Um dos grandes patrimônios do torcedor do Inter corre riscos pela quinta vez: a marca, quase o título, de nunca ter sido rebaixado. O Brasileirão de 2016 surge com um dos mais assustadores fantasmas dos últimos 26 anos na vida do clube. As temporadas de 1990, 1999, 2002 e 2013 tiveram graus diferentes de dificuldade para se manter na elite, mas poucas vezes o constrangimento foi tão grande como neste ano.
Se é verdade que há tempo para deixar o Z-4, também é fato que o time que já passou por Argel Fucks, por Paulo Roberto Falcão e agora por Celso Roth joga, joga, joga e não se encontra em campo.
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1990
O time que nem sequer havia chegado à final do Gauchão foi minimamente reforçado para o Campeonato Brasileiro. Os reforços não deram certo, e a constante troca de treinadores levou o Inter a chegar às rodadas finais do Brasileirão torcendo para que Ênio Andrade, o sexto comandante na temporada (depois de Cláudio Duarte, Ernesto Guedes, Levir Culpi, Valdir Espinosa e Orlando Bianchini) salvasse o time da segunda divisão.
O Inter disputava o Z-2 (apenas dois times eram rebaixados na época) com Inter de Limeira, São José-SP, Fluminense, Vitória e Portuguesa. O jogo-chave foi contra a Portuguesa, treinada por Emerson Leão e que tinha no meio-campo Cristóvão Borges e Vagner Mancini. Uma guerra. A partida no Beira-Rio teve preços populares, e a extinta Coreia era de graça. O Inter venceu por 1 a 0, gol do chileno Letelier, aos sete minutos do segundo tempo. O 1 a 0 bastava, e o Inter se retrancou para sobreviver. Venceu e, no dia seguinte, a vitória do Flamengo sobre a Inter, de Limeira, assegurou o clube na elite.
– Marquei o gol, de cabeça, na mesma goleira em que Figueroa fez o histórico gol em 1975. Os jornalistas me diziam: "Um chileno deu o Brasileirão ao Inter, outro evitou o rebaixamento do clube" – conta Juan Carlos Letelier, o atacante de Valparaíso que salvou o Inter em 1990. – Ao final do jogo, os torcedores me levaram nos braços até o meu carro. Só fiz o gol porque desobedeci Ênio Andrade. Ele mandou eu ficar sempre na ponta, acabei correndo pra ao meio da área para fazer o gol de cabeça – acrescenta o chileno, hoje com 57 anos.
O goleiro naquela vitória sobre a Portuguesa era Maizena – apelido recebido na infância, por ser muito branco. Sucessor de Taffarel no clube, ele recorda que o maior medo do elenco era ficar marcado na história do clube como os responsáveis pelo descenso.
– Tínhamos um time limitado e sem poder contar com os reforços para o Brasileirão, pois quase todos se machucaram. Acabamos jogando sempre com um time inexperiente e que perdia os jogos ainda no primeiro tempo. Passamos por seis treinadores, uma coisa impensável. O jogo contra a Portuguesa foi um pavor. Fechamos o vestiário para enfrentar a Portuguesa. Se o Inter caísse, todos nós ficaríamos marcados e muitas carreiras poderiam até chegar ao fim. Sabíamos disso – destaca o ex-goleiro, hoje com 48 anos.
Maizena jogou quatro anos no Fortaleza, vive há mais de 10 anos na capital cearense, e assistiu à derrota do time de Celso Roth para o Fortaleza, pela Copa do Brasil. Teme pelo rebaixamento.
– Fiquei assustado. O Inter não consegue jogar. Só se defendeu. A minha preocupação é muito grande, acho que vai depender muito da força da camisa para não ser rebaixado – afirma Geraldo Carlos Burile, o Maizena.
Naquela temporada, Inter de Limeira e São José-SP foram os rebaixados.
1999
Nove anos se passaram, e o Inter se via outra vez às voltas com o rebaixamento. Depois de montar uma espécie de time dos sonhos para o período, com Paulo Autuori, Dunga, João Santos, Elivélton e Gonçalves, os insucessos foram se acumulando. O time perdeu o Gauchão para o Grêmio de Ronaldinho, foi goleado e eliminado da Copa do Brasil pelo Juventude e chegou ao final do Brasileirão condenado ao descenso – e com o seu terceiro treinador, depois que Autuori foi trocado por Valmir Louruz, que havia levado o Juventude à conquista da Copa do Brasil, e que Louruz foi substituído por Emerson Leão.
O Inter chegou à última rodada precisando vencer o Palmeiras em casa para não cair. Gama, Botafogo, Sport, Juventude, Botafogo-SP e Paraná também jogavam para fugir da Série B. Mas esse não era qualquer Palmeiras. Era o time de Luiz Felipe Scolari, campeão da Libertadores, e com nomes como Marcos, Arce, Paulo Nunes, Zinho e Evair. Um timaço. Durante a semana, Felipão provocara o Inter afirmando que a partida seria o último treino antes do Mundial de Tóquio – que acabou perdendo para o Manchester United. O ingresso a R$ 1 lotou o Beira-Rio. Dunga marcou de cabeça o gol da vitória, em um dos jogos mais dramáticos da história colorada.
