Dizer que Renato Portaluppi tem a chave do vestiário do Grêmio é pouco. O jogador mais consagrado da história do clube, que consolidou sua condição de ídolo do torcedor ao romper uma espera de 15 anos por um grande título, está autorizado a abrir a porta de cada departamento do clube. "Eu me garanto. As coisas precisam ser do jeito que eu quero", enfatiza o técnico, ao orgulhar-se do conhecimento para opinar com autoridade em todas as áreas.
Na sexta-feira (26) em que a chuva alagou a Capital, Renato recebeu Zero Hora e foi contundente em todas as respostas, durante 50 minutos. Falou de Roger Machado, José Mourinho e Pep Guardiola, fustigou a imprensa, desnudou seu método de trabalho, reafirmou que não precisa aprender tática na Europa e rechaçou o rótulo de motivador.
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Disse que, se for preciso, retomará a "operação carne fraca", utilizada quando percebeu que os jogadores precisavam se concentrar três dias antes. Mas salientou que a recente viagem antecipada a Curitiba atendeu apenas a uma necessidade de voo. Tome fôlego para ler Renato.
Como você define o momento do Grêmio?
O momento do Grêmio é muito bom, é maravilhoso. O futebol tem altos e baixos, tínhamos uma base muito boa do ano passado. O Walace saiu. Infelizmente, o nosso grande maestro Douglas se machucou, é um jogador imprescindível no meu esquema e no time. Também temos jogadores imprescindíveis no departamento médico como o Edílson, Maicon e o Bolaños. Fica difícil. Por isso, falo que precisamos de um grupo forte. As competições não param. Mesmo assim, mantivemos um nível bastante elevado. Quem entrou deu conta do recado. Será uma dor de cabeça escalar os 11.
Como suprir a ausência do Douglas?
Modifiquei um pouco o estilo de jogo. Não temos um jogador com essas características do Douglas. Ele é imprescindível para qualquer time no Brasil. Qualquer treinador quer um jogador como ele. No final do ano passado, falava com o Odorico que precisava renovar com o Douglas. Mesmo de férias, estava resolvendo algumas questões. Renovamos e, em um lance bobo, aconteceu a lesão. São poucos no Brasil com as características dele. Perdemos nosso principal jogador, quem faz o time jogar, mudamos um pouco nossa forma de jogar. Mas mantivemos um nível bastante elevado.
Como você compara esta passagem com as suas outras no comando do Grêmio?
A diferença é que pude fazer uma pré-temporada. Em 2010, cheguei com o Grêmio em 19º, e todos falavam que não íamos escapar. Fomos à Libertadores, aí venderam praticamente todo o time na pré-temporada e ficou difícil. Falei para me deixarem ir embora. Em 2013, o início do Brasileirão não era bom e fomos vice-campeões. Agora, tivemos o grupo todo para a pré-temporada. Não tiro as críticas das contratações que eu fiz no início do ano. Acredito nestes jogadores, sei como os recuperar. O Cortez e o Léo Moura, por exemplo: conheço o caráter. Muita gente contestou, mas confiava e sabia que podia recuperá-los. Dei uma lista grande de reforços, mas contratamos nas situações financeiras que o clube me propôs. Passei nomes e, quando não foi possível buscar esses, fomos trazendo os jogadores que o clube poderia oferecer. Muita gente contestou, mas sabia que ele poderiam andar.
Você se sente mais confortável em 2017?
Me sinto confortável em qualquer época, confio no meu trabalho. Quem não oscila? Oscilamos no Gauchão, mas é só ver os clubes grandes do Brasil, e que muita gente acha que é melhor do que o Grêmio. Sou o primeiro a chegar e o último a deixar o CT. Me meto em todas as áreas. Eu me garanto. Vou à fisioterapia, falo com os médicos e com a diretoria. Chego aqui e penso em dar uma malhada, não consigo por que começam a chegar os problemas. E a palavra final é sempre do treinador. Me meto nas áreas que não são minhas. Se as coisas não andarem certo, estouram dentro de campo e no treinador. Me garanto. Em outros clubes, faria a mesma coisa. As coisas precisam ser do jeito que eu quero. Sempre respeito as outras opiniões, mas a palavra final é minha.
O ambiente do Grêmio parece mais leve?
