No metrô, no transporte de aplicativo, nas ruas. No Catar só se fala no Marrocos. As pessoas querem saber se pode acontecer de novo. Se Davi vencerá Golias mais uma vez. Se a magia se repetirá. O rei Tamim bin Hamad Al Thani pegou a bandeira marroquina após a vitória sobre a Espanha, chamou a família real e nela se abraçou, em pé, no camarote. A realeza saudita e dos Emirados Árabes estavam com ele no espaço VVip. Todos aplaudiram. Era a senha: o mundo árabe contra o Ocidente.
Então Lloris tem razão. Antes da final contra a Croácia, em 2018, na Rússia, fui à entrevista dele. Ele falou em foco. “Partidas assim se decidem na atenção total. O mais atento tem mais chances”, disse o goleiro francês. Só que você lembra do jogo? Estava 4 a 1. Aí ele dá uma entregada. A Croácia desconta. A França esteve perto de levar o terceiro, o que incendiaria a final. Então, olho em Lloris, que nesta terça-feira de novo falou em foco.
Mas na semifinal entre França e Marrocos, a atmosfera será como em nenhum outro jogo nesta Copa. Isso porque, além dos árabes de vários países, o mundo torcerá pelo mais fraco. Em tese, os campeões mundiais não estão nem aí para isso. Aqui no Catar, os franceses têm se comportado com a frieza que só a confiança no próprio taco proporciona.
Os imigrantes que fazem este país, sobretudo os indianos, amam o futebol brasileiro e o argentino, especialmente os do Sul, de um estado chamado Kerala, de vasto litoral, perto do Sri Lanka. Eles não vão aos jogos, claro. Não têm dinheiro. Mas ajudam a montar o ambiente pró-Marrocos. Com Brasil fora e quando não houver Argentina, eles engrossam o caldo marroquino. O enredo é único.
Marrocos eliminou Espanha e Portugal, dois países que colonizaram quase tudo. Com a França, então, nem se fala. São séculos de guerra. No começo do século passado, o Reino Unido concedeu à França o domínio de Marrocos. O sultão havia contraído uma grande dívida. Em troca, a França concordou que o Reino Unido governasse o Egito. Só depois da Segunda Guerra é que os franceses concordaram com a independência da colônia.
Sim, França x Marrocos será um jogo com atmosfera única nesta Copa. A mais interessante, sem dúvida. No Marrocos, o francês e o árabe são idiomas oficiais, mas a religião muçulmana tornou-se traço da identidade nacional. Como reagirá Mbappé e sua realeza de Luís XIV em um estádio árabe sedento por redenção? É fascinante.