Depois de ver a derrota da Argentina para a Arábia Saudita em uma fan fest com milhares de hinchas, resolvi correr outro risco. Assisti Brasil x Servia dentro da redação do Jornal Olé. O veículo esportivo mais importante da Argentina, e possivelmente da América do Sul, é conhecido pelo tom divertido e debochado com que trata o futebol. Principalmente sobre os brasileiros.
Antes de descrever a experiência, porém, vou reconhecer: sou fã do trabalho deles. Rivalidade à parte, admito que eles são donos de ideias que me deixam tipo: "como não pensei nisso antes?". Uma das vezes foi sobre a chamada que fizeram para Brasil x Inglaterra em 2002, com o título Que percam os dois.
Ressalvas feitas, conto o que vi na redação deles. O prédio é grande como o da RBS, e tal qual o conjunto das avenidas Ipiranga e Erico Veríssimo, também abriga outros veículos. No caso, todos os que pertencem ao grupo Clarín. Ao Olé são reservados três andares de um pedaço do prédio. Atualmente, o espaço dá e sobra.
Desde o começo da pandemia, foi permitido que os jornalistas trabalhem de casa, e assim havia não mais do que 15 pessoas no ambiente que pode comportar os 40 funcionários do caderno esportivo. Nove TVs ornam as paredes de três lados da sala, enquanto uma enorme bandeira da Argentina cobre o outro.
Todos viraram para a parede onde está o maior dos aparelhos quando Brasil e Servia entraram em campo. Ouviram o hino, alguns murmuraram palavras inaudíveis. Mas quando a bola rolou, o interesse ficou reduzido. No máximo algumas olhadas quando o narrador da TyC Sports alçava a voz. A preocupação maior parecia ser com o horário do fechamento do jornal.
Antes de Vini. Jr ser lançado e desarmado pelo goleiro na hora em que faria o gol, o momento de maior tensão — para eles e para mim — foi quando um correspondente do Olé no Catar enviou um vídeo com brasileiros gritando: "México! México!", em uma brincadeira com o próximo adversário argentino na Copa. Me olharam esperando alguma reação. Disfarcei e ri constrangido. Mas eles também, então tudo certo.
O apito do intervalo foi a senha para afundarem de vez os rostos nos monitores. Editores recebiam os materiais produzidos pelos nove enviados ao Mundial, demais repórteres tratavam de concluir suas tarefas.
Quando Raphinha perdeu a chance claríssima no início do segundo tempo, o repórter Juan Pablo Méndez me disse:
— Poderia ter definido o jogo. É muito difícil virar um placar contra o Brasil. Quando sai na frente, ganha.
A paulada de Alex Sandro que encontrou a trave de Vanja voltou a dar atenção ao jogo. A pressão do time de Tite dava a impressão de que o gol sairia a qualquer momento.
E quando Neymar pegou a bola e começou a sequência de dribles, todos estavam com os olhos na TV. Vini chutou, o goleiro rebateu e Richarlison guardou. Eu me controlei, eles, um pouco menos. Um misto de "gol" com um jeitinho de insatisfação e constatação foi o som.
Depois, teve uma tentativa de não perder as esperanças quando a Sérvia teve uns ataques. Mas, quando o centroavante fez a obra prima do segundo gol, o reconhecimento veio.
— Que golaço! — exclamou Juan.
Alguém (não consegui identificar quem) quis esfriar:
— Calma, vai ter VAR. Acho que bateu na mão.
O replay mostrou tudo. O golaço foi o sinal definitivo de que era hora de montar as páginas e preparar as chamadas.
Eles pareceram secar menos do que nós. Ou se conformaram com a boa atuação brasileira ou estão preocupados mesmo é com o México no sábado. Ou mantiveram a discrição de uma redação.
Mas no site já havia o reconhecimento: "Brasil como Brasil". O folclore terá de ficar para outro dia.