Gessy Lima não tinha dormido bem na noite entre 24 e 25 de fevereiro de 1959. Nervoso, pensava apenas no papel que seria pendurado na parede do colégio Rosário dali a poucas horas. Havia prestado vestibular para odontologia na PUCRS e esperava ler seu nome no listão. Enquanto isso, a mais de 1,3 mil quilômetros, a delegação do Grêmio preparava-se para enfrentar o Boca Juniors, na Bombonera, em um amistoso que fazia parte de uma excursão pela América do Sul. Dias antes, ainda com Gessy, o time havia encantado os uruguaios ao empatar com a seleção do país vizinho no Estádio Centenário.
Após aquela partida, inclusive, o craque gremista solicitou dispensa ao técnico Oswaldo Rolla para fazer as provas de admissão na faculdade. Ainda que conhecesse a história, digamos, noturna de seu jogador, o treinador o liberou para retornar à capital gaúcha.
Em Porto Alegre, Gessy compareceu aos locais dos testes e fez tudo como manda os bons costumes. À noite, inclusive, não dormiu de ansiedade. Ao menos é o que garante a versão oficial. A outra, mais popular, diz que o craque saiu para comemorar o fim do vestibular e exagerou na(s) dose(s). É que agora, quando essa história completa 60 anos, pouco importa sobre a noite anterior. Porque o que Gessy fez na Bombonera supera tudo.
No fim, após ler seu nome no listão, Gessy mal pôde comemorar. E, imediatamente, avisou ao Grêmio. O presidente do clube, Ary Delgado, que estava em Porto Alegre, conseguiu passagens de última hora no voo das 17h para Buenos Aires.
Mas assim que entrou no avião, o craque, enfim, relaxou. E dormiu. Não viu nem servirem o lanche, que foi inteligentemente guardado pelo dirigente. Só quando aterrissou na Argentina e pegou um transporte para a Bombonera, Gessy se alimentou. Dentro de um carro.
Presidente e jogador chegaram à Bombonera faltando 15 minutos para a bola rolar. Àquela altura, o time fazia aquecimento no campo. Foguinho, como era chamado Rolla, tratou de colocar Gessy como titular. Tirou Juarez e manteve Rudimar, recém contratado. Ainda no primeiro tempo, devolveu Juarez ao campo, no lugar de Rudimar.
Depois de 40 minutos relativamente equilibrada, a partida, então, ficou à feição de Gessy. Ele marcou o primeiro gol, que deu a vantagem antes do intervalo. Na segunda etapa, viveu nove minutos de glória: fez o segundo, o terceiro e o quarto gols tricolores dos 11 aos 20 da segunda etapa. As 35 mil pessoas na Bombonera estavam atônitas com o que viam. Houve um princípio de tumulto. E para evitar estragos maiores, Foguinho tirou Gessy. Depois, goleiro argentino Germinaro, esperto, chamou para si os holofotes, aceitando um gol em uma cobrança de falta de muito, muito longe.
Com o gol marcado, os torcedores do Boca se acalmaram e apreciaram a "orquestra tricolor", como chamou o Diário de Notícias daquele dia. Ao final do jogo, aplaudiram os gremistas, que deram a volta olímpica na Bombonera.
— Considero Gessy o maior jogador da história do Grêmio. O feito dele na Bombonera é inédito. Nem Pelé nem Maradona marcaram dois gols no estádio do Boca como visitante. Ele fez quatro. Aquela vitória elevou o futebol brasileiro — analisa o médico Sergio Becheli, ex-dirigente tricolor e um dos melhores amigos de Gessy, que morreu em 1989, formado em odontologia e lembrado até hoje por sua enorme habilidade. Que os argentinos conheceram há exatos 60 anos.
Amistoso — 25/2/1959
Boca Juniors:
Musimessi; Barberis Rico; De Gioia (Edwards); Rattín (Natiello); Schandlein; González; Ambrois (Biaggio); Pereyra (Mansilla); Juan Carlos; Yudica
Técnico: José Manuel Moreno
Grêmio:
Germinaro; Orlando; Aírton; Ortunho; Élton; Ênio (Mourão); Giovani; Gessy (Rudimar); Rudimar (Juarez); Milton Kuelle; Vieira.
Técnico: Oswaldo Rolla
- Gols: Gessy (G) aos 40 minutos do primeiro tempo; aos 11, aos 15 e aos 20 minutos do segundo tempo. Edwards, aos 39'.
- Público: 35 mil
- Local: La Bombonera, Buenos Aires