Por Adriano de Carvalho e Luís Henrique Benfica
Cícero acredita na força do destino. Vice- campeão da Libertadores de 2008, pelo Fluminense, o volante-meia- atacante de 33 anos sorri e ao mesmo tempo agradece pela chance de, nove anos depois, outra vez sob o comando de Renato Portaluppi, participar da decisão do mais importante torneio do continente.
— Parece que a Libertadores tem alguma coisa a ver comigo — diz o capixaba, cujas frases longas são acompanhadas por amplos gestos com as mãos e os braços. — O destino me botou aqui. Pode estar faltando alguma coisa que deixei lá atrás.
Hoje, no Brasil, modéstia à parte, o Grêmio é o time que joga o melhor futebol
A polivalência nasceu da necessidade que seus treinadores tinham de preencher outras funções. Como Cícero dava conta do recado, ganhou o rótulo. Para ele, Renato foi quem achou sua melhor posição dentro de campo, durante o período de um ano em que trabalharam juntos no Fluminense.
Nesta entrevista a Zero Hora, Cícero aborda, entre outros temas, a movimentada carreira, que inclui duas passagens pelo Exterior - Alemanha e Catar - e seu desejo de primeiro exibir suas qualidades em campo para só então estender o contrato com o Grêmio, que se encerra em 31 de dezembro. E enfatiza a facilidade para fazer gols.
— São 166 em 14 anos de carreira. Para um volante, tá bom, né? — brinca.
Você sempre foi um jogador polivalente?
Antes de chegar ao Grêmio, fiquei uns três anos jogando em alto nível como volante, que é minha posição de origem. Mas desde a época do Fluminense, o Renato sempre soube usar bem minhas características. Eu não era o homem de área, mas sim o segundo atacante, jogando pelos lados. Ele me usou uns quatro jogos assim. Mas quando a gente precisava do resultado, ele me recuava para volante e colocava um atacante para o time ficar mais ofensivo. E isso deu liga naquela Libertadores 2008. Mas minha posição de origem sempre vindo de trás, organizando o jogo e chegando como elemento surpresa.
A derrota na final da Libertadores 2008 foi a maior frustração na sua carreira?
Foi uma decepção total. Pela Libertadores que a gente fazia, estava na mão. Modéstia à parte, sem gabação, até a imprensa via que não tinha como o título escapar do Fluminense. Eliminamos o Boca Juniors e o São Paulo, éramos o "patinho feio". Chegamos com muita confiança, mas teve a questão de altitude. Começou a entrar um, dois, três, quatro gols. No Maracanã, revertemos e foi para os pênaltis. Aí é loteria, até hoje é difícil explicar. Agora, estou revivendo um pouco daquilo. É minha segunda Libertadores e minha segunda final. Parece que a Libertadores tem alguma coisa a ver comigo. O destino me colocou aqui, talvez uma coisa que ficou lá atrás falta terminar. Quem sabe agora o final da história seja diferente.
Desde aquela final, o quanto o Renato amadureceu como técnico?
De lá para cá, o Renato está muito mais maduro. Sabe blindar o elenco, é um cara que sempre está conversando. Ele jogou bola e sabe como funciona o futebol. Passar essa experiência de jogador para o campo como treinador é importante. Ao passar dos anos, ele com certeza vem evoluindo. Hoje, no Brasil, modéstia à parte, o Grêmio é o time que joga o melhor futebol. Mas lógico que falta concretizar com um título. Esse amadurecimento do Renato conta muito dentro do elenco.
Quando você estava no São Paulo, já via o Grêmio com o melhor futebol do país?
Via, sim. O Grêmio toca a bola, tem paciência para o jogo. Independentemente de jogar dentro ou fora de casa, tem que ter a marcação agressiva, pressão na área adversária. Mas também tem que saber sofrer um pouco na defesa, saber controlar o jogo. Ninguém aguenta 90 minutos jogando em cima do adversário. Se pega um time que sabe tocar a bola, não aguenta. Mas se pega uma equipe que não fica tanto com a bola, você marcando em cima vai roubar a bola perto do gol adversário. E eu já via o Grêmio fazendo muito isso.
Então, quando chegou o convite do Renato, você veio para onde queria estar.
