Gre-Nal arruma a casa, diz o ditado antigo, cunhado por Ibsen Pinheiro, histórico dirigente do Inter. Mas para essa premissa seguir verdadeira ainda em 2020, é preciso um pouco mais de sequência. O clássico de quarta-feira, que terminou com vitória tricolor por 1 a 0, dá tranquilidade para aliviar a pressão, principalmente externa, e abre boas perspectivas para o time no restante da temporada do Grêmio. Desde que, óbvio, entenda-se porque ganhou e o que fazer para continuar ganhando.
Três pontos são fundamentais para obter essa sequência, a partir da vitória no Gre-Nal: retomada da confiança, consolidação de uma nova formatação de time e retorno de jogadores importantes, que estavam lesionados. Com esses aspectos, a tendência da curva gremista é de ascendência, tanto em desempenho quanto em resultado.
Porque a rigor, até agora, não se deu exatamente assim. As outras vitórias gremistas até transpareceram tranquilidade, mas a quantidade de jogos acavalados não permite nem comemorar por muito tempo nem dar sequência aos bons resultados.
Por exemplo: no primeiro Gre-Nal do ano, a vitória por 1 a 0, gol de Diego Souza, teve duração de uma semana. No sábado seguinte, o time perdeu para o Caxias no Centenário e ficou com a frustrante segunda posição no primeiro turno. O segundo triunfo tricolor sobre o rival ocorreu na retomada do futebol após a paralisação pela pandemia de covid-19. O 1 a 0 em Caxias do Sul, graças a Jean Pyerre, logo foram abafados pelos empates com Ypiranga e Novo Hamburgo, e com a classificação apertada, com gol nos acréscimos à final do segundo turno.
Veio, então a terceira vitória, com autoridade, por 2 a 0 sobre o rival na decisão. Foi o momento de maior paz da equipe, já que veio acompanhado de uma vitória sobre o Fluminense. Mas depois, a sequência de empates no Brasileirão e a derrota na final do Gauchão, que não tirou o título mas deixou todos ressabiados, tratou de abafar a vantagem sobre o Inter.
Agora, a sequência é complicada: no final de semana, enfrenta o Atlético-MG, líder do Brasileirão, em Belo Horizonte. Na terça, praticamente decide a vaga nas oitavas da Libertadores contra a Universidad Católica. E no sábado que vem, mais um Gre-Nal.
Ainda recentemente, o Grêmio viveu as duas situações. Em 2014, aplicou 4 a 1 no Inter pelo Brasileirão. O resultado poderia ter servido como uma mola e alçar o time ao topo da tabela, mas o que se viu foi um declínio técnico e apenas a sétima posição. No ano seguinte, o histórico 5 a 0 mostrou ao país do que o time era capaz. Na sequência, coincidentemente, venceu o Atlético-MG em BH e se consolidou entre os classificados para a Libertadores.
Retomada da confiança
Para começar esse tópico, é preciso deixar claro: Renato Portaluppi nunca teve (ou pelo menos demonstrou publicamente) problemas de auto-estima. Desde antes de ser treinador, aliás. Como jogador, era um atacante polêmico, mas decisivo. Como técnico, continua polêmico, mas vencedor. Por isso, quando se fala que o Gre-Nal pode dar mais confiança, refere-se exclusivamente aos jogadores.
O time, claramente, sofria com resultados que não vinham. E nem faz muito tempo. Há uma semana, a equipe desembarcou do Chile, após ser derrotada pela Universidad Católica, debaixo de vaias, protestos e gritaria na Arena. Antes do Inter, eram sete jogos com apenas uma vitória. Isso deixava o time em posição intermediária no Brasileirão e ameaçado na Libertadores.
Mas a vitória no clássico mudou o cenário. Sem citar o fator psicológico, fixando-se apenas no matemático, o time está encaminhado para se classificar à segunda fase da competição continental. Tem duas partidas em casa e vê com boas perspectivas, até, ser o primeiro do grupo.
— Tem vitórias que fazem embalar. A de 1996 foi assim. Depois do Gre-Nal, começamos a caminhada para o título do Brasileirão — lembrou o ex-atacante Paulo Nunes, hoje comentarista, no SporTV.
Consolidação do sistema
Não foram só o retorno dos lesionados ou as frases motivacionais, com manchetes de jornais distribuídas aos jogadores, que fizeram o Grêmio voltar a vencer. Teve um trabalho tático importante de Renato Portaluppi, uma mudança de desenho de time e até de estilo de jogo, que, mais uma vez, foram decisivos. E nem foram inéditos.
Atuar com um tripé de volantes à frente da zaga foi um expediente que Renato já havia utilizado não só em 2020, mas em outras oportunidades também. Em 2018, por exemplo, o treinador montou uma equipe mais defensiva e venceu o River Plate no Monumental de Núñez pela Libertadores. No início da atual temporada, os dois primeiro Gre-Nais tiveram o time formatado nesse sistema, uma variação entre o 4-1-4-1 e o 4-3-3.
Essa variação é importante porque dá ao treinador uma alternativa de formação para quando não tiver todos os atletas à disposição. Renato não esconde que sua preferência é por uma equipe com dois volantes, um meia mais adiantado e dois pontas, com um centroavante de referência. Quando tem Geromel e Kannemann, a dupla sustenta a eventual fragilidade de marcação, mas sem os dois, a proteção de Lucas Silva reforça a defesa.
Essa mudança também carrega uma troca de estilo. O Grêmio dominador, de passes que tonteiam o adversário até o golpe definitivo, dá lugar ao Grêmio paciente, que tenta controlar a partida sem ter a bola, oferecendo ao oponente apenas a ilusão do domínio, que não passa de uma posse improdutiva.
O ex-jogador Mabília, que trabalhou como técnico na base do Grêmio, apresenta outro ponto importante para essa adaptação:
— O Grêmio está na mão do Renato há quatro anos. Ele conhece muito bem os atletas. O entrosamento é grande, facilita o entendimento. Isso dá mais alternativas para mexer no time.
Retorno dos lesionados
Renato disfarçava, fazia questão de embaralhar frases e ressaltar a "a confiança em seu grupo", mas deixava claro o óbvio: o Grêmio perdia forças sem seus principais jogadores. O time não teve Geromel, Kannemann, Maicon, Jean Pyerre e Pepê. Basicamente, os atletas que fazem diferença, atrás ou na frente, machucaram-se ao mesmo tempo. A reposição, por mais que o treinador tratasse de elogiar (ou pelo menos não criticar) publicamente, diminuía a qualidade.
O Gre-Nal marcou a volta de dois deles, e só isso já mostrou o tamanho da mudança. Kannemann segurou e rebateu tudo na defesa, Pepê fez o gol no ataque. Quando Geromel, Maicon e Jean Pyerre retornarem, a expectativa é de que volte junto o melhor futebol.
As previsões são otimistas. A tendência é de que todos voltem a ficar a disposição do treinador já na semana que vem, contra a Católica.
— O Grêmio é forte, e no momento que todos saírem do departamento médico vai ficar mais forte ainda — declarou o treinador após o Gre-Nal.