Me sinto confortável assim. Eu quero que os jogadores estejam alegres. Com alegria, o ser humano rende mais no trabalho. Ao mesmo tempo, quero chegar em uma entrevista coletiva e fazer uma brincadeira. Mas me seguro antes que alguém diga que eu não esteja levando a sério. Aí fico sério e dizem que estou sério demais. É difícil, mas tem pessoas que aproveitam uma imagem quando não vem o resultado.
De onde veio essa veia de se meter em tudo?
É meu, a vida no futebol me ensinou isso. Não sou o f..., não. Uma coisa é o cara querer se meter em tudo e não saber das coisas. Outra coisa é se meter conhecendo. Falo todos os dias com os médicos, sei quando o cara está machucado e quando pode ir a campo. Em qualquer setor do clube, você vai me ver presente buscando saber o que está acontecendo. Tem muitos que se metem e não conhecem, aí não adianta nada. Meu diferencial é entrar na área e ter conhecimento. O cara precisa se garantir para dar pitaco.
Você completará 150 jogos no comando do Grêmio contra o Fluminense. E essa marca?
Quando era jogador, confiava muito em mim. Como treinador, confio no meu trabalho. A gente sempre espera ter muito tempo para trabalhar. Mas sempre fica aquele ponto de interrogação: "Será que vai dar certo e vou conseguir ter bons resultados?". Vou dar o exemplo do Rogério Ceni agora. Em 2010, com o Grêmio em 19º, arrisquei o meu nome no clube.O que faz bancar isso? É confiar no trabaho. Isso não é para qualquer um. Muitas vezes, não quer se arriscar, não quer manchar a história. Se pegar os maiores ídolos de um clube, vê quantos aceitariam esse desafio. A posição do Ceni não é fácil.
Como foi a transição de jogador rebelde a técnico de futebol?
Brinco sobre isso com o seu Verardi (supervisor de futebol do Grêmio desde a década de 1980). Pergunto sobre com quem ele prefere lidar, o Renato das antigas ou os jogadores atuais? Eu dava trabalho, mas resolvia. Não vou mudar minha maneira. Não falo para os jogadores não saírem, não vou controlá-los na noite. Comigo, nem que tentassem, eles conseguiriam. Por isso, tenho esse discurso com meus jogadores. Não vou cuidar ninguém, mas precisam se garantir. Não dá para chegar aqui se arrastando nos treinos e os jogos. Aí o problema será comigo. Não proíbo ninguém de nada. Não mudei minha maneira de ser. Na minha época, falava para o treinador que ia fazer minhas coisas, mas estaria na hora para os treinos e diria presente para os jogos. É o que falo para eles. Se não renderem, vão ver o jogo do meu lado.
Existem outros "Renatos" no futebol atual?
Não existe mais modelos como Renato, Romário, Edmundo, Casagrande, Túlio e Viola. Não tenho nada contra assessoria de imprensa. Mas atualmente os jogadores deixam muito nas mãos da assessoria, que chega e diz para não falar ou não dar entrevista. O jogador fala pouco para o torcedor, que gosta de ouvir. Nada contra, mas não vemos mais tantos jogadores de personalidade como havia no passado. Une a assessoria e o jogador sem muita personalidade, acaba o jogador falando pouco.
Como você vê o rótulo de motivador?
As pessoas que pensam desta forma vivem no século 20, não enxergam. Ainda entram a inveja e um pouco de tudo, menos querer ver o trabalho do Renato. O futebol é muito simples. É só ver a diferença. Quando cheguei, no ano passado, muitos falaram que eu peguei o trabalho do Roger. Com todo respeito a ele, pergunto: por que o Roger foi embora do Grêmio? Alguém consegue me responder? Quando cheguei vi as críticas sobre o Grêmio: tocava muito a bola, não tinha definição e levava muitos gols. Gozado, cheguei aqui, corrigi isso e ganhamos a Copa do Brasil. Da forma que armei a equipe, passamos a sofrer poucos gols de bola aérea e começamos a fazer gols, definir as jogadas. Mas aí dizem que o Grêmio do Roger valorizava a posse de bola, todos os times do mundo valorizam. Mas aí tem que definir. Prefiro ter 30% de posse de bola e vencer o jogo a ter 70% e perder. Outra coisa: posse de bola depende dos jogadores, da qualidade. Volto a perguntar, se estava tudo certo, por que o Roger saiu do Grêmio? Gostaria de estar em alguns programas ao vivo, com algumas pessoas, para discutir futebol, poderia dar essa aula de graça e perguntar para esses gênios e ouvir as respostas. As pessoas falam que o Renato foi campeão da Copa do Brasil devido ao trabalho do Roger, mas por que o Renato veio para o Grêmio e o time parou de levar gol de cabeça e a ser mais ofensivo. Essas coisas, os gênios não conseguem me responder. Ou não entendem ou têm uma parcela de inveja. Não querem elogiar o Renato. Nas dificuldades, é que você vê o grande treinador. O Grêmio perdeu sua base do ano passado, e é só ver o que estamos fazendo. Eu não sou bom, sou muito bom. Não é pouca coisa não. Enxerga quem quer. É simples.
