Mais do que um título, um preparatório fundamental para a Copa do Mundo que ocorrerá no próximo ano, no Uzbequistão. É assim que o treinador da seleção brasileira de futsal, Marquinhos Xavier, encarou a conquista da Copa das Nações, em Sorocaba, São Paulo. O time canarinho venceu o Irã, na final, por 4 a 2, no último domingo (17).
Em entrevista à GZH, Marquinhos Xavier identifica os pontos positivos e, mesmo com 100% de aproveitamento da competição, comenta as principais dificuldades enfrentadas pelo Brasil. O treinador vai além, elogia as novas gerações do futsal brasileiro e coloca um alerta sobre a evasão de jovens atletas para o Exterior e a crescente naturalização de jogadores que optam por atuar em seleções de outros países.
Com uma carreira ornamentada por diversas medalhas de campeão — muitas das quais conquistadas pela gaúcha ACBF, de Carlos Barbosa — Marquinhos Xavier mantém o foco na seleção, com a qual tem contrato, pelo menos, até o Mundial. Por enquanto, o catarinense diz não saber quando retornará ao comando de um clube.
Leia o que diz o treinador do Brasil sobre a seleção, o futsal no país e no mundo, a carreira e outros assuntos que perpassam o esporte no bate-papo abaixo.
Como você avalia a participação do Brasil na Copa das Nações?
Foi uma avaliação positiva, não pelo resultado, porque a seleção a gente sempre pensa no processo de trabalho e cada convocação tem um objetivo claro. É esse somatório de metas que a gente vai atingindo que vai fazer com que a equipe chegue próximo do ideal. Tivemos a oportunidade de desafiar alguns adversários, em especial o Irã, que era uma equipe com a qual nós não tínhamos jogado ainda dentro desse ciclo. Tentamos realizar algumas partidas, mas a gente não conseguia fechar. Dessa vez, a gente conseguiu trazê-los ao Brasil para disputar essa Copa. Então, foi uma grata surpresa termos nos encontrado, inclusive, numa final, onde você experimenta não só a questão técnica e tática, mas a questão emocional, a disputa de um título. O Irã foi um adversário muito duro ao Brasil, nos deixou uma marca histórica em 2016. A seleção foi eliminada nas oitavas de final (do Mundial) para a seleção iraniana. O Irã é uma das grandes potências nacionais (no futsal). A equipe do Japão também foi uma equipe muito, muito boa. Muito interessante, que vem crescendo muito, é a atual campeã asiática, que também tem um trabalho bem distribuído. Nós tivemos não só um teste da questão técnica, mas, principalmente, de disputar uma vaga para semifinal e uma final bastante tensa, aspectos emocionais que também fortalecem muito o grupo.
Pode detalhar um pouco mais as dificuldades enfrentadas pelo Brasil na final contra o Irã?
As questões físicas. O Irã tem escola muita parecida com a brasileira. Jogadores que gostam da bola. Muito ataque, são habilidosos. Tem qualidade técnica grande e é praticamente um espelho do que a gente procura fazer no Brasil. Então, o biotipo físico do atleta iraniano é muito semelhante ao brasileiro, de maneira que você vai encontrar dificuldades que existem, por exemplo, jogando contra uma equipe brasileira ou contra sul-americana. O diferencial é a experiência. Eles têm remanescentes da equipe de 2016, uma liga bem organizada. Tem muito atleta iraniano jogando em outros países importantes.
E, falando de seleção brasileira, quais foram os principais pontos positivos que você conseguiu ver nesse grupo que foi para a Sorocaba?
