Títulos, conquistas e vitórias. A vida perfeita. Cheia de glamour e holofotes. Na verdade, não é bem assim a rotina de jogadora de futebol no Brasil.
Abdicações, expectativas, frustrações e pressão fazem parte de um combo no dia a dia de grande parte das atletas. E faz com que muitas meninas repensem seus sonhos em função de problemas relacionados à saúde mental – temática do setembro amarelo.
A parte cruel desta realidade, por muito tempo, ficou escondida nos bastidores. Com a evolução da modalidade (e da sociedade), tornou-se mais usual debater a necessidade de cuidar do psicológico com o mesmo afinco que se olha para o físico. Mas, segundo especialistas e desportistas ouvidos por Zero Hora, ainda está longe do ideal.
A psicóloga Marina Gusson, que atuou junto à Seleção Feminina de 2019 a 2023 e hoje preside a Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, avalia o cenário no país:
— Vejo, sim, que estão evoluindo as discussões, mas eu enfatizaria que estamos muito no início desse trabalho. A gente ainda se surpreende quando alguém diz que adoeceu. Isso é visto como coragem, como uma ação de romper padrões. E é bom, porque vamos quebrando o tabu do adoecimento mental, de que ele existe, de que não é frescura e que precisa ser olhado e cuidado. Por que eu acho que está tão distante? Porque ainda seguimos esperando pegar fogo para depois tentar apagar.
Vamos quebrando o tabu do adoecimento mental, de que ele existe, de que não é frescura e que precisa ser olhado e cuidado.
MARINA GUSSON
psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
A realidade, que também afeta o futebol feminino, pode desencadear outros problemas — por vezes, até doenças. Como a depressão, nada incomum para o Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país tem maior prevalência da doença em toda a América Latina: 11,7 milhões sofrem de depressão. Cerca de 5,8% da população.
— Na OMS, estamos como o país mais ansioso do mundo. Além disso, temos muitos casos de depressão. E aí, as pessoas estão tendo mais coragem de falar. Mas, no mundo do esporte, existe essa questão de "como assim você vai falar que está enfraquecido, sem coragem, sem força, sem confiança, não conseguindo?" — explica a psicóloga do time feminino do Corinthians, Djara Fortes.
No Brasil, não existe nenhuma pesquisa direcionada a casos de doenças como ansiedade e depressão no futebol feminino. A incidência, no entanto, não é uma particularidade deste esporte. A ginasta Simone Biles, o nadador Bruno Fratus, a tenista Naomi Osaka e o surfista Filipe Toledo já entoaram o discurso a respeito da saúde mental.
No mundo do futebol, no entanto, alguns fatores podem ser agravantes para que essas doenças acometam os atletas. O início das responsabilidades muito cedo, situações de frustração, lesões e, por vezes, até casos de assédio moral e sexual.
— São adoecedoras as situações que, às vezes, elas vivenciam em clube, das relações de trabalho, de questões que ficam nos bastidores. Por que eu estou falando isso? Justamente para a gente não cair naquela leitura individualizante do adoecimento. Tipo "ah, esse indivíduo está adoecido, que pena, coitado, vamos cuidar dele, né?" Sem deixar de considerar: "O que levou ele a adoecer? O que nessa estrutura, o que nessa cultura está tirando a saúde dessas pessoas? Seja física, seja mental?" — complementa Marina.
É necessário você quebrar o estigma do atleta enquanto super-herói
MARINA GUSSON
psicóloga e presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte
Segundo a piscóloga, "é necessário quebrar o estigma do atleta enquanto super-herói", vê-los como alguém sem superpoderes e humano.
— Costumo dizer que, devagar, os atletas estão lutando pelo direito de adoecer, ainda mais quando se fala em saúde mental.
Como pedir ajuda?
O Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviços 24 horas por dia para aqueles que precisam de apoio emocional. Os contatos podem ser feitos dessas formas:
- Pelo telefone 188: ligação gratuita, disponível 24 horas por dia;
- Chat: todos os dias da semana em horários definidos (veja aqui);
- E-mail: pelo apoioemocional@cvv.org.br ou preenchendo o formulário no site.
Os atletas que estiverem precisando de ajuda também podem entrar em contato com a Associação Brasileira de Psicologia do Esporte por meio das redes sociais. A entidade conecta jogadores com psicólogas associados que possam prestar o serviço.