Cinquenta e um dia dias atrás, Danilo Fernandes vestia um camisolão azul claro e se dirigia para o bloco cirúrgico do Hospital Mãe de Deus. Lá, o goleiro do Inter passava por uma operação com o especialista em pés José Antônio Sanhudo. Após o implante de um pino de metal na base do pé esquerdo, a fim de acelerar a recuperação de uma fratura por estresse no dedo mínimo, o camisa 1 ouviu do médico que o prazo de recuperação seria de até 60 dias.
Trinta e dois dias após a cirurgia, porém, Danilo precisou jogar. Sem seguro extra, sem nada. Calçou as chuteiras, vestiu as luvas e foi para uma final de campeonato. De repente, com as baixas de Marcelo Lomba (lesão muscular) e do segundo reserva, Keiller (luxação), ele era o goleiro do Inter em "melhores" condições de jogar contra o Novo Hamburgo. Neste sábado, às 16h30min, Danilo voltará a campo. Agora plenamente recuperado, para a sua estreia na Série B, contra o Paysandu, no Mangueirão.
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Assim que o jovem Keiller sofreu uma luxação no cotovelo esquerdo, nos minutos finais da partida de ida das finais com o Novo Hamburgo, a imagem de Lomba entrando em campo a passos, sem condições nem sequer de trotar, acendeu todos os sinais de alerta no Beira-Rio: o Inter não tinha goleiro para o jogo final do Gauchão, afinal, dos três inscritos no campeonato, todos agora eram baixas.
– Danilo já estava em uma situação bem melhor (do que Lomba). Mas também não tinha condições de jogo – conta Daniel Pavan, o preparador de goleiros do Inter, que ficou famoso entre os torcedores depois que todos os seus comandados mantiveram um alto nível na temporada. – Ele e Lomba foram guerreiros de verdade, honraram demais a camisa. Os dois queriam jogar, pediram para jogar – recorda.
Com o sinal verde dos goleiros, mesmo lesionados, Pavan então ganhou quatro dias para colocá-los em condições mínimas de jogo. Um plano de ação foi montado, com Danilo e Lomba treinando em horários alternativos aos da equipe de Zago.
– Se o time treinava à tarde, treinávamos pela manhã. E vice-versa. Para dar confiança a eles e para não expô-los, pois sabiam que não estavam nas condições ideias. Por três ou quatro dias, fizemos isso no CT. As pessoas passavam na rua, olhavam e meio que não acreditavam no que viam. O primeiro treino foi no vestiário, a fim de evitar um impacto maior – lembra Daniel Pavan.
Apesar dos treinos discretos, Danilo e Lomba foram para Caxias do Sul no sacrifício. No visual, ambos pareciam bem. Os movimentos "de goleiro", porém, estavam comprometidos. E o fato de perder um goleiro atrás do outro abalou o time de especialistas de Pavan. O preparador entende que a lesão de Keiller acabou ocorrendo porque o novato de 20 anos jogou o 2 a 2 com o Novo Hamburgo sabendo que, em hipótese alguma, poderia se transformar em mais uma baixa.
– Keiller foi para o jogo preocupado. Não por ter de jogar, mas por saber que não poderia se machucar. Ele acabou perdendo o tempo da bola, mas, se não saísse, talvez tivéssemos levado o gol. Ele não foi para o lance da melhor forma, tecnicamente falando, mas salvou o gol e se machucou. Ali, sim, foi o auge do meu estresse. Estávamos indo para a final com um goleiro que não tinha condições para uma decisão – admite Pavan.
Dois dias antes da queda de Keiller, Danilo visitou o médico que o havia operado. Na sala de espera, recebeu um telefonema de Taffarel. O ídolo colorado e treinador de goleiros da Seleção Brasileira estava preocupado com a recuperação de seu antigo convocado. Deu força ao goleiro e disse que ele seguia nos planos para a equipe de Tite. Na consulta, Danilo ouviu de Sanhudo que a chance de haver nova fratura caso voltasse a jogar antes do tempo era de apenas 10%. O que ficou na sua cabeça, porém, foram os 90% de possibilidade de nada ocorrer. E foi para o jogo. E para a decisão por pênaltis. O final não foi exatamente feliz para o Inter contra o Novo Hamburgo. Mas foi uma prova de fogo para Danilo.
– Foi o jogo mais difícil da minha vida – diz Danilo Fernandes. – Estava parado havia um mês. Não é desculpa. Tive de jogar. Fiz uma proteção, tomei remédios. No segundo tempo, o pé estava latejando. Você pensa duas ou três vezes. Chega um pouco atrasado. Lembrava do meu pé a toda hora. Saí muito desgastado. Não foi o resultado que queríamos. Nos pênaltis, senti bastante. Passou. Contaremos a história – emenda o goleiro.
No dia seguinte à final, ainda com as dores no pé esquerdo e com a alma machucada, Danilo voltou ao hospital. Fez um Raio-X. Era preciso saber se não havia nova fratura, um risco calculado. Uma vez mais, estava acompanhado do seu anjo da guarda Daniel Pavan. Aos 42 anos e quase 20 anos de Inter, entre base e profissionais, o preparador tentou ser goleiro do próprio Inter. Foi reprovado em testes, na adolescência, entre os 13 e os 14 anos de idade. Desde então, decidiu o que queria da vida: ser treinador de goleiros. Ainda cursando a faculdade de Educação Física, passou a comandar equipes das escolinhas do Inter. Depois, foi saltando as gerações das categorias de base, sempre como preparador de goleiros, até assumir a função no time principal em 2015. Ao ingressar em campo para o aquecimento do quarto goleiro Daniel, no empate com o ABC, Pavan foi aplaudido e teve o nome gritado nas sociais do Beira-Rio.
– Levei até um susto. Fiquei envergonhado e não sabia como agradecer. Não é algo comum as pessoas reconhecerem o treinador de goleiros – comenta Pavan.
E com o olho de formador de "camisas", Daniel Pavan garante: o Inter tem goleiro para mais de cinco anos. Com a saída de Alisson para a Roma, ele indicou a contratação de Danilo Fernandes. Com a saída de Muriel, sugeriu a busca por Marcelo Lomba – que serão sucedidos por Keiller e por Daniel.
– O futuro será do Keiller e do Daniel. Eles já mostraram que estão bem perto de estarem prontos. Igor e Luís Felipe estão em um estágio abaixo, mas em breve poderão fazer parte do grupo principal. Danilo ainda deve ficar muito tempo como titular, é um cara novo, tem 28 anos. Temos goleiro para os próximos cinco anos ou até bem mais. Quando Alisson saiu, algumas pessoas lá dentro (do Beira-Rio) disseram que levaríamos 10 anos para conseguir um goleiro do mesmo nível. Conseguimos em bem menos tempo – comemora Pavan.
Neste sábado, o drama dos goleiros do Inter começa a chegar ao fim, com o retorno de um saudável Danilo Fernandes ao time.
– Se estou voltando é porque estou 100% recuperado da lesão. Agora, é pegar ritmo – finaliza o titular do Inter.
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