Um cena inusitada foi vista no Beira-Rio, antes de Inter e ABC. De repente, no aquecimento dos goleiros, o preparador Daniel Pavan, 42 anos, tem o nome gritado e é recebido sob aplausos pelas sociais. Há um bom motivo para essa inesperada idolatria. Pavan fez de Danilo Fernandes um goleiro de Seleção Brasileira. O barbudo da camisa 1 foi dos poucos a se salvar do desastroso 2016. Depois de Danilo, que caiu lesionado com uma fratura por estresse no pé esquerdo, em 5 de abril, Marcelo Lomba assumiu o gol. E foi o herói da classificação do Inter em Itaquera, na decisão por pênaltis com o Corinthians, pela Copa do Brasil.
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Mas Lomba também tombou, com uma séria lesão muscular na coxa. Entrou Keiller, de 20 anos, que de cara defendeu um pênalti e salvou o Inter na semifinal contra o Caxias. Pavan, que recebeu um "não" ao tentar ser goleiro do Inter na adolescência, decidiu então que treinaria goleiros. Hoje, ele forma os anjos da guarda da defesa colorada. Foi aplaudido com merecimento.
Confira os principais trechos da entrevista:
Não é comum um preparador ter o nome gritado pela torcida.
Levei até um susto. Não esperava aquilo. Na rua, as pessoas vêm falar comigo. Pedem para tirar foto, isso nunca havia acontecido, há pessoas que nem sabia que me conheciam. Fiquei até constrangido quando vi um setor inteiro se levantar e me aplaudir. Fiquei até envergonhado. Nem sabia como agradecer. Não é algo comum as pessoas reconhecerem o treinador de goleiros, já fico feliz quando me aplaudem no aquecimento dos goleiros. Aquilo para mim já era o auge. Fiquei surpreso quando gritaram meu nome.
Você chegou a fazer carreira como goleiro?
Tentei jogar nas categorias de base do Inter, com 13, 14 anos, mas não consegui ir adiante, não tive o talento necessário. Mas sempre tive o sonho de continuar no futebol e sempre gostei da posição. Entrei na faculdade de Educação Física pensando seguir carreira de preparador de goleiros. Entrei no Inter ainda como estudante, assumindo como professor das escolinhas. Depois, fui subindo: preparador de goleiros do sub-14, sub-15, sub-20. Até chegar ao Inter B. Nesse meio tempo, terminei a faculdade e continuei no Inter. Foram 15 anos nas categorias de base. Em 2009, fui convidado para assumir os profissionais do Juventude, em sentia preparado e, no Inter, não era tão fácil de subir. Acabei indo. Fiquei um ano e pouco e voltei para o Inter, já nos profissionais, como auxiliar do Marquinhos Trocourt. Um cara que me ensinou muita coisa e que me deu muitas chances. Os goleiros eram Muriel, Agenor, Renan e Lauro. Depois, o Lauro saiu e o Alisson subiu, em 2012, como quarto goleiro.
E quando você assumiu como o preparador principal?
Em 2013, quando o Dunga saiu, o Rogério Maia foi junto. Clemer assumiu e eu fiquei provisoriamente como o preparador de goleiros. Foi uma época em que o Muriel cresceu muito. Mas a minha grande chance mesmo surgiu em 2015, quando virei o preparador de goleiros do time principal. É quase como uma formação de goleiro: tem de esperar. Alisson fez um grande sucesso naquele ano e chegou à Seleção. Depois, vieram Danilo e Lomba.
Quais goleiros passaram por você em 15 anos de base?
Acho que os mais conhecidos foram João Gabriel, Luiz Müller, Fabiano Heves, Marcelo Boeck, Renan, Matheus Cavichioli, que está no Juventude (e que foi campeão gaúcho com o Novo Hamburgo), Agenor, Muriel e Alisson.
Mas onde fica a máxima "goleiro se faz em casa", quando os dois principais goleiros do Inter foram comprados?
