Recado ao homem ofendido: se essa generalização do título te incomoda, te irrita, te magoa, imagina o que sentiram (e sentem) as mulheres que são chamadas de p*** na rua e nos estádios, por completos desconhecidos, sem terem feito absolutamente nada, apenas por existirem.
Pensa comigo: ninguém xinga algo que é do seu apreço, certo? Tu não vais acordar um dia e sair pelas ruas e pelas redes ofendendo as pessoas que tu amas. Para as coisas que tu gostas, tu dedicas o teu carinho, o teu afeto, as mais bonitas e fofas palavras presentes no teu vocabulário. Ofender, xingar e desrespeitar, por outro lado, são ações que a gente guarda para aqueles que desprezamos, detestamos, não gostamos nem um pouquinho sequer.
Pois é exatamente assim que os colorados (e os gremistas, e os flamenguistas, e os cruzeirenses, e os...) tratam as mulheres no Beira-Rio (e na Arena, e no Maracanã, e nas ruas...). Esse desrespeito, esse desprezo e essa vontade-incontrolável-de-ofender-e-diminuir-alguém-do-completo-nada, apenas por este alguém ter cometido o delito de ser mulher, tem até um termo específico: misoginia.
Misoginia (s. f.)
Sentimento de repulsa e/ou aversão às mulheres.
Só mesmo um total e completo "sentimento de repulsa" pode explicar os três fatos assustadoramente comuns que aconteceram no Beira-Rio (e a caminho dele) durante o domingo do Gre-Nal 413.
A Renata de Medeiros, mulher, repórter da Rádio Gaúcha, foi chamada de p*** e fisicamente agredida enquanto trabalhava nas arquibancadas do Beira-Rio. A Renata de Medeiros, mulher, repórter da Rádio Gaúcha, não havia puxado briga, não havia ofendido ninguém - como tal xingamento ouvido pode presumir -, não havia se metido em confusão alguma. A Renata de Medeiros, mulher, repórter da Rádio Gaúcha foi ofendida, verbal e fisicamente, por um homem completamente desconhecido só porque ela teve a pachorra de, olha só, ser mulher e estar trabalhando em um estádio de futebol.
A Kelly Matos, mulher, torcedora do Sport Club Internacional, foi chamada de p*** enquanto, no seu dia de folga, caminhava na direção do estádio do seu time. A Kelly Matos, mulher, torcedora do Inter, teve que ouvir essa e diversas outras (e mais pesadas, e ainda mais absurdas) ofensas vindas de um carro ocupado por dois homens completamente desconhecidos. A Kelly Matos, mulher, torcedora do Inter, não havia se metido em confusão alguma, não havia dado a esses homens nenhuma razão que desencadeasse tamanho ódio. A Kelly Matos, mulher, torcedora do Inter, foi ofendida e perseguida por ter cometido o absurdo de ser mulher e estar indo para um jogo de futebol.
A Juliana Palma, mulher, torcedora do Grêmio, teve que assistir a uma patética, nojenta e escatológica sequência de "movimentos sexuais" feitas por um completo estranho na direção dos camarotes durante o jogo no Beira-Rio. As mulheres, torcedoras do Grêmio, a quem ele dirigiu o ato não estavam flertando com aquele homem, não o haviam provocado, incitado, ofendido, criticado, diminuído de forma alguma. As mulheres, torcedoras do Grêmio, tiveram a si direcionados gestos obscenos por serem mulheres e estarem em uma arquibancada de estádio de futebol.
Não há nada no comportamento dessas três mulheres que justifique o que elas ouviram, viram e sentiram. A única explicação que cabe aqui é o ódio total e gratuito que esses homens sentem pelas mulheres. Misoginia, mais uma vez, fortemente presente em um estádio de futebol, na torcida do Inter.
E não adianta argumentar que esses foram "casos isolados", que "a maioria não é assim". A maioria referenda esse tipo de absurdo. Nenhum outro homem impediu os xingamentos à Renata, as ofensas à Kelly e os gestos filmados pela Juliana. E todos estes atos foram cometidos em ambiente aberto repleto, abarrotado de pessoas. Nenhum homem, dentre milhares, foi capaz de 1) impedir as ofensas ou 2) constranger os agressores.
Ninguém se sente constrangido na hora de ofender uma mulher em um estádio de futebol. Nenhum homem se sente, de maneira alguma, acuado ou enfraquecido. O estádio de futebol abraça esse homem, protege esse homem, faz com que ele sinta que está correto, que é certo ofender uma mulher apenas por ela ser mulher. Logo, não são esses "casos isolados" o problema maior, o que devemos mudar é esse ambiente machista e imbecil que nós construímos ao nosso redor dentro do Beira-Rio (e da Arena, e do Pacaembu, e do Couto Pereira, e do...).
Estamos errados, todos.
Entender isso já pode ser um começo (e já passou da hora de fazermos alguma coisa).