Antes de o time de Guto Ferreira entrar em campo, na Arena Independência, para enfrentar o América-MG, um outro Inter estará jogando uma partida muito mais importante que essa, no Rio de janeiro. A partir das 15h desta terça-feira, os advogados colorados defenderão o clube na 5ª Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Em jogo, o rumoroso Caso Victor Ramos e o risco de o clube, em caso de pesada sanção, acabar alijado até mesmo da Série B – assim, quando pudesse voltar após uma possível punição, retornaria jogando a Série D.
A Procuradoria do STJD denunciou o Inter e o então presidente Vitorio Piffero por adulteração de provas – os e-mails apresentados pelo clube em seu pedido de punição ao Vitória no Brasileirão do ano passado, a fim de evitar o descenso à Segunda Divisão, devido à inscrição irregular do zagueiro do clube baiano.
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Nos bastidores, porém, os comentários dão conta que o Inter dificilmente sofreará pena tão severa, se for considerado culpado pelos auditores, mas que servirá como "exemplo" para que outros não afrontem novamente a CBF. Nesse caso, além de uma advertência, o clube sofreria um multa pesada, algo na casa dos R$ 100 mil. Além disso, há o risco de ser punido com a perda de uma janela de transferências, ficando impedido de vender ou comprar jogadores por seis meses – o que também dificilmente ocorrerá. Já o ex-presidente Piffero poderá ser suspenso por seis meses.
Clube e Piffero serão julgados pela 5ª Comissão Disciplinar do STJD. O relator do processo é o advogado paulista José Marcelo Nascimento. A comissão é presidida pelo advogado carioca Rodrigo Mendonça Raposo. Além deles, atuam na comissão que julgará o caso Victor Ramos os auditores e também advogados Flávio Boson Gambogi (de Minas Gerais), Eduardo Affonso De Santis Mendes de Farias Mello (do Distrito Federal) e Maurício Alexandre Perna Neves (também do Distrito Federal). Todos têm direito a voto. Qualquer que seja o resultado, ambas as partes têm direito a recorrer da decisão ao Pleno do Tribunal. Em caso de recurso, o julgamento ocorrerá em 22 de junho (na cidade de Goiânia, onde haverá uma sessão itinerante do Pleno) ou em 13 de julho, no Rio.
O pano de fundo da denúncia do STJD ao Inter foi a inscrição irregular de Victor Ramos, em uma manobra sugerida aos baianos pelo diretor de registros da CBF, Reynaldo Buzzoni. E isso constrangeu e irritou a entidade. Ramos então teve a sua transferência feita pelo Palmeiras diretamente ao Vitória. Porém, o correto seria que o Monterrey (detentor dos direitos do jogador) o transferisse ao Vitória. Mas isso não foi feito porque o jogador perderia a janela de inscrições para a disputa do Campeonato Baiano. E o trâmite jamais foi corrigido. O Inter recebeu uma troca de e-mails de Buzzoni com o então diretor de futebol dos baianos, Anderson Barros, mas, segundo o inquérito do Tribunal, os e-mails originais foram adulterados pelo empresário do zagueiro, Francisco Godoy, e utilizados pelo Inter – o que provocou a Procuradoria a denunciar o Inter por se beneficiar de tal adulteração.
Para evitar que essas punições se confirmem, o Inter mandará ao Rio de Janeiro o vice-jurídico Gustavo Juchem mais os advogados Daniel Cravo e Rogério Pastl. O clube já teve uma primeira vitória ao ver a Ordem dos Advogado do Brasil a defender os seus filiados e impedir que os advogados colorados fossem denunciados no inquérito do STJD – como havia a possibilidade e até uma ameaça velada. O Inter alegará que jamais agiu de má-fé e que foi vítima da adulteração de Godoy.
Em sua defesa, o clube apresentará ainda perícias que contratou para analisar os e-mails, a fim de mostrar que não houve adulteração no conteúdo das mensagens. Uma delas foi feito pelo perito em segurança digital, Guilherme Macedo, comprovando que os e-mails enviados desde o Monterrey até chegar ao Beira-Rio foram os originais. Também fez uma perícia documentoscópica, comparando as impressões em papel dos e-mails com a ata registrada pela CBF. O clube ainda conta com os pareceres do jurista Miguel Reale Júnior e do professor de português Cláudio Moreno informando que não houve alteração no sentido das mensagens dos e-mails para a inscrição de Victor Ramos ao Vitória.
Mas o Inter não se baseia apenas na apresentação de seus advogados à frente dos cinco auditores da 5ª Comissão Disciplinar. A CBF gosta de ser incensada. E o Inter já buscou essa reaproximação com a entidade. Como a Confederação se sentiu afrontada pelo clube, uma vez que foi ela quem deu a liberação para que Victor Ramos atuasse pelo Vitória, um importante emissário ligado à direção do Inter e com trânsito no Rio visitou recentemente o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, a fim de retomar a boa relação entre entidade e clube.
