Fui convidado, na última sexta-feira, pelo amigo e colega de redação José Augusto Barros para abraçar uma das vagas aqui na coluna. No convite, o Zé disse ter lembrado de mim por não ser um "gremista cego", algo que, na condição de jornalista-torcedor, tomei como elogio. Por não ser cego, vou deixar para falar de futebol em uma próxima oportunidade.
No final de domingo, depois da vitória gremista por 3 a 1 sobre a Ponte Preta, pouco se falava da partida nas redes sociais. As vaias da torcida tricolor ao goleiro Aranha, vítima de insultos racistas na Arena em 2014, e a resposta do jogador, que atribuiu os casos à cultura local, tomaram conta das discussões.
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A declaração do atleta revoltou. Aranha, acredite, passou a ser acusado de generalizar como racista um estado inteiro a partir do comportamento de "meia dúzia" – argumento muito utilizado há três anos quando, sob um mar de vaias, as câmeras flagraram um número muito pequeno de pessoas proferindo ofensas de cunho racial ao ex-goleiro santista. Os racistas acharam em sua fala uma oportunidade para pôr seu ódio para fora. O "perigoso" Aranha, como definiu com assustadora infelicidade o diretor jurídico do Grêmio, Nestor Hein, podia agora ser ser atacado sem problemas.
Se você acordou nesta segunda-feira e ainda não sabe, permita-me contar: as vaias para Aranha são racismo. Se, em 2014, antes de qualquer injúria, Aranha podia ser vaiado sob a justificativa de retardar o jogo ou simplesmente por estar no campo na condição de adversário, hoje não pode mais. Nenhum jogador em atividade no futebol brasileiro recebe no estádio gremista tratamento na mesma proporção que o defensor pontepretano. Nenhum. Nem D'Alessandro, acredite. Aranha é vaiado ao entrar em campo. Ao se posicionar para aquecer na linha de fundo, torcedores raivosos se penduram nas grades para ofendê-lo. Assim, gratuitamente, Aranha, goleiro da Ponte, 16ª colocada no campeonato, se transforma no maior desafeto do torcedor.
Aranha nunca fez nada para o Grêmio. Nem sequer uma partida fechando o gol, daquelas que enlouquecem mesmo. O único erro de Aranha foi ter se revoltado e denunciado aqueles que o ofenderam pela cor da sua pele. E isso foi motivo para que ele se tornasse eternamente persona non grata para os gremistas. Três anos mais tarde, a culpa pela eliminação tricolor no STJD ainda cai sobre os ombros de Aranha, a única vítima naquela polêmica noite de Grêmio x Santos. Há quem tenha justificado as vaias de domingo com a falta de caráter do goleiro, algo totalmente desligado de sua raça. "Não é pela cor, é pela pessoa". Sinto vergonha.
Aranha não pode ser culpado por ter generalizado. A generalização é uma análise social, a partir do ponto de vista da vítima – e talvez venha justamente daí tamanha revolta. Tenho amigos que defendem a tese de que o atleta deveria ter ponderado mais em suas colocações. Mas como exigir ponderação de uma pessoa humilhada por sua raça e transformada em vilã por queixar-se disso? É possível reagir de maneira diferente? Honestamente, não sei.
A acusação do jogador não me atingiu. Entendo que, quando ele diz que no Rio Grande do Sul "somos assim", não quer dizer que todo gaúcho é racista. Conheço pessoas que estavam na Arena ontem à tarde e não o vaiaram, assim como o pai que levou o filho pequeno e um cartaz pedindo desculpas. Aranha expõe o que vê, o que sente. E a culpa não é dele.