Como você acompanha as críticas?
Os assessores são pagos para isso, e muito bem. Não vejo TV, não escuto rádio e não leio jornais. Um programa que outro eu acompanho. Gosto de ver gols. Entre a imprensa mesmo, não se entendem. Preciso ir pela minha cabeça. Se ouvir todos, minha cabeça vira um vulcão. Não sou o f..., mas vou pela minha cabeça. Dessa forma, meus erros são mínimos. Falo pelos meus números. Se estou no Rio ou em São Paulo com esta campanha, pô. Não que não tenha moral aqui, mas é difícil, as pessoas aqui são difíceis. Uns 2% ou 3%, e quem eu respeito, preferem achar um defeito onde não existe. Mas existe esse tipo de pessoa, entra a inveja, o ciúme ou o fato de torcer pro Inter, quer achar algo errado aqui, mas que não tem. O Grêmio não é perfeito, mas vai muito bem, do presidente ao roupeiro. É só ver o que está acontecendo nos outros grandes clubes.
A evolução do time após o período de 11 dias para treinar ajuda a tirar o selo de ser apenas um motivador?
Não vou para a TV, jornal e rádio para falar bonito. Falo as palavras que o jogador entende. Seria muito simples ir falar bonito na TV. Prefiro não falar tão bonito e ter resultados com o grupo, que eles entendam o que eu quero. A parada para trabalhar foi fundamental. O Grêmio vem em um ritmo muito bom. Quero que meu grupo entenda o que estou passando para que eles façam dentro de campo. Não preparo discurso para falar com a imprensa.
Algum treinador tem uma linguagem que o jogador não entende?
Não sei, falo por mim. Falo para o meu jogador. Podem conversar com eles, tem 30 aqui. Faço que eles entendam exatamente o que eu quero deles, com simplicidade. Procuro não dificultar as coisas, eu quero facilitar para o meu grupo.
Qual o seu método de trabalho?
Um pouco de tudo. A coisa mais difícil para o treinador de futebol é ser o gestor do grupo. Primeiro lugar, qualquer treinador precisa ter o grupo nas mãos.E não é fácil lidar com 30 jogadores, tendo que agradá-los. Saber levar no dia a dia, e isso não vou ensinar. Cada um precisa saber. O mais difícil é ser gestor do grupo. E depois precisa entender da parte tática, levar o time para o campo e treinar tudo. Ai também precisa entender.
Mas a parte tática nasceu com você, estas aprimorando?
Todo dia aprendemos alguma coisa, mas aprendi muito como jogador. Trabalhei com os melhores treinadores do Brasil, fiquei 10 anos na Seleção. Mas uma porrada de coisa é minha, em todos os sentidos.
Como sua experiência de jogador lhe serve de referência como técnico?
É lógico que aprendi muito como jogador. Vejo uma porrada de jogos. Analiso o que está acontecendo com os adversários, analiso outros jogos, seja do Brasil ou da Europa, eu vejo todos os jogos da Série B, da série A, vejo o trabalho de cada técnico, a maneira como ele joga e faço uma referência ao meu trabalho.
Mas com quem você troca ideias no vestiário? Exclusivamente com o Alexandre Mendes (auxiliar técnico) ou conversa com mais alguém?
Eu falo para o meu grupo e para as pessoas que trabalham comigo o seguinte: eu não sou o dono da palavra. Eu coloco da maneira que quero que sejam feitas as coisas. Se alguém me provar que estou errado dou a mão à palmatória. Mas tem que provar que estou errado. Converso e troco ideias com todo mundo. Agora, a decisão pode ter certeza, é sempre minha.
Você é pentacampeão da Copa do Brasil, mas ainda é visto com algum preconceito por ter falado que treinador não precisa estudar ...
