Este texto faz parte da cobertura da Copa do Mundo. A seção 'A Copa da minha vida' é publicada diariamente no caderno digital sobre o Mundial do Catar.
Impossível esquecer. A Copa da minha vida foi a do Tetra. Eu tinha 15 anos e, no interior do RS, vivi tudo com a intensidade típica da adolescência: chorei, rezei, xinguei, acendi incenso, torci de joelhos em frente à TV e gritei feito louca enquanto Galvão Bueno, agarrado ao eterno Rei Pelé, repetia, aos berros o que todo brasileiro queria ouvir:
— Acaboooou!!! Acabooou!!! É Tetra, é Tetra, é Tetraaaa!!!
Até hoje, me arrepio.
O Mundial de 1994 foi o primeiro ao qual assisti por inteiro, acompanhando cada lance, cada comentário, cada reportagem. Sabia os nomes, as posições e as características técnicas de todos os jogadores. Analisava as escalações do técnico Carlos Alberto Parreira, observava as críticas de parte da imprensa e achava graça das declarações de Zagallo – sempre externando as superstições numerológicas mais loucas.
Fazia 24 anos que o Brasil não vencia uma Copa. A expectativa era grande. Além de tudo, meses antes havíamos perdido nosso maior ídolo, Ayrton Senna. A Seleção desembarcava nos EUA com uma responsabilidade imensa sobre os ombros, algo como devolver a alegria a uma nação em luto, mas que, apesar de tudo, vivia dias melhores com o Plano Real decolando e a inflação sob controle.
O problema é que o grupo não tinha as qualidades que muitos esperavam: o tal futebol arte. Acabou sendo, claro, com sofrimento.
Naquele domingo, 17 de julho de 1994, estávamos reunidos — meus pais, meu irmão e eu — na casa de familiares queridos em Santa Cruz do Sul. Nosso tio Victor Genz instalou uma TV de tubo de 20 polegadas na garagem e ficamos todos ali, com nossas bandeiras, aguardando o início da final entre Brasil e Itália.
Que sufoco. Zero a zero no tempo regulamentar e empate sem gols na prorrogação. Aí vieram os pênaltis. Paramos em frente à TV e nos demos as mãos — isso soa meio cômico hoje, mas juro que foi assim.
A Seleção começou mal nas cobranças, desperdiçando chances, até que Taffarel – a lenda – fez uma defesa incrível de uma bola de Massaro. Ali tive a certeza: “Nós vamos ganhar”. Minutos depois, Roberto Baggio, camisa 10 italiano, com aquele rabinho de cabelo “metido a besta”, respirou fundo, correu em direção à bola e… mandou a redonda “para a Lua”. Foram dois segundos de silêncio até a explosão.
A partir dali, minha memória se embaralha: cenas de Parreira sendo jogado para cima pelos jogadores, Galvão tendo uma síncope ao microfone, nós chorando, nos abraçando, correndo e gritando no pátio.
Vidrados na TV, estufados de orgulho e com lágrimas nos olhos, assistimos à entrega da taça a Dunga, o capitão de ferro, tão criticado e tão fundamental. Foi lindo. Dali, corremos para a Avenida do Imigrante para celebrar com amigos e desconhecidos.
Depois disso, nunca mais voltei a me conectar com a Seleção nem com o futebol brasileiro da mesma maneira. Não sei ao certo por que, mas, depois daquele episódio, tenho a impressão de que os ídolos no esporte mais popular do planeta mudaram – e talvez eu também. Eles tornaram-se cada vez mais vaidosos, aparentemente mais preocupados com o dinheiro do que com qualquer outra coisa e até mesmo mimados. Eu cansei.
Sei que posso estar sendo injusta. Não sou especialista no mundo da bola, longe disso. Espero mesmo morder minha língua na Copa de 2022. Que venha o Hexa. Que venha um novo Brasil.