O goleador do Inter na temporada 2017 não era centroavante até os 15 anos. Em Várzea Grande, cidade da região metropolitana de Cuiabá-MT, Brenner era um habilidoso meia-esquerda que apostava no chute de longa distância, primeiro no projeto "Bom de Bola, Bom na Escola", da prefeitura, depois na escolinha Búfalo Gil (o histórico ponteiro direito do Fluminense nos anos 1970). Só jogava no ataque mesmo no futsal, pivô do time da escola Coração de Jesus. Ganhava até uma bolsa de estudos.
Para atuar nos dois times, o pai Gladson Oliveira misturava sua profissão, em uma empresa de telecomunicações, com a função de motorista. Levava o menino à aula e ia trabalhar. Buscava na escola, transportava para o treino, e voltava ao serviço. Retornava para casa, fazia os temas e partia para mais um treino. As boas notas e o comportamento exemplar em família compensavam o sacrifício.
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Gladson e a mãe de Brenner, Alissandra, não eram mais casados. A união terminou pouco depois do nascimento do menino, que acabou sendo o único herdeiro deles. Mesmo com os novos parceiros, não tiveram mais filhos. E continuaram amigos: "a criança não pode ser prejudicada", reforça o pai.
Brenner é o queridinho da vó, o xodozinho do vô e todas aquelas expressões que nos acostumamos a ouvir de pessoas muito apegadas aos familiares. E não só quando menino. Agora, depois de virar centroavante do Inter, Brenner fez de tudo para apoiar a mãe que enfrentou "aquela doença que nem gosto de falar o nome", disse Gladson, referindo-se a um câncer de mama, encarado e vencido.
Todo esse apego não seria suficiente, porém, para que Gladson – um aplicado goleiro (vejam só) da várzea – apostasse tanto no filho. Ele tinha percebido um futuro em meio àquela paixão por correr atrás da bola.
– Na Copa Gazetinha, que nunca tínhamos ganhado, ele fez o gol do título, na prorrogação, o gol de ouro. Alegrou aquele time todo – recorda o ex-técnico Alcides Costa.
Suas boas atuações nas quadras e nos campos chamaram a atenção de um clube-empresa, o Brasil Central. Este time levava os meninos a rodar pelo país para atrair olheiros e, de repente, encostar em algum lugar melhor. Em uma dessas viagens, no litoral paulista, o empresário Carlos Alberto Daneluz, Carlinhos, travou um diálogo com Júnior, então treinador do Brasil Central:
– Preciso de um centroavante para o Juventude.
– Tenho um menino, mas ficou em Cuiabá. Está fazendo as provas finais da escola.
– Como ele é?
– Alto, tem boa finalização e sabe se posicionar.
Carlinhos foi ao Mato Grosso e observou Brenner, o meia-esquerda improvisado às pressas como centroavante. Não teve dúvidas: era o que buscava. Falou com Gladson e trouxe o menino de 16 anos para o Rio Grande do Sul.
Era abril de 2010.
Quase na mesma semana, voltava ao Alfredo Jaconi o volante Vacaria, depois de um rápido empréstimo ao Inter. Ao ver aquele menino mato-grossense ainda perdido, aproximou-se. Viraram amigos. Amigos mesmo, daqueles que não perdem a piada. Nem a chance de aplicar um golpe.
– Um empresário me levou para a Itália e ganhei um tênis de presente. Era usado, mas gostei, tinha grife. O problema é que ficou grande no meu pé. Lembrei do Brenner. Mostrei para ele e ofereci. Ele perguntou quanto eu queria. Apliquei: "mil reais". Ele saiu todo bobo, usou no final de semana e pediu uns dias para arrumar a grana. Quando estava pronto para me pagar, alguém avisou para ele que era muito caro. Fiquei louco, quase logrei ele – diverte-se Vacaria.
A amizade transcendeu o vestiário. Brenner e Vacaria estudavam juntos e, jovens que eram (ou são, né?), aproveitavam a noite serrana.
– Todos os sábados jogávamos e ganhávamos folga. Então íamos para uma festa. Minha mãe já sabia: quando o Brenner aparecia lá antes de sair, já deixava um colchão no chão esperando ele voltar – recorda Vacaria.