Maturidade, um entendimento já muito claro do que a gente é, o que a gente quer fazer, o resgate de uma identidade de superação, de luta, de honrar o nosso torcedor. Eu acho que esses sentimentos precisam ser levados para dentro da quadra, principalmente porque nós temos um percentual altíssimo de jogadores brasileiros que jogam em outros países e, a exemplo do futebol, eles acabam se afastando do torcedor brasileiro e perdendo também algumas características que são nossas, de lutar muito, de batalhar durante o jogo, de se envolver com o torcedor, de ser realmente agressivo e não desistir do jogo. Eu acho que esses componentes vêm se evidenciando ao longo desse trabalho que a gente tem feito, é um trabalho literalmente de renovação. Nessa seleção, já tive alguns atletas que jogaram o Mundial anterior, promovendo essa renovação. De 16 que jogaram o Mundial de 2021, 12 jogaram pela primeira vez. Nós tínhamos apenas quatro jogadores de ciclos anteriores. Então, um trabalho muito desafiador e complicado. No Brasil, nós não temos essa cultura de planejar o futuro. Poucas pessoas querem renovar e sempre deixar para quem vem lá na frente. A renovação ou a manutenção, a restauração, todas essas palavras estão presentes em outras áreas do nosso país. Alguém vai ter de fazer. A gente está cuidando muito bem das nossas futuras gerações, que, inclusive, no domingo, a nossa seleção sub-20 foi campeã do (campeonato) Sul-americano na Venezuela. Nós temos uma sub-17 que foi vice-campeã também do Sul-Americano recentemente. Hoje, uma das atribuições que eu tenho dentro da seleção é coordenar todas as outras seleções que nós temos, e a gente está alinhando para que todas elas tenham o mesmo processo de trabalho, e isso é uma preocupação para que as futuras gerações possam chegar muito melhor preparadas para disputas internacionais e, por que não, conquistas também importantes, que é o que dá muita confiança para o trabalho. Hoje, o futsal no Brasil tem, a cada ano, perdido mais jogadores — e cada vez mais jovens — para outros países. Precisamos ficar atentos a esse movimento.
Pensando no futuro, temos no horizonte a Copa do Mundo de Futsal, que está prevista para ocorrer entre 14 de setembro e 6 de outubro de 2024. Você citou o Irã como um dos times fortes. Quais são os outros?
É, os tradicionais. Espanha, Portugal, são países que têm ligas muito bem organizadas. Acho que de todos os países, Portugal é quem faz trabalho muito legal de formação. Então, vem ganhando competições sub-20. Tem equipe também muito bem renovada já, é adversário difícil. Temos o Japão, o atual campeão asiático, também um adversário. Temos ali no Leste Europeu algumas seleções muito fortes, como é a seleção do Cazaquistão, com jogadores brasileiros naturalizados. Está existindo um nível de naturalização muito grande de brasileiros em outros países. Também temos de ficar atentos. E a Argentina, que é no nosso continente, é um adversário forte. A Colômbia é um adversário forte, mas eu destacaria Portugal, Espanha e Argentina, como os três principais hoje. A seleção do Marrocos, para eu não esquecer também, hoje é uma das seleções no continente africano com maior destaque, pulou para oitavo no ranking mundial Fifa.
Você mencionou nas suas respostas anteriores duas questões e gostaríamos de aprofundar: perder jogadores cada vez mais cedo para outros mercados e, também, a questão da naturalização, uma questão cada vez mais frequente dentro do futsal. Você consegue diagnosticar os motivos dessas duas situações?
Primeiro, a facilidade desses processos migratórios em alguns países, né? Alguns têm, vamos dizer, afrouxado um pouco essa questão, principalmente no esporte. Nós tivemos agora recentemente um jogo pela classificatória da Europa entre Armênia e Geórgia, onde nós tínhamos ali seis, sete brasileiros naturalizados nos dois países. Então, quer dizer, daqui a pouco nós estamos jogando contra nós mesmos. Esse é um fator. Às vezes, os atletas acreditam que não terão espaço na sua seleção. Realmente, no Brasil, é uma questão complicada porque nós temos o futsal como a principal modalidade esportiva coletiva no nosso país, superando o futebol. O futebol é praticado depois, em certas idades mais adultas, mas, na formação, no esporte escolar, o futsal é maciçamente praticado. São poucas vagas para muitas pessoas. E a outra questão é econômica. Esses países oferecem boas quantias para você se naturalizar e competir. Isso acaba, de alguma forma, atraindo o atleta a esses países onde a facilidade, como eu mencionei, no processo de mudança, não uma mudança, mas uma dupla nacionalidade, acontece com muito mais tranquilidade do que em outros.
Quais são os próximos compromissos da seleção brasileira antes da Copa do Mundo?