Quando veio o contato, fiquei muito agradecido. Fiquei um tempo parado (antes de começar a treinar em separado no São Paulo) por conta da minha mulher, que estava grávida. Então, era um momento em que eu não podia definir muitas coisas. Por isso, fiquei mais treinando e tive um pouco de paciência. Nessas horas, a gente tem de pensar na família. Meu filho nasceu prematuro, com sete meses e meio. Teve que ficar na UTI 14 dias. E eu acompanhei neste tempo todo, deixei este momento para eles. Quando ele foi para casa e estabilizou, pensei em seguir minha vida.
o Renato está muito mais maduro. Sabe blindar o elenco, é um cara que sempre está conversando
A saída do Rogério Ceni, que levou você ao São Paulo, teve influência em seu afastamento?
É difícil explicar o que aconteceu. Depois, você pensa nos motivos. Sempre tive boa convivência. Passei por lá em 2011 e depois voltei porque me conheciam. Se eu fosse má influência, não iam me trazer de volta. Não sei se teve a ver com a saída do Rogério ou se as pessoas queriam arrumar um culpado, como já teve muitos lá. Não foi só eu. Isso nunca tinha acontecido na minha vida, foi uma p... de uma injustiça. Minha carreira fala por mim. Tive propostas e só não saí pela gravidez da minha mulher. Quando veio o Grêmio, as coisas estavam resolvidas. E aí, caí para dentro.
Seu contrato com o Grêmio é de três meses. Você pretende permanecer no ano que vem?Quando eu vim, teve possibilidade de fazer um contrato mais longo. Mas eu queria dar resposta dentro de campo. Então, foquei nisso de trabalhar. O Renato e o Rogerinho (preparador físico) são sensacionais. Eu já estava treinando forte no São Paulo, cheguei sem ritmo de jogo, mas não cheguei mal de pernas. Foi minha a decisão de assinar o contrato até dezembro. E depois vamos conversar. Primeiro quero focar nesta decisão da Libertadores, e, se Deus quiser, no Mundial de Clubes. O ano que vem é outra situação. Vim para tentar ajudar o Grêmio de alguma forma.
Você não jogava há muito tempo como centroavante. Estranhou atuar nesta posição contra o Barcelona de Guayaquil?
Lógico que é diferente, não estava habituado a jogar ali. Deixei isso bem claro para o Renato. Mas não estranhei tanto assim porque, dentro das minhas características de jogo, tento me adaptar àquela função. No primeiro tempo, não jogamos como de costume. Até porque a gente vinha de um 3 a 0, eles entraram sem muita responsabilidade, querendo vir para cima. No segundo tempo, quando eles baixaram um pouco, começou a abrir mais espaço. Mas, dentro das minhas características, tento me adaptar. Tive presença de centroavante, o problema foi que a bola não entrou.
Você já enfrentou argentinos? Como espera a pressão em Lanús?
Já enfrentei. Decidir em casa é sempre melhor do que fora, ainda mais na Argentina (risos). Agora, se você quer ser campeão de alguma competição, você tem que enfrentar adversário em qualquer lugar, não tem jeito. Se quer ter os holofotes, ser o time do momento, tem que passar por cima e todas as situações, independente de ser argentino e equatoriano. Se decide lá, tem que se preparar para todas as situações. Na Bombonera, parece que a torcida está caindo para dentro de campo. Jogamos lá a final da Sul-Americana contra o Tigre, em 2012.
Você jogou com Neymar no Santos?
Joguei por seis meses, antes dele ir para o Barcelona.
Tem relacionamento com ele?
Quando dá, nos falamos. Não é diariamente, cada um tem a sua vida, né?
Ele não está mais no Barcelona, mas, nesta semana, jogadores como Messi e Suárez perguntaram pelo Grêmio. Como vocês receberam isso?
Quando você faz uma grande competição e chega numa final, sua visibilidade vai crescer muito mais, isso é nítido. É coisa que não tem preço estar participando de uma final. De repente, o Messi, por ser argentino, e Suárez, por ser do continente sul-americano, estão procurando informações sobre o Grêmio. Lógico, eles estão num outro mundo jogando futebol. Mas o futebol europeu melhora muito com a saída de sul-americanos para lá.