Os quatro goleiros que estão no profissional hoje não caíram de paraquedas no clube. Eu pude escolher os quatro. Eu e o Durgue (Durgue Vidal, auxiliar de Pavan) tivemos a oportunidade de escolher o sucessor do Alisson. A direção nos ouviu. Indiquei o Danilo Fernandes para o Inter, quando decidimos trocar o segundo goleiro (que era Muriel), Marcelo Lomba também foi escolha minha. Nunca esqueço, o presidente (Vitorio Piffero) me chamou na sala dele e disse: "Tens até amanhã ao meio-dia para me indicar o goleiro que vai substituir o Alisson (vendido à Roma). E eu respondi: "Posso te dar o nome agora, é o Danilo, do Sport". Havia outros nomes, mas conhecia o Danilo desde a base do Corinthians, e era quem se encaixava melhor. Com o Lomba foi a mesma coisa. Acompanhava ele há tempos. Já o Daniel estava sem espaço na base, sempre gostei do estilo dele. O Clemer muitas vezes me chamou a atenção para dar uma "boa olhada" no Daniel, dizia que era bom goleiro e que tinha futuro. Emprestamos Jacsson porque tínhamos certeza que o Daniel daria conta do recado. Parecia um goleiro rodado contra o Palmeiras, em São Paulo. É claro que a gente confia neles, mas sempre há o risco de um jovem entrar na fogueira.
Você cresceu vendo o Taffarel jogar. Você sonha com a Seleção e como é o seu contato com ele hoje?
Não vou mentir que não tenho o sonho de chegar à Seleção Brasileira. O Taffarel é o meu ídolo e referência. Gostaria muito de trabalhar com ele, nos falamos bastante. Muitas vezes ele me liga. Quando o Danilo se machucou, Taffarel ficou muito chateado, me ligou várias vezes. Antes da final com o Novo Hamburgo, em Caxias, eu estava com Danilo no consultório do médico e Taffarel telefonou para saber como ele estava. Quando houve uma segunda convocação para a Seleção, e o Danilo não foi chamado novamente, Taffarel ligou também e disse para ele não ficar chateado, que eles seguiam de olho. Sonho trabalhar com ele.
No Inter, o prepador sugere ou escala o goleiro?
Tenho liberdade com Zago, ele me escuta bastante. E ele dá liberdade para que eu escolha o goleiro, mas a palavra final sempre será dele.
Como foram aqueles dias sem Danilo, operado no pé esquerdo, com Lomba lesionado e, a perda de Keiller, e o retorno de Danilo às pressas para afinal do Gauchão?
Eu estava estressado, tenso e preocupado. Não vou mentir. Cada lesão que a gente simplesmente não podia acreditar. A do Keiller, então, foi impressionante (uma luxação no cotovelo esquerdo, ao sair em uma bola aérea contra o atacante Lucas Santos, do Novo Hamburgo, no jogo de ida das finais). Poupamos o Keiller a semana toda. Só havia ele de goleiro em condições inscrito no Gauchão. E acho que isso influenciou na performance dele. Não estava natural. Fez uma grande atuação contra o Caxias (na partida de volta das semifinais, no Centenário, quando substituiu Lomba, lesionado no começo do jogo) e, contra o Novo Hamburgo, estava preocupado. Não por jogar, mas por saber que não poderia se machucar. Ele acabou perdendo o tempo da bola, mas, se ele não saísse, talvez tivéssemos levado o gol. Ele não foi da melhor forma tecnicamente falando para o lance, mas salvou o gol e se machucou. Ali, sim, foi o auge do estresse. Estávamos indo para a final com um goleiro que não tinha condições para uma decisão (Danilo).
Lomba, no jogo de ida com o Novo Hamburgo, acabou indo a campo no lugar de Keiller, mas sem a mínima condição de jogo.
Ele foi um guerreiro. Colocou a cara à tapa, não tinha condições de estar ali. Lomba ficou no banco porque não tínhamos mais ninguém. Graças a Deus a lesão do Keiller foi no fim do jogo, se fosse no meio do segundo tempo, não sei o que seria do Lomba. Ficamos muito preocupados do jeito que ele entrou em campo. A situação clínica dele não era a mais favorável.
E Danilo na final, no Centenário, que até para os pênaltis foi?
Danilo já estava em uma situação bem melhor. Mas também não tinha condições. Esses dois foram guerreiros de verdade, honraram demais a camisa. Danilo fez uma cirurgia cujo prazo para a recuperação era de 60 dias. Ele estava com apenas 30 dias na final (32 dias, na realidade). E era uma fratura, havia a preocupação que a cirurgia fosse regredir em algum salto, mas ele fez radiografia no dia seguinte e isso não aconteceu. E agora já voltou aos treinamentos. Os dois queriam jogar, pediram para jogar. Trabalhamos em horários separados. Se o time treinava à tarde, treinávamos pela manhã. E vice-versa. Para dar confiança a eles e para não expô-los, pois sabiam que não estavam nas condições ideias. Por três ou quatro dias fizemos isso no CT, as pessoas passavam, olhavam e meio que não acreditavam noque viam. O primeiro treino foi no vestiário, a fim de evitar um impacto maior.
