Em 1999, quando o Dunga deu aquele peixinho para salvar o Internacional da segunda divisão aos 35 minutos do segundo tempo, eu me joguei na velha arquibancada de cimento do Beira-Rio e chorei que nem uma criança. Em 2002, quando Mahicon Librelato estufou a rede do Paysandu naquele cruzamento em diagonal para dentro da área, eu novamente chorei – desta vez, no silêncio do meu quarto. O desespero tinha um sentido bem claro: o Inter não podia ser rebaixado em hipótese alguma.
Mas eu não pensava assim só por uma questão de corneta com o Grêmio. É claro que isso é importante para o folclore da maior rivalidade do Brasil. Porém, a minha preocupação era outra. O Inter de 1999 e 2002 era um clube defasado. Sem títulos expressivos, com exceção da Copa do Brasil de 1992 e dos brasileiros dos anos 1970, e atolado em dívidas e más administrações, a segunda divisão poderia significar um golpe muito duro, difícil de ser superado.
Passa o tempo e chega 2016. Campeão do mundo em cima do Barcelona – nenhum time brasileiro deve conseguir façanha semelhante no futebol moderno –, bicampeão da América, bicampeão da Recopa, campeão da Sul-Americana e protagonista em praticamente toda a última década, o Inter atingiu outro patamar. A Copa do Mundo de 2014 foi realizada em um Beira-Rio reformado com maestria pela gestão de Giovanni Luigi, e o número de sócios colorados ultrapassa a incrível marca de 100 mil. Sem dúvida, nos tornamos um dos maiores clubes da América do Sul.
ESTAMOS QUASE REBAIXADOS! COMO ASSIM?
Com toda essa reviravolta citada acima, o Internacional será rebaixado para a segunda divisão? Provavelmente. E será bem feito. Para explicar melhor o meu pensamento, volto a 2010, ano do bi da América. Nunca tirei da cabeça uma entrevista feita com o goleiro Pato Abbondanzieri, multicampeão pelo multicampeão Boca Juniors. Ele não entendia a postura da torcida e principalmente dos dirigentes, que exigiam a conquista da Libertadores da América naquele ano, como se fosse algo simples e natural de ocorrer.
"Campeão de Tudo", uma praga
De repente, uma onda tomou conta do Beira-Rio. De repente, o Inter tinha se transformado no maior clube que existe e ninguém chegava perto da grandeza colorada. Eu até entendo que os torcedores reajam assim, ainda mais depois de uma seca de títulos. Nesses momentos, com lucidez, os dirigentes entram em cena para deixar o ambiente equilibrado, sério, consistente. O bom dirigente sabe que o futebol é jogado, lutado e traiçoeiro, e que as épocas de conquistas jamais serão permanentes. Nem mesmo para o Barcelona.
Só que no Inter não foi o que ocorreu. O fracasso para o Mazembe é emblemático. Em vez de reconhecer a tragédia e iniciar uma reflexão junto ao seu torcedor, com humildade, o então presidente Vitorio Piffero – opa, o Vitorio Piffero... – renovou o contrato de Celso Roth, contrariando 99,9% de nós, e acumulou derrotas. É óbvio que não deu certo. No ano seguinte, Piffero quase quebrou o Inter com a ideia de reformar o Beira-Rio por conta. O episódio serviu para rachar ainda mais a política do clube e afastar a torcida.
Desde 2010, não ganhamos nada significativo. E, mesmo assim, continuamos batendo no peito e bradando o slogan "Campeão de Tudo", uma grande bobagem. Tivemos a desfaçatez de eleger Piffero novamente presidente, em 2014, e nos vimos andando em círculo, apelando a soluções mágicas e ultrapassadas – fato novo antes dos 5 a 0, Argel, Falcão, SWAT, Roth, Fernando Carvalho. Nos vimos reféns de um grupo de pessoas que perdeu o timing do futebol e precisa abrir espaço para novas ideias e novas formas de gestão. Estão queimando o filme e destruindo a prova contato.
O Inter não é mais um clube defasado. Se cair, tem plenas condições de voltar para a elite do futebol brasileiro sem sobressaltos. Por isso, um rebaixamento agora é bem menos trágico do que nos anos 1990. Mas é bem feito. Piffero não escutou sua torcida, não escutou as bases, não escutou praticamente ninguém. E nós o elegemos! Os deuses do futebol, que nos deram três chances – 1990, 1999 e 2002 –, preferem o amadorismo à arrogância.
O que me conforta é saber que, se o milagre não ocorrer, estaremos vacinados para sempre. Se o Mazembe não foi um choque suficiente para mudar o Inter na raiz e recolocá-lo no caminho das vitórias e da união com a torcida, que venha a série B. Dela ninguém escapa ileso.