Assim, 195 dias depois de ingressar no STJD alegando inscrição irregular de Victor Ramos, de ir à Suíça sem sucesso para tentar reverter o seus descenso e acabar sendo acusado de adulteração de documentos, correndo o risco de um novo rebaixamento, agora nos Tribunais, o Inter tenta ter paz e ver o Caso Victor Ramos definitivamente no passado – com o clube seguindo em seu purgatório pessoal, tentando retornar dentro de campo à Primeira Divisão.
Os artigos nos quais Inter e Piffero foram denunciados:
Ao Inter
Artigo 61
1. Quem, no âmbito de qualquer atividade própria do futebol, crer em um documento falso, falsificar um documento ou utilizar um documento falsificado com o fim de enganar em atuações judiciais será punido com multa.
4. Pode-se responsabilizar uma associação por uma infração, tal como se define no inciso 1 deste presente artigo, cometida por um de seus dirigentes e/ou jogadores. Neste caso, além da imposição de uma multa, poderá se punir com a exclusão da associação de uma competição.
Artigo 136
Aplicação
1. Quando a infração cometida se qualificar como grave, particularmente, ainda que não exclusivamente em casos de doping, tentativas de influir ilegalmente nos resultados de jogos, conduta incorreta frente a oficiais de partidas, falsificação de títulos ou violação das disposições relativas a limites de idade, as associações, confederações e outras entidades desportivas organizadoras devem solicitar à Fifa a extensão do âmbito mundial das punições que forem impostas.
Das infrações contra a ética desportiva (denúncia a Vitorio Piffero)
Artigo 234
Falsificar, no todo ou em parte, documento público ou particular, omitir declaração que nele deveria constar, inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que deveria ser escrita, para o fim de usá-lo perante a Justiça Desportiva ou entidade desportiva.
Pena: suspensão de cento e oitenta a setecentos e vinte dias, multa de R$ 100 a R$ 100.000 e eliminação na reincidência.
O ritual
Como será o julgamento
1. O presidente da comissão, o advogado carioca Rodrigo Mendonça Raposo anunciará o julgamento, o Processo Nº 044/2017, e apresentará a denúncia que foi oferecida pela Procuradoria do Tribunal ao clube.
2. O relator do processo, o advogado paulista (e vice-presidente da 5ª Comissão) José Marcelo Nascimento, discorrerá sobre a denúncia e apresentará as provas documentais sobre o caso.
3. Depois do relatório, há a produção de provas (audiovisuais e testemunhais)
4. A Procuradoria tem mais 10 minutos para apresentar as suas provas documentais e o mesmo tempo é dado para a defesa
5. Em seguida, o relator pronunciará o seu voto
6. Depois, os demais auditores os advogados Eduardo Affonso De Santis Mendes de Farias Mello (do Distrito Federal), Maurício Alexandre Perna Neves (do Distrito Federal) e Flávio Boson Gambogi (de Minas Gerais) votarão
7. O último voto será do presidente Rodrigo Mendonça Raposo
8. Não existe voto de Minerva. Em caso de empate (um auditor pode se abster, enquanto que dois relatores podem optar por determinada pena, enquanto que outros dois podem optar por outra, por exemplo), a pena a ser aplicada será a mais benéfica ao réu
9. A partir da sentença, as partes podem pedir o voto do relator por escrito. O Tribunal tem dois dias de prazo para atender à solicitação
10. Depois de receberem o voto do relator, as partes têm três dias para recorrer ao Pleno do STJD
11. Em caso de novo julgamento, agora no Pleno, ele deverá ocorrer no dia 22 de junho – durante sessão itinerante do STJD – ou em 13 de julho, no Rio
12. Caso haja punição pecuniária ao Inter, a multa aplicada será revertida a uma entidade assistencial indicada pelo Tribunal
Relembre o Caso Victor Ramos
Desde o final do ano passado, o Inter entrou na Justiça Desportiva alegando uma irregularidade na inscrição do zagueiro Victor Ramos, que foi contratado pelo Vitória junto ao Monterrey-MEX. Como estava emprestado ao Palmeiras, os clubes fizeram a transferência diretamente no Brasil, sem passar pelos trâmites burocráticos internacionais previstos pela Fifa, segundo o clube gaúcho. Isso teria beneficiado o clube baiano a acelerar sua inscrição e ter vantagens financeiras na negociação – se o Inter conseguisse caracterizar a irregularidade, o Vitória poderia perder pontos no Brasileirão do ano passado e, assim, o Inter se manteria na Série A.
O caso não foi levado adiante pela Procuradoria do STJD e, portanto, nunca foi julgado no Brasil. Desta forma, o Inter optou por entrar com um recurso na Corte Arbitral do Esporte (CAS), na Suíça. Contudo, a instância máxima do esporte decidiu que não tinha competência para julgar o mérito da questão e encerrou o caso.
*ZHESPORTES