Estudar, sem querer te interromper, é o seguinte. Quando falam em estudar, parece o garoto que está indo para o colégio ou para faculdade. Agora, eu pergunto para vocês: o que vocês acham que é estudar no futebol? Quantos de vocês sabem me responder? Por exemplo, com todo o respeito, há uma porrada de jornalistas de uma geração nova, que dizem que estudam futebol, fazem faculdade de futebol. Tá bom. Então, eu desafio vocês. Pega você e mais 10 caras que estudam futebol, e eu vou sozinho contra vocês. E vamos falar de futebol. Vocês vão fazer as perguntas para mim, e eu faço as perguntas para vocês. E vou botar alguns lances no vídeo e vou perguntar a vocês onde está o erro.É simples. Estudar é uma coisa. E eu respeito. Lógico que a gente aprende com o estudo. Mas querer desafiar a prática, aí é demais. E vou botar especialistas para analisar as respostas.O cara fala: tem que ir para a Europa estudar futebol. Mas o que é estudar futebol? Algum de vocês me explica? O conhecimento é superválido, aprendo todos os dias vendo os jogos que falei para vocês. Agora, para aprender, não preciso ir para a Europa estudar. Eu tenho meus conhecimentos e vejo o que acontece lá na Europa também. Qual foi o treinador que foi lá na Europa e voltou com alguma coisa diferente?
O Tite disse que foi ...
O Tite disse que foi na Europa para aprender a atacar. Não sei se viram essa resposta dele. Aí, eu respondo pra vocês: eu não preciso ir para a Europa aprender a atacar. Eu sei atacar. Mas eu respeito a opinião do Tite. E sei me defender também. Não preciso ir para a Europa aprender a me defender. O que de novidade algum treinador trouxe de lá para cá? Vocês acham que o cara fica uma semana, 10 dias na Europa, com todo respeito, faz foto com dois ou três caras famosos, esse cara aprendeu em 10 dias?
Você nunca se interessou por esses cursos da Uefa, esses seminários que a CBF promove?
O que eu gostaria de estar era nesse último, como Tite, Bielsa e Capello. Mas eu pergunto: quem são os caras que dão esses cursos da Uefa? Houve um treinador consagrado, que não vou falar o nome, que soube que eu disse que não precisava ir na Europa estudar e respondeu: ele está certíssimo, na Europa você não aprende nada. Você pega um treinador como Mourinho ou Guardiola, que eu acho muito bons treinadores. Mas qual foi o time fraco que eles treinaram? Treinaram clubes em que a parte financeira ajuda, dão uma lista de praticamente um time, é como treinar a Seleção Brasileira, que você vai lá e convoca os melhores. O time tem que dar show. Eu gostaria de ver o Guardiola ou o Mourinho em um time médio. Eis a questão. Deixa eu ir para uma equipe e dar uma lista para ver o que eu vou fazer. Essa é a diferença que as pessoas não entendem. Os caras montam uma seleção, mas aí têm a obrigação de ganhar títulos. O trabalho é bem facilitado. Eu quero ver nas dificuldade.
Duas perguntas em uma só: você entende que é provincianismo achar que só se aprende na Europa e acha que sepultou seus críticos ao ganhar ao Copa do Brasil?
Na minha cabeça, foi bem antes disso. Não vou bater boca com os gênios. Eu queria esses gênios num programa ao vivo. Agora, não sou contra o cara ir estudar na Europa, fazer curso na CBF. Cada um, cada um. Eu me garanto. E não falo isso por ter sido campeão da Copa do Brasil. Já falava bem antes disso.
Você vai completar 150 jogos contra o Fluminense, é pentacampeão da Copa do Brasil e maior ídolo do clube. Por tudo isso, pensa fazer um trabalho a longo prazo? Ou seria mais conveniente sair no final do ano?
O Grêmio queria um contrato de três anos. Eu não quis, fiz de um ano. Sou gremista, todos sabem, adoro trabalhar aqui. Agora, sou consciente. Sei que treinador vive de resultados. Se amanhã ou depois algumas das partes achar que tem de dar um tempo, sem problemas. Lógico que a pretensão é seguir trabalhando. Mas nem sempre você vai ganhar. Estamos vivendo um bom momento, mas não significa que amanhã ou depois não vamos perder ou sair de uma competição. Se ganha, você é bom. Se perde, ninguém mais mais presta. Sempre digo, futebol é como o vento.
*ZHESPORTES