O mundo desembarcou em Doha. Faltando poucas horas para o começo da Copa, cores, idiomas, cultura, trajes e diferentes graduações de entusiasmo ocupam as avenidas largas de asfalto irretocável da cidade e, enfim, criam a atmosfera de Mundial nas margens do Golfo Pérsico. Por mais de uma década, o Catar se preparou para esse dia. Ele, enfim, chegou e colocou um misto de sorriso e estupefação nos rostos dos locais.
Bastam alguns minutos em Doha para perceber que o Catar planejou nos mínimos detalhes esta Copa. Afinal, ela é seu cartão de apresentação ao mundo em seu plano de se tornar o grande centro de negócios do Oriente Médio e endereço de escritórios multinacionais.
O Catar é um país construído para este domingo (20). Novinho em folha. Suas avenidas de cinco, seis, sete pistas são de um asfalto preto e tão novo que mais parece tapete. Os prédios de arquitetura arrojada de West Bay também foram erguidos a partir de 2010, quando a Copa foi anunciada aqui. O Aeroporto Hamad cheira a novo. Tudo em alto padrão, por trás de sua fachada de vidro e o teto ondulado. Não foi sem razão que acabou eleito pelo segundo ano consecutivo como o melhor aeroporto do mundo.
Aliás, os catares parecem pensar tudo nesse sentido de ser o melhor ou o mais vultoso. Nada é sem brilho, luz ou economiza espaço. Um contrassenso, afinal se trata de uma península com apenas 11 mil quilômetros quadrados, pouco mais do que o tamanho da Região Metropolitana de Porto Alegre. As avenidas são largas, os prédios são espigões cheios de curvas inesperadas. Tudo sempre bem iluminado. No breu, ninguém fica nas áreas mais centrais.
Ao se aproximar de Doha, ainda no avião, já se nota que ali há um país recém-construído. O The Pearl, o bairro em forma de um colar de pérolas dentro do mar, foi pensado em 2012 justamente para dar aos visitantes a ideia de opulência. O bairro, cujos setores remetem a tempos dourados de países ocidentais, é tratado como o marco do novo Catar. Há prédios modernos misturados em réplicas como a dos canais de Veneza ou as ruas de Paris. Um tanto kitsch, é verdade, como são as luzes coloridas. Mas, vamos combinar, o que não é kitsch na vida de nvos ricos? Vale para pessoas, vale para país também.
Lá do alto também se identifica rapidamente alguns dos novos estádios. O Lusail, coração de uma cidade erguida do zero, é um deles. Próximo dele, lugar da abertura e da final da Copa, há uma vastidão de areia do deserto singrada por estradas recém-feitas. O preto do asfalto contrasta com a areia. Na beira do mar, próximo da baía de Doha, também se identifica o 974, o estádio estilo Lego, feito de contêineres. No caminho do aeroporto até West Bay emerge o Al Thumana, cuja estrutura é encapada por uma tela entrelaçada inspirada na gahfiya, tecido com o qual é confeccionado um chapéu usado pelos adolescentes e também pelos adultos, para ajudar a manter a ghutra — o lenço aquele — no lugar.
Portanto, é sem economizar nem usar de discrição que os catares esperaram o mundo para a Copa. Mesmo que eles tenham se assombrado com a chegada barulhenta dos brasileiros, cantando a pleno e batucando como se estivessem em Copacabana. Ou tenham se impressionado com os sombreros brilhantes de lantejoulas dos mexicanos. Ou ainda olhado com surpresa quando o som avisando a hora da oração tenha sido abafado pelo cântico dos uruguaios: "Soy celeste, celeeeesteeee". O mundo, afinal, havia desembarcado em Doha. E os catares esperaram por mais de uma década por isso. Tudo tem um preço. Uma Copa, uma invasão de torcida, uma mistura de cores, vozes e culturas. Assim serão os próximos 30 dias.