um momento que eu não estava no clube. Eu passava férias em Punta del Este e assistia ao jogo entre River Plate e San Lorenzo, pela Libertadores. O D’Alessandro jogou demais, o San Lorenzo se classificou e ele enlouqueceu, foi comemorar com a torcida e tal. Eu sempre o achei um baita jogador, e nesse jogo me dei conta que, se ele estava no San Lorenzo, o Inter teria condições de contratá-lo. Então, eu pensei: se eu voltar para o Inter, a primeira coisa que eu vou fazer é tentar contratar esse cara — revela Fernando Carvalho.
Depois de presidir o Inter nas suas maiores conquistas, da Libertadores e do Mundial de Clubes de 2006, Carvalho estava fora do Beira-Rio. O jogo referido por ele se deu em maio de 2008. Apenas um mês depois daquele "insight", o dirigente foi chamado para apaziguar os ânimos entre o então mandatário Vitório Piffero e o vice-presidente de futebol Giovanni Luigi. Ambos discordavam quanto à contratação do treinador, que viria a ser Tite.
— No dia em que eu voltei ao Inter, fiquei sabendo que o Fernandão iria sair. Foi um baque para mim — afirma Carvalho, recordando a ida do histórico camisa 9 para o Al-Gharafa, do Catar.
Com a saída do maior ídolo colorado da década, Carvalho se ocupou de apagar os pequenos incêndios que levavam o Inter a enfrentar uma turbulência em meio à temporada. Assim, os dias foram passando e a ideia surgida no litoral uruguaio caiu no esquecimento.
— O empresário Fernando Otto veio me oferecer um jogador argentino, e eu disse: "Se é para trazer um argentino, eu quero o D’Alessandro". Uma semana depois, ele trouxe uma carta assinada pelo antigo procurador do D’Alessandro, dizendo que tinha 15 dias para negociar a contratação dele. Então, nos mobilizamos, eu fui à Argentina e me encontrei com o D’Alessandro em um hotel — conta o ex-presidente.
O negócio era complexo. O meia argentino tinha 50% de seu passe vinculado ao Zaragoza, da Espanha, onde havia atuado anteriormente. A outra metade do passe pertencia ao empresário Marcelo Tinelli, um apresentador de TV fanático pelo San Lorenzo (e que se tornaria presidente do clube no futuro). No total, a compra custaria 5 milhões de dólares.
A engenharia financeira se daria da seguinte forma: o empresário Delcir Sonda arcaria com 2,5 milhões de dólares. A parte colorada acabaria sendo parcelada em cinco anos.
Não penso se sou uma contratação cara ou barata. Nunca pensei nisso e não vou pensar agora
D'ALESSANDRO
declaração dada na apresentação do meia, no Beira-Rio
— Era um negócio que o clube poderia suportar. Eu nunca comprei jogador caro. Não gosto. Fiquei seis anos e meio no Inter e o único jogador caro que comprei foi o D'Alessandro, porque foi um jogador especial — explica Carvalho.
Porém, antes de firmar o acordo, o dirigente colorado queria olhar no olho do meio-campista. No mesmo encontro em que empresário e advogados que construíram o contrato, em um hotel de Buenos Aires, Carvalho puxou o atleta para um canto na sala.
— No nosso primeiro encontro, ele foi muito arredio. Depois que saímos da sala, tivemos uma conversa a sós. Ele tinha a fama de ser um jogador de difícil relacionamento, que não gostava de brasileiros. Eu queria que ele me explicasse se era verdade. Ele disse que não, que tinha até passado férias na Bahia e que era profissional, que cumpriria o que fosse acordado. Apertamos as mãos e eu expliquei para ele o que era o Gre-Nal, que era um campeonato à parte, que mobilizava a cidade mais do que River e Boca, que ele tinha de ter o Grêmio como principal foco dele. Acho que ele compreendeu isso, pois no primeiro que disputou, ele jogou bem e criou tumulto — avalia o presidente campeão do mundo.
Na sua chegada a Porto Alegre, no final de julho de 2008, cerca de 400 torcedores o aguardavam no Aeroporto Salgado Filho. Naquele mesmo dia, dos camarotes do Beira-Rio, ele assistiu à derrota por 1 a 0 para o Santos, pelo Brasileirão.
— Nunca vivi isso. Me surpreendeu muito o carinho das pessoas no aeroporto e no campo também. Tenho muita vontade de que as coisas aconteçam bem — disse o jogador em sua apresentação — Não penso se sou uma contratação cara ou barata. Nunca pensei nisso e não vou pensar agora — finalizou ele.
Ciceroneado pelo volante e compatriota Guiñazu, o meia se adaptou rapidamente ao Inter e passou a ter o jovem atacante Taison como seu melhor amigo. De cara, com a camisa 15 às costas, foi uma das peças fundamentais na inédita conquista da Copa Sul-Americana.
— Aquele time do Tite foi um dos melhores que eu montei. As lideranças do vestiário eram o Edinho, Guiñazu, Kleber, Bolívar e Magrão. Era com eles que eu tratava. O Alex foi uma liderança técnica. Com a chegada do D'Alessandro, o Tite mudou a função do Alex, que passou a jogar como atacante e passou a ser um protagonista pelo bom passe e chute. Tinha o Nilmar na frente, que era muito rápido. Era um time que tocava muito a bola — analisa Carvalho.
Doze anos depois é fácil colocar o argentino no rol de ídolos colorados. Porém, é preciso voltar no tempo para ter a real dimensão do desafio que ele encontrou no Beira-Rio. Em um clube exigente por grandes conquistas, D’Alessandro ajudou a manter o sarrafo alto e soube preencher a lacuna que estava vaga no imaginário do torcedor.
— A ideia de trazer o D'Alessandro não era para suprir a saída do Fernandão. Eu não podia fazer essa relação, porque o Fernandão tinha outra dimensão e outras características. Ele veio por sua qualidade técnica. Eu reputava o D'Alessandro como um jogador de status mundial, com um preço compatível à nossa realidade. Depois, ele acabou ocupando o espaço do Fernandão, mas não era o objetivo inicial — conclui Fernando Carvalho.