São cinco jogadores ofensivos. Uma linha inteira que, tomara, seja decorada em prosa e verso pela história a ser escrita aqui no deserto. Raphinha, Paquetá, Richarlison, Neymar e Vinicius Júnior.
— Quem marca? — pergunta quem ainda olha o jogo pelas posições e não pelas funções.
— Todos — é a resposta curta, objetiva e indesmentível.
Tite montou uma Seleção Brasileira agressiva, intensa e aguda. Para atacar e para defender. Os números mostram. Tanto que o Grupo de Estudos Técnicos da Fifa se surpreendeu ao fazer o balanço da primeira fase. O Brasil, ao lado da Argentina, está jogando de forma mais europeia do que os próprios europeus.
O número que mostra isso é o do tempo de recuperação de bola. Na primeira fase, a Seleção resgatou-a do pé do adversário 14,9 segundos depois de perdê-la. Em média. Esse índice é o que os analistas de desempenho e as comissões técnicas chamam de "Rec 5". É a meta de roubar a bola cinco segundos depois de perdê-la. O Liverpool de Jurgen Klopp trabalha com o gegenpressing, que é a insana busca por roubar a bola dois segundos depois de perdê-la. Segundo Klopp, é nesse intervalo de tempo que acontece um relaxamento de quem virou portador da bola. Aquela respirada antes de pensar no destino que dará a ela.
Bom, mas isso é a obsessão de Klopp. A obsessão de Tite é fazer com que seu time cheio de jogadores ofensivos brilhe com a bola e, quando perdê-la, se organize em blitz para recuperá-la ainda no campo de ataque. Ele chamou os meias e atacantes para uma conversa e deixou claro. Para jogarem todos juntos, é preciso que suem todos juntos. Sem distinção. De Neymar a Richarlison, passando por Vini e Raphinha, esse o dono das melhores marcas de roubadas de bola depois dos zagueiros.
— Equilíbrio, se fugir do equilíbrio em algum momento, as possibilidades de perder são maiores. Eles têm responsabilidades de se posicionar em campo, sem a bola. Assim como temos de ter jogadores atrás que dão esse suporte — explicou o técnico depois da goleada de segunda-feira (5), no 974 Stadium.
O jogo contra a Coreia do Sul foi exemplar nesse sentido. Houve posicionamento à frente, com todas as linhas projetadas, e sufocamento do adversário. Quando os coreanos perceberam, estava 4 a 0. Com 36 minutos, tudo foi resolvido. A marcação alta, intensa e coletiva é o que permite usar um quinteto na frente. Hoje, Paquetá é o segundo jogador do meio. Porém, atua muito mais como um meia, trabalhando para cortar a transição do adversário na raiz. Contra Camarões, aliás, foi esse o ponto de falha. Os africanos passaram pela blitz, houve a virada de jogo, a velocidade do atacante pelo flanco e o cruzamento para o gol. Marquinhos, mesmo sendo rápido, não conteve o adversário, que vinha de trás e embalado.
Um outro dado também mostra como joga essa Seleção. Na primeira fase, o Brasil foi o quinto time que menos cumpriu distâncias no campo. Em média, segundo a Fifa, fez 110 quilômetros por partida. A Argentina fez 105 e liderou esse ranking. O que significa isso? Mais agrupado, com linhas adiantadas e roubando a bola no ataque, o Brasil corre menos até o gol adversário. E também corre menos para trás, no encalço desse adversário.
Lucas Paquetá, um dos beneficiados por essa ideia, admite que há um pacto entre os jogadores de frente, para que todos se engajem na marcação. Meia-atacante de origem, já atuou pelo lado e, do começo deste ano para cá, como segundo do meio. Há um outro ponto ressaltado por Paquetá. Tite adota um jogo posicional, ou seja, com os jogadores ocupando determinado espaço do campo. A ordem para Paquetá, por exemplo, é evitar buscar o jogo.
— O Tite sempre pede que espere, nas entrelinhas do adversário, para receber a bola. Ela vai chegar dos pés do Marquinhos, do Thiago, do Casemiro — revelou o meio-campista.
A mais rica observação feita depois do jogo contra a Coreia do Sul veio, justamente, do técnico da Coreia. Paulo Bento passou pela zona mista e atendeu a jornalistas portugueses e brasileiros. Questionado sobre o Brasil que acabava de enfrentar, se disse impressionado:
— Vocês sempre tiveram jogadores de qualidade técnica diferenciada. Isso é histórico. Mas agora vejo essa Seleção com uma organização tática impressionante.
Em seguida, Paulo Bento foi perguntado se o Brasil, contra seleções de maior quilate, poderia jogar com esse quinteto. O português sorriu e saiu pela tangente:
— Isso é com o professor Tite, eu estou indo embora.
Pelo que se viu aqui no Catar, a aposta de Tite será mesmo com o quinteto. Afinal, ele montou uma Seleção que marca jogando e joga marcando. O que vem funcionando.