Você chegou a cogitar alguém de linha para jogar no gol?
Não treinamos ninguém. Vinha um ou outro e dizia que já havia jogado no gol: Edenílson, Charles... E até o Carlos. O Carlos disse que havia sido goleiro de futsal. mas prefiro um goleiro sem as reais condições do que um jogador de linha a 100%. Eles sequer têm cacoete de goleiro, até psicologicamente é melhor ter um goleiro-goleiro, para que o adversário saiba que tem alguém que conhece a função ali.
No ano que vem, o Inter vai inscrever quatro goleiros para o Gauchão?
Com certeza. Vamos aumentar o número de goleiros. No mínimo quatro, depois desse susto. Mas inscrever três goleiros não foi um erro, foi azar, fatalidade. Foram três lesões sérias. No Gauchão, 10 dos 12 times inscreveram três goleiros. E 90% dos que começaram o campeonato também terminaram com o mesmo goleiro. O que é o normal. É de praxe inscrever três, é mais que suficiente para um torneio com pouco mais de três meses de duração.
Danilo jogará em Belém?
A expectativa é que jogue, sim. Até para pegar ritmo. Já o Lomba, vamos segurar mais. Marcelo Lomba talvez possa fazer parte do jogo contra o Palmeiras. Danilo está muito melhor do que na final do Gauchão, já se movimenta com mais naturalidade. Ele havia saída da final com muita dor. no pé esquerdo. Agora, até já bate tiro de meta. Ainda precisa pegar ritmo de jogo, tempo de bola e de espaço, coisas que são retomadas conforme ele for treinando com o time.
E Keiller? Volta quando?
O Keiller ainda precisa de um prazo maior, ele ainda tem dificuldade para estender o braço. Tenta estender e o antebraço fica rígido. Para voltar a treinar com bola, ainda não há prazo. A volta dele não é de curto prazo.
Dentro disso, o Inter chegou a tentar contratar um novo goleiro?
Ouvi que o Inter estaria contratando o Elias, do Juventude e que está emprestado à Chapecoense. É claro que quando você perde três goleiros acaba se falando sobre isso. Mas nunca falamos em nomes. Eu disse que não era preciso trazer goleiro, acreditava que o Daniel podia dar conta do recado, como deu. Além disso, sabíamos que dentro de 10 ou 15 dias Danilo e Lomba estariam de volta. Não havia motivo para ficarmos com cinco goleiros no elenco.
Para um goleiro, jogar a Série B é diferente de jogar a Série A, onde você enfrenta os melhores atacantes?
Não muda nada. Se não se saírem bem, terão a mesma cobrança da Série A. Ou talvez a cobrança seja maior ainda, devido à pressão por enfrentar um time de menor expressão. Internamente, encaramos do mesmo jeito, como se fosse a Série A.
Quem é o melhor goleiro do mundo?
Ainda é o Neuer (Bayern de Munique e seleção alemã). Buffon (Juventus) também está entre os melhores. Mas Neuer é mais completo e joga muito bem com os pés. Jan Oblak, o esloveno do Atlético de Madrid, é outro grande goleiro. Depois, Thibaut Courtois (belga do Chelsea) e Alisson. A partir do momento em que o Alisson assumir a titularidade na Europa, terá condições de estar nessa lista, ele é diferenciado.
Mas a Copa do Mundo se avizinha e Alisson não está jogando.
Essa é uma preocupação que ele tem. Me passou que acha que tem chance de assumir a titularidade da Roma na próxima temporada. Se isso não acontecer, poderá sair da Roma para jogar. Um goleiro precisa jogar. A Copa está perto e ele sabe que precisa atuar.
O Inter tem goleiro para quantos anos mais?
O futuro será do Keiller e do Daniel. Eles já mostraram que estão bem perto de estarem prontos. Igor e Luís Felipe estão em um estágio abaixo, mas breve poderão fazer parte do grupo principal. Danilo ainda deve ficar muito tempo como titular, é um cara novo, tem 28 anos. Mas essa garotada vem com tudo. Temos goleiros para bem mais de cinco anos. Quando Alisson saiu, algumas pessoas lá dentro disseram que levaríamos 10 anos para conseguir um goleiro do mesmo nível. Conseguimos em bem menos tempo.
*ZHESPORTES