Pode-se até chamar de tensão pré-estreia, em uma imaginária TPE. O Grêmio está há quatro dias nos Emirados Árabes Unidos, mas a impressão é de que se passaram quatro anos. A ansiedade é tão grande que não é exagero dizer que pode ser o principal problema no jogo contra o Pachuca, nesta terça-feira, às 15h (horário brasileiro), em Al Ain. Talvez não o tempo todo, mas nos minutos iniciais. Faz todo sentido. Não é todo dia que uma ficha assim cai: apenas duas partidas separam o bicampeonato mundial. E a primeira delas, enfim, chegou.
A ansiedade se percebe por todos os lados, ainda mais com os jogadores sabendo que o time tem chances reais, pelo futebol apresentado na Libertadores. Basta entrar no hotel Hili Rayhaan e conversar com torcedores. E dirigentes também, como o vice de futebol Odorico Roman. Seu nome estará definitivamente no panteão tricolor em caso de glória suprema.
— É, gente: não é que finalmente a hora chegou? — suspirou Odorico, caminhando pelo saguão, à noite.
Alguns jogadores sofreram mais com o fuso de seis horas a mais, como Luan e Ramiro, mas a chance de terem suas vidas alteradas para toda a eternidade só não gera ansiedade em pedra. O grupo construído por Renato tem muito de envolvimento e família. Tanto que Pedro Rocha sacrificou parte das férias para vir aos Emirados dar uma força aos velhos companheiros. Saiu de Moscou direto para Dubai e, depois Al Ain.
— Nosso grupo tem mentalidade vencedora. Quer ganhar. Isso não se cria da noite para o dia. Vem com o tempo.
— O Renato insiste isso com a gente desde que chegou: ganhar, ganhar e ganhar. É um processo de bastante tempo — filosofou o capitão Geromel.
As entrevistas dele e de Renato fazem parte do cardápio oficial em véspera dos jogos padrão Fifa. Há um certo ritual, que inclui aparelhos de tradução simultânea, rigores com fotos e paranoias com qualquer tipo de transmissão ao vivo. Renato parecia desconfortável ali. Deu o seu recado, sério, com a confiança e a credibilidade de sempre, mas parecia estar mais a fim de bola rolando em cinco minutos, se fosse possível mudar aquele cenário em um estalar de dedos:
— O Grêmio pensa grande. Se o Pachuca vai para o jogo da vida, pode apostar que nós também vamos. Ninguém aqui quer saber de Real Madrid antes do tempo. Aliás, nem sabemos se o Real Madrid vai passar: tem o Al Jazira pela frente.
Providências para manter o foco serão colocadas em prática, naquele espírito de concentração total. Tanto que o analista de desempenho Antônio Cruz fará uma palestra com o auxílio de vídeo minutos antes da saída para o estádio Hazza Bin Zayed. O objetivo é cada jogador sair dali com tudo fresquinho na cabeça, tanto individual quanto coletivamente. Melhor ocupar a cabeça com questões bem práticas, para driblar a ansiedade além da conta.
E o time? Está definido. Renato não inventará nada. No lugar do lesionado Arthur, entra Michel. Na hora da caminhada no gramado, de tênis, Maicon estava até de chinelos. O ficha 1 era ele, mas falta-lhe ritmo após a cirurgia. O resto do time é o mesmo, com Fernandinho sabendo que o lado direito da defesa mexicano é fraco e que os zagueiros são lentos. O Grêmio espera um Pachuca mais marcador e agressivo pelos lados, em cima de Edilson, por onde Urretaviscaya prefere atuar, mas não pretende mudar o seu estilo.
— O Grêmio chegou até aqui jogando de uma forma em casa, fora, seja onde for. Não há razão alguma para mudar justamente agora — disse Renato, que prevê um duelo de escolas parecidas, brasileira e mexicana, que buscam o jogo e a troca de passes, sem retrancas e apostas no aleatório.
Que o Grêmio seja tão somente o Grêmio na noite fria do inverno no deserto.
Porque a hora chegou, e sabe-lá quando a história baterá à porta outra vez.