Embarcamos para Copenhagen no dia 1º (de outubro). A gente joga dois amistosos com a seleção da Dinamarca, dias 6 e 8 de outubro. Em novembro, o Brasil joga uma liga de desenvolvimento da Conmebol, que deve ser aqui no Brasil, em Foz de Iguaçu. Essa liga é você joga com a equipe sub-20, sub-23, por isso é de desenvolvimento. Em dezembro, nós faremos, também no Brasil, dois amistosos com a seleção da Costa Rica, o que também acontecerá em Foz de Iguaçu. Em janeiro do ano que vem já é o período das eliminatórias da Copa do Mundo, que ainda não tem série definida pela Conmebol.
Agora uma pergunta mais pessoal: até quando vai o seu vínculo com a CBF para o comando da seleção brasileira?
Eu te confesso que eu estou muito focado nesse trabalho. Não tenho planejado muito o futuro. Eu tenho um vínculo com a CBF até o Mundial do próximo ano. Eu acho que ambas as partes (pretendem) seguir esse acordo e finalizar esse ciclo. E depois a gente vê o que vai acontecer, qual é a proposta de trabalho que a CBF tem. Eu acho que a gente precisa avançar em algumas frentes também, crescer em outras áreas. Eu gostaria de, em permanecendo na seleção ou em qualquer outra função dentro dela, que a gente tivesse condições de avançar em algumas questões, como, por exemplo, montar uma seleção sub-15. E para que a gente pare de fazer aquela pergunta do porquê o futsal não é olímpico. O que nós podemos fazer? Montar um plano de desenvolvimento do futsal no nosso país, para que a gente possa um dia sentar à mesa e conversar. Então, gostaria de desenvolver trabalhos como esse. Posso estar vinculado à questão técnica ou não, e também posso, talvez, abortar essa missão e voltar para algum clube, mas isso não são coisas que passam pela minha cabeça. Eu estou muito focado, muito concentrado em tentar terminar esse processo de trabalho que a gente está fazendo de renovação e chegar bem, chegar com confiança para o mundial. Essa é a minha principal missão nesse momento.
O que é possível dizer da qualidade da Liga Nacional de Futsal nesse ano, que tem os gaúchos ACBF, Atlântico e Assoeva?
Eu tenho acompanhado, até por uma atribuição da função, vendo muito as edições dos jogos, porque essa fase da Liga, totalizando o encerramento, vai chegar a 240 jogos, então é quase impossível você acompanhar tudo. Mas a gente acompanha as principais equipes, acompanho a ascensão de algumas equipes que debutam na Liga Nacional, acompanho também a evolução. Acho que é uma competição que precisa avançar. Eu penso que é uma competição que parou um pouco no tempo. Essa competição precisa ser mais atrativa. Nós temos muitas equipes numa categoria apenas, já passou da hora de a gente ter uma segunda divisão ou uma líder de divisão, desenvolvimento ou uma liga de praça, como queiram chamar, não sei, para que a gente pudesse oportunizar a outras equipes jogarem também e a disputarem talvez acesso e descenso para que ela tivesse um atrativo. Hoje a gente não tem isso, então as equipes, você pode ver na pontuação, uma diferença enorme entre alguns colocados, a diferença do primeiro para o último, para o vigésimo quarto, demonstra fragilidade muito grande de investimento por alguns e que torna o jogo desinteressante para o público em geral. O que faz com que as pessoas se conectem com uma competição é justamente a imprevisibilidade de quem vai ganhar, quanto mais previsível, menos audiência, menos interesse. A gente precisa equilibrar mais as disputas, deixar uma liga mais equilibrada no aspecto técnico para que também tenha futuramente a possibilidade de ter mais jogadores do nosso país dentro da seleção. Antes que alguém diga que isso é uma opção do treinador, eu já me defendo dizendo que não. É uma questão técnica mesmo. Hoje a gente tem mais de 70% de jogadores na seleção brasileira, que é tudo de outros países. Eu gostaria que tivesse mais gente do nosso país dentro da seleção brasileira. E não é porque eu tenho algo contra, não, muito pelo contrário. Eu quero que melhore justamente para que a gente possa ter mais jogadores aqui do nosso país jogando na seleção, mas a exemplo do futebol, a gente perde o melhor extrato do nosso esporte, o melhor produto do nosso esporte, que é o atleta, muito facilmente para mercados externos. Às vezes, não são as cifras tão altas. É a falta de plano para esse atleta dentro do Brasil. Ele acaba dizendo "poxa, aqui não vai passar disso, então vou seguir minha vida". A gente precisa pensar em um plano que possa manter o atleta mais tempo no país jogando.