No Juventude, além de ser bom de bola, era preciso estudar. A escola, mesmo com a iminência da profissionalização, continuava prioridade na família de Brenner. Depois de terminar o Ensino Médio sem maiores percalços, ingressou em Administração na UCS e conseguiu conciliar os estudos até o quinto semestre. Claro que, com a chegada ao Inter, ficou mais complicado.
A chance com a camisa colorada veio muito em função de Antônio Carlos Zago, mas não só dele. Brenner, antes da chegada do técnico ao Juventude, tinha sido decisivo no acesso do time de Caxias do Sul à Série C nacional. Foi dele o passe para Zulu marcar o gol histórico que garantiu a equipe no mata-mata.
Seguiu no clube até o ano passado e era artilheiro do Gauchão quando chamou a atenção do Inter. Mas sua chegada foi mais complicada do que se previa. Ele desembarcou em Porto Alegre com uma tendinopatia na coxa direita que o tirou de atividade por quase três meses. No barril de pólvora que vivia o clube, não teve nem confiança nem ritmo de jogo suficientes para ganhar sequência. Acabou relegado ao time B e jogou as copas que a FGF organiza no segundo semestre.
– Mas isso não o abalou. Mesmo que tenha ficado triste, nunca sequer pensou em desistir do futebol ou pedir para sair. Até me impressiona isso. Trabalhamos com outros jogadores, e ele é o cara mais centrado e tranquilo que conheço – comenta Carlinhos, que mais do que o representante do centroavante, acabou virando grande amigo. – Não tenho tantos amigos assim no futebol, mas é amizade o que considero ter com Brenner.
A discrição e o jeito simples, aliás, segundo todas as pessoas ligadas ao centroavante, são marcas que carrega desde a infância.
– Ele era quietinho, mais observava do que falava – aponta Alcides.
– Chegou de mansinho, na dele, sem badalação e seguiu assim – lembra Vacaria.
– Cada vez que chega aqui em Cuiabá, é uma alegria sem fim. Mas quase não sai de casa – comenta o pai.
Por isso não foi surpresa para eles o comportamento durante o período de recuperação. A obstinação para vencer na carreira sempre superou qualquer tristeza ou dúvida do caminho. E a carreira, aliás, deve seguir em Porto Alegre. Mesmo a amigos e familiares, Brenner revela que seu principal objetivo agora é ser titular do Inter. A expressão repetida, na verdade, é "fazer história e ter o nome lembrado no Beira-Rio".
Para evitar qualquer surpresa desagradável neste sentido, o pai tem um ritual. Gosta de ver as partidas do Inter em casa. Se está na casa dos pais ou de algum amigo, vai para a residência e fica assistindo no mesmo lugar. É seu refúgio, onde pode ser uma espécie de técnico à distância. Até porque, quando está em casa, assume o papel de treinador mesmo.
– Brenner veio de férias para cá e depois do dia 1º avisei: "a partir de amanhã, vamos dar uma corridinha na rua, fazer uma academia. É a chance da vida, não podemos engordar". Se bem que nem precisava, ele já fazia tudo sozinho – revela Gladson.
O único momento que o pai perde mesmo a calma é quando Brenner vai cobrar um pênalti. Aquela tranquilidade excessiva de caminhar para a bola olhando para o goleiro faz os segundos parecerem horas.
– Mas é assim desde criança. Esses dias vi que ele bateu um pênalti assim e todo mundo ficou perplexo. Eu, não. Ele faz isso sempre, não mudou nada – fala Alcides.
Vacaria, do Ju, corrobora:
– Da marca penal, é imbatível. Parece até piada. Com casa cheia ou arquibancada vazia, é sempre aquilo ali.
Os relatos, porém, não sensibilizam o pai:
– Eu baixo a cabeça, fecho os olhos e só abro de novo quando escuto os gritos do pessoal aqui de casa. O Brenner vai ser pai, um dia ele vai entender.
Brenner vai ser pai. Em agosto, sua mulher Suyane dará luz ao primeiro (ou primeira) herdeira do casal.
Então Brenner entenderá o que sofre um pai de meia-esquerda que virou centroavante e leva segundos que parecem minutos para cobrar um pênalti com a camisa do Inter. E talvez perderá a tranquilidade.
*ZHESPORTES