Hoje tem de novo. Na sobremesa. Hoje tem Brasil, quem sabe já entrando a tarde classificado para a próxima fase da Copa do Mundo. Uma vitória sobre a Suíça, eficiente e precisa como é tudo no seu país, nos coloca nas oitavas com apenas 180 minutos de jogo. Será noite aqui no Catar, já na hora da quinta e última oração do dia, a salat-ul-isha.
Quem sabe quando alto-falantes das mesqutas rasgarem silêncio com Azan, o chamamento para as cinco orações, já estejamos tranquilos e comemorando a classificação antecipada. Aliás, comemorar é o que os brasileiros mais tem feito aqui sob o sol de Doha, Mesmo com cerveja controlada, mesmo com regras rígidas a serem seguidas, mesmo com um clima de Copa diferente, há uma empolgação juvenil com a Seleção. E da Seleção. Não é para menos.
Esta Copa aqui no Catar está servindo como cenário para a passagem de bastão no futebol mundial no contexto de seleções. Saem de cena depois dela Cristiano Ronaldo, Messi, Modric, Mandzukic, Kane, talvez, e, possivelmente, Neymar. Os herdeiros já estão aqui. Mbappe, o principal deles. Mas há uma lista de outros guris prontos para preencher o vazio existencial que esses astros deixarão.
Não estou dizendo aqui que eles serão ETs como Messi e Cristiano. Mas que eles poderão se adonar do espaço midiático deles, disso não tenho dúvida. E aqui reside a euforia juvenil que agita os brasileiros: boa parte deles são nossos. Vamos lá: Vini Jr., Rodrygo, Anthony e Martinelli são sub-22. Além deles, ainda temos Raphinha, Paquetá, Richarlison, Pedro e Gabriel Jesus, todos com 25 anos.
A tranquilidade de Tite nesses primeiros dias no Catar vem, e muito, dessa safra que ele soube colher neste último ciclo de Copa. A prova está na calma reinante no ambiente da Seleção apesar da perda de Neymar. Fosse em 2018, seria terremoto no vestiário. Como foi em 2014, com saldo negativo até hoje.
Porém, a fartura de alternativas do meio para a frente faz com que Tite durma tranquilo na sua suíte luxuosa do Westin Doha, na região central da cidade. Não há Neymar, e ele faz muita falta. Em compensação, há Paquetá, o múltiplo, para jogar ali.
Paquetá ficou sem treinar nos últimos dois dias, por causa de uma gripe que todos vão pegar aqui no Catar, afinal se vai do frio polar ao calor desértico apenas com o abrir de uma porta. Só que nem mesmo o susto de ficar sem Paquetá também abala. Isso porque há Rodrygo.
Aos 21 anos, Rodrygo é o xodozinho de Tite nesta Seleção. Joga pelos dois lados e ainda atua pela faixa central. Sempre bem. Há quem cogite de que seja a joia do Real Madrid o substituto de Neymar, como foi no segundo tempo contra a Croácia.
Assim, Fred ficaria de fora, e Paquetá seguiria como segundo do meio. Aliás, Rodrigo só virou alternativa para o meio porque, nas pontas, há uma fila de dribladores, com Raphinha e Anthony, pela direita, e Vini e Martinelli, esse o caçula do grupo, pela esquerda. São tantas alternativas que até o próprio Tite se embaralha ao citar todos.
Na entrevista concedida no IBC, instalado no gigantesco Qatar Nacional Convention Center, o técnico recorreu aos universitários na hora de mencionar nova geração. Ele falava do talento, aquela ferramenta que poucos têm e só aparece em momentos específicos de um jogo:
— Está surgindo uma geração que é impressionante. Que eles tenham calma e serenidade para fazer as coisas com toda essa pressão que sofrerão. O talento vai aparecer numa finta do Anthony, assistência ou na velocidade do Vini, na hora de finalizar do Richarlison, em um cabeceio do Pedro ou no Gabriel Jesus, que iria fazer um golaço na estreia. Aparecerá desses jogadores, eles têm essa capacidade criativa. Ou do Raphinha, no chute de média distância.
Em seguida, o técnico parou e pediu auxílio a César Sampaio.
— Me ajuda quem mais aí?
— O Rodrygo - socorreu o auxiliar
— O Rodrygo corre com a bola colada no pé, vai reprogramando os movimentos conforme vai correndo com ela — observou o técnico.
— O próprio Martinelli, a gente tem muitas opções. O Neymar é o protagonista, mas a gente conta com outros nomes. É como em um filme, alguém rouba a cena. Temos jogadores no setor ofensivo que podem ser protagonistas — completou César Sampaio.
Mais do que roubar a cena, a gurizada transformou o ambiente da Seleção. Há uma leveza que quem acompanhou a campanha da Rússia percebe. Ela era menor lá em 2018. Passa pela maturidade de Tite, pela rodagem de alguns jogadores, como Alisson, Marquinhos e Casemiro. Mas passa, principalmente, pela alegria dessa gurizada.
Anthony e Rodrygo são os mais despachados. Estão sempre no meio das brincadeiras. Raphinha virou parceiro de Neymar. Paquetá é próximo deles, mas também está sempre muito colado em Vini Jr., parceiro dos tempos de Flamengo. Martinelli, recém-chegado, tem afinidade com Jesus, do dia a dia do Arsenal. Como é o mais novo, relata que tem alguns sacrifícios. Como, por exemplo, ser sempre o primeiro na roda de bobo.
A única certeza na rotina da Seleção em Doha é de que tudo acaba em pagode. Sempre acaba em música, no ritmo mais brasileiro, com tantan, pandeiro e uma alegria contagiante. É essa alegria que se espera neste começo de noite aqui no deserto.
Não há o brilho de Neymar, mas há o sorriso de Vini, a irreverência de Richarlison, a ousadia de Rafinha, o destemor de Rodrygo, a classe de Paquetá, a agressividade de Martinelli e faro de Gabriel Jesus. Esses guris são a cara deste novo Brasil.
Um Brasil mais leve, mais ousado. Podem sonhar sem medo. Principalmente, com a sobremesa que será servida neste começo de tarde de segunda-feira.