Ouvi de vários gremistas a seguinte frase, ao topar com a foto de Edinho todo de azul, preto e branco em ZH, no dia seguinte ao anúncio de sua contratação:
- Que estranho o Edinho com a camisa do Grêmio.
Há jogadores que se identificam com um clube. Poucos conseguem por que é preciso algo além da qualidade para cair nos braços de uma torcida e de uma instituição como Inter e Grêmio. Outros valores entram na construção desta escolha por parte do torcedor: carisma, comportamento, a conduta diária. Edinho está longe de ser craque, mas os colorados criaram até cântico específico para ele, o "Edinho Guerreiro". O Inter teve dezenas de jogadores muito melhores do que ele. Raros ganharam letra e música própria da arquibancada. Por isso o espanto dos torcedores gremistas ao depararem com Edinho prometendo ser um gladiador da Arena.
Obviamente, Edinho não está fazendo nada errado indo para o Grêmio. É um trabalhador como outro qualquer diante de uma boa proposta. Estava desempregado para 2014. Fez-se o silêncio nas Laranjeiras ao final do seu contrato. Aí o Grêmio ofereceu dois anos de salário - ouro para quem completa 31 anos em janeiro e não é um extraclasse. Terá vínculo garantido em um grande clube até os 33 anos. A carreira do jogador é curta, e Edinho nunca entrou naquela faixa de jogadores que ganham fortunas inverossímeis. Aceitou sem pensar, como ele mesmo disse, e ninguém pode tirar-lhe a razão. Edinho será sempre respeitado por todos. Pela pessoa que é, pelo que conquistou no Beira-Rio e pelo que fará no Grêmio. Mas é indesmentível: no universo da paixão, ele cortou um laço com a torcida do Inter.
Há dezenas de jogadores que serviram profissionalmente a dois senhores na rivalidade Gre-Nal. Mauro Galvão é um bom exemplo. Gaúcho, ergueu taça e conquistou o respeito tanto do colorado quanto do gremista. Mas não é amado nem por um, nem por outro. Jamais medirá forças no coração azul com um Iúra, por exemplo. Cortejado pelo Inter, Iúra sentiu-se mal com a camisa vermelha na hora de assinar e mandou às favas contrato, salário, tudo. A camisa do Grêmio era sua pele. Ídolo nos sofridos anos 70, é um perdedor se comparado a Galvão. Mas o torcedor do Grêmio ama Iúra. Sua medida não é só esta, da vitória ou da derrota. Da mesma forma, Galvão não será lembrado pelos colorados como o paraguaio Gamarra, que não ganhou nada relevante nos anos 90, mas recusou-se a comemorar quando fez gol no Inter, vestindo a camisa do Corinthians.
Renato nunca treinará o Inter. Perguntado se um dia comandaria o Grêmio, Falcão serenamente disse "não". Abel Braga, carioca como Edinho, já afirmou que sua identificação com o Inter não o permite trabalhar no Grêmio. O maior patrimônio de Rogério Ceni não são os troféus no Morumbi, e sim a veneração eterna que ele terá dos tricolores por eleger o São Paulo como único clube da carreira. Seus netos desfrutarão deste bem imensurável. Todos os que citei são aposentados. Inclusive Ceni, embora ele siga jogando.
O mercado está cada vez mais profissional e menos romântico. O espaço para rompantes amadorísticos entre os jogadores quase não existe. Juras de amor tornaram-se meras obrigações contratuais. O gesto de Iúra hoje provocaria risos. Gamarra seria condenado por fazer um gol e não sentir-se feliz por ter feito algo que é pago para fazer pelo seu empregador do momento. Preservar ou não a identificação com o clube não é mais tão importante assim. Está próximo o dia em que Inter e Grêmio trocarão jogadores sem parcimônia. O que não está errado, absolutamente não.
É só estranho.