Do Cabo Horn ao extremo norte da Colômbia, os olhos da América do Sul estarão direcionados para a Arena nesta quarta-feira. A partir das 21h45min, o Grêmio recebe o Lanús no primeiro jogo da final de uma Libertadores que faz de Porto Alegre a capital da América. Nada parece ser mais importante no continente na noite desta quarta-feira. E nada parece ser mais relevante na vida do Grêmio e de seus torcedores. A meta deles, exibida com graça e boa dose de ambição nas redes sociais, é acabar com o planeta. Pois isso precisa começar, necessariamente, por uma América tingida de azul.
Serão 90 minutos de aflição, de sofreguidão, de nervos à flor da pele. Não poderia ser diferente. O Grêmio parece carregar a Libertadores em seu DNA. Poucos clubes são tão sintonizados com essa competição como o Grêmio. Ele joga o Brasileirão e a Copa do Brasil porque levam à Libertadores.
Acrescente-se a isso o fato de que a conquista da América neste momento colocará o Grêmio em um outro patamar. Em todos os sentidos. Primeiro, o Tri significará ingressar numa galeria onde hoje, no Brasil, estão apenas São Paulo e Santos.
Segundo, porque, como adiantou nesta semana o presidente Romildo Bolzan Júnior, ao erguer a taça, o clube decola rumo à estabilidade financeira. Poderá atravessar 2018 em voo de cruzeiro para atingir, em 2019, a meta de se tornar autossustentável. E ser autossustentável no futebol significa investir em times competitivos sem contar os centavos na carteira. Significa também manter seus principais jogadores e assediar os melhores dos rivais. Um sonho. E está ali, dobrando a esquina onde está o Lanús.
Por fim, a conquista da Libertadores garante vaga no Mundial de Clubes em Abu Dhabi e a chance de cruzar antes do Natal com o Real Madrid, de Zidane, Cristiano Ronaldo e todas as suas estrelas que costumam acabar com o planeta com alguma frequência.
A Libertadores significa todos esses ganhos e pode ser servida com a pimenta da rivalidade local. Ser tri desempata a disputa doméstica com o Inter. Recarrega as baterias dos seus torcedores nos intermináveis debates em azul e vermelho. O tom dessa vantagem fica claro no discurso de um dos maiores ídolos destes 114 anos de vida do clube. Danrlei ganhou a Libertadores de 1995 e outras tantas taças com defesas inverossímeis e alma de torcedor. Hoje, livre dos pruridos dos tempos de atleta, ele resume o quanto vale ser tri:
O título volta a deixar claro para todos quem manda no Rio Grande do Sul. Estaremos sempre um passo à frente.
DANRLEI
Goleiro do Grêmio na conquista da Libertadores de 1995
— O título volta a deixar claro para todos quem manda no Rio Grande do Sul. Estaremos sempre um passo à frente: fomos os primeiros campeões da América e do mundo e, agora, seremos o primeiro a ser tri da Libertadores.
Danrlei esteve terça-feira na Arena. Entrou no vestiário, viu os uniformes dobrados à espera dos jogadores, respirou o ar carregado de ansiedade pela final e sentiu o coração acelerar. Revela que sentiu vontade de vestir a camiseta de goleiro, pegar um par de luvas de Grohe e subir para o campo.
— Tchê, fiquei com uma vontade de jogar, minha cabeça voltou lá em 1995, 1996, 1997. O coração começou a apertar e me perguntei: "Por que não congelei lá nos meus 20 e poucos para jogar essa final?" — conta.
Danrlei ainda era dúvida na Arena na noite de hoje. As atribuições de deputado federal o prendiam em Brasília. Esperava pela liberação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Se não houvesse votações de grandes projetos, viria. Na manga, ele guardava um último trunfo que tocaria Maia:
— E se fosse o teu Botafogo, o que tu farias?
Se Danrlei era dúvida, o superintendente Antônio Carlos Verardi está garantido na Arena. Embora preferisse fazer como seu irmão mais velho, Waldemar, de 88 anos, que em decisões como a desta noite costuma se fechar em um quarto escuro, proíbe rádios ligados em casa e só sai de lá duas horas depois, sempre com a mesma pergunta:
— Ganhamos?
Esse jogo vai para o continente todo, é impossível mensurar o que isso significa para o clube. Em nenhuma das outras cinco finais houve uma cobertura da mídia nessa dimensão.
ANTÔNIO CARLOS VERARDI
Superintendente do Grêmio que esteve presente nas cinco finais de Libertadores do clube
Verardi está há 52 anos no Grêmio. Mas, pela importância estratégica desta Libertadores, sente a decisão desta quarta-feira como se fosse sua primeira. E olha que ele esteve em todas as principais conquistas do clube. Inclusive, nas conquistas da Libertadores e do Mundial em 1983 e do bi da América em 1995.
Pois esse senhor de 83 anos com uma história que se confunde com a do clube está nervoso como se fosse a primeira vez. Talvez a cobertura da mídia cause essa ansiedade. Afinal, o número de veículos triplicou, há um vai e vem de repórteres e cinegrafistas incessante no CT e na Arena nos últimos dias. A impressão de Verardi se confirma nos números de credenciamentos. Conforme a Aceg (Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos), 330 jornalistas estavam habilitados a cobrir a decisão.
— Esse jogo vai para o continente todo, é impossível mensurar o que isso significa para o clube. Em nenhuma das outras cinco finais houve uma cobertura da mídia nessa dimensão — espanta-se Verardi.
Houve quem tenha tentado sem sucesso um lugar na Arena na noite desta quarta. Caso do gremista e superintendente da Cruz Vermelha Milton Araújo, 66. Gaúcho radicado em João Pessoa, aproveitou uma reunião de trabalho na Capital e trouxe o filho, José Augusto Araújo, oito anos. Eles não tinham ingresso, mas estavam exultantes por respirar o ar da final. Tanto que passaram no estádio do clube na tarde desta terça-feira para ver de perto a taça original da Libertadores, que estava em exposição.
Esse sentimento resume o que representa essa competição. Só o futebol consegue, por uma noite, criar uma única América em português e espanhol. A capital dela é Porto Alegre. E o sonho de ser dono, do Grêmio. Tudo começa a se decidir a partir das 21h45min. Quando todos os olhos do continente estarão voltados para a Arena.