– Nossa vida virou um inferno na semana daquele jogo. Ninguém conseguia dormir direito, estava nas nossas mãos evitar o rebaixamento do Inter – diz o ex-atacante Fabiano. – Tínhamos que fazer o jogo perfeito. Fizemos e ainda contamos com a ajuda divina. Quando o Pena (atacante que entrou no lugar de Evair, no segundo tempo) ficou cara a cara com o João Gabriel, pensei: "Não, Negão, pelo amor de Deus, não faz esse gol". A bola voou sobre o gol e tive certeza que não cairíamos mais – conta Fabiano.
Naquele ano, Juventude, Gama, Botafogo-SP e Paraná foram rebaixados. Porém, o Gama foi à Justiça alegando ter sido prejudicado com o "caso Sandro Hiroshi" – jogador do São Paulo, que foi descoberto como "gato", revertendo pontos para Botafogo e Inter. Teve ganho de causa e a CBF e o Clube dos 13 confeccionaram o Brasileirão do ano seguinte com 116 clubes divididos em quatro módulos – e que levou o nome de Copa João Havelange. Na prática, ninguém foi rebaixado em 1999.
Para o ex-atacante colorado, a atual situação do Inter no Brasileirão ainda é cômoda, se comparada à de 17 anos atrás.
– O time de hoje ainda depende das próprias pernas, sem depender dos outros. E tem tempo. Nós, não. Na época, o Inter não era a potência de hoje, muitos jogadores não queriam atuar aqui porque os salários atrasavam e tínhamos o time que era possível. Ninguém quer ser marcado pelo rebaixamento. E acredito muito nesse elenco. Tenho certeza que escapará do rebaixamento e aposto em vitória sobre o Atlético-MG – emenda Fabiano.
2002
Mas, três anos depois, no primeiro ano de Fernando Carvalho na presidência, o Inter se via uma vez mais às voltas com o terror da Série B, de novo na última rodada do Brasileirão. Celso Roth havia iniciado a campanha que sempre rondou as cercanias do Z-4. A quatro rodadas do final, na 18ª colocação, Roth foi demitido. Cláudio Duarte foi contratado. Mas as coisas ficaram ainda piores. Com constantes atrasos nos direitos de imagem dos jogadores, o time afundou.
A segunda divisão ficou bem perto quando o Inter perdeu, em casa, para o Cruzeiro por 1 a 0. Era o 24º de 26 clubes. O Z-4 tinha Inter, Palmeiras, Botafogo e Gama. Nessa rodada de derrota para os mineiros, um resultado foi fundamental para os colorados: Juventude 0x0 Paysandu. O empate salvou os paraenses e, assim, eles jogariam a última rodada, contra o Inter, no Mangueirão, sem precisar pontuar para seguir na Série A.
Com a suspeita que o goleiro Marcão tinha sido comprado pelo Inter, Róbson, o terceiro goleiro, foi escalado. O Inter bateu o Paysandu por 2 a 0, e não caiu.
– Naquele ano, o Inter tinha muitos problemas extracampo, até para colocar salários em dia. Chegamos à última rodada totalmente sem confiança, mas sabendo que nem voltaríamos para casa se perdêssemos. Sou de Porto Alegre, como viveria na cidade com o peso do rebaixamento? Como olharia para amigos e filhos? Virou um drama – lembra o ex-zagueiro Vinícius. – Sempre se falou em mala branca, mala preta, gaveta. Nunca vimos nada disso. Em campo, os jogadores do Paysandu queriam nos matar – recorda.
Para Vinícius, Fernando Carvalho foi fundamental naquele momento para evitar o rebaixamento (Palmeiras, Botafogo, Gama e Portuguesa caíram):
– Confiamos muito nele. Foi quem conseguiu blindar o vestiário e fazer com que acreditássemos na vitória. Era uma situação muito mais complicada que a de agora. Tenho certeza que Carvalho conseguirá reverter de novo e tirar o time do Z-4.
2013
Comparados a esses três jogos dramáticos, o de 2013, contra a Ponte Preta parecia um amistoso festivo. Já sem o técnico Dunga e com o ex-goleiro Clemer como treinador, o clube chegou à rodada final com chances matemáticas de rebaixamento. Nos quatro jogos anteriores, perdeu dois e empatou outros dois, o que deixou a equipe à mercê do Z-4, caso não pontuasse contra a Ponte Preta, em Caxias do Sul. Empatou em 0 a 0, em um dos piores jogos do ano, mas se manteve com os pés firmes na Série A.
– A falta do Beira-Rio, que estava em reformas, acabou com a nossa campanha e criou um desgaste muito grande nos atletas – reconhece Roberto Melo, assessor do departamento de futebol do Inter naquele ano. – Viajávamos para Caxias do Sul na terça-feira, para jogar na quarta. Chegávamos em casa na madrugada de quinta para viajar de novo na sexta ou no sábado. Foram 170 dias concentrados, o que gerou um desgaste natural em todos. O mesmo ocorreu com Cruzeiro e Atlético-MG, que ficaram sem o Mineirão em 2011 – emenda Melo.
A necessidade de obter ao menos um ponto no Centenário gerou algum apreensão mesmo em um vestiário experiente, com D'Alessandro, Índio, Juan e Forlán.
– Ficamos todos preocupados com aquela situação. O segredo para evitar esses sustos é pontuar sempre, mesmo que seja um empate. Um pontinho muitas vezes é fundamental. Aprendemos isso daquela vez – finaliza Roberto Melo.
Ainda restam 12 rodadas no Brasileirão de 2016 para o Inter fugir da zona de rebaixamento e manter íntegro um de seus maiores patrimônios: a primeira divisão.
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