O Brasil estava sofrendo uma derrota histórica para a Venezuela, em Caracas, quando Tite chamou do banco de reservas um jogador pouco conhecido do grande público. Com a camisa 17, Raphinha entrou na vaga de Éverton Ribeiro, ainda no intervalo, e mudou o rumo da partida, participando dos três gols que decretaram a virada por 3 a 1, mantendo a Seleção com 100% de aproveitamento nas Eliminatórias.
Prestes a completar 25 anos de idade, em dezembro, o atacante canhoto do Leeds United foi um dos atletas que, na última convocação, não puderam deixar a Inglaterra, barrados por seus clubes. Porém, desistir não é uma opção na vida de Raphael Dias Belloli.
— Eu o conheço desde a infância. Conheço a família toda. O pai dele é da minha geração, jogamos futebol juntos e corremos nas ruas da Restinga. Isso é o retrato do Brasil. O futebol é uma grande oportunidade para as favelas e periferias. Infelizmente, ele teve de levar todo um tempo fora para depois ser valorizado. Às vezes as coisas estão próximas da gente e não conseguimos enxergar — conta Tinga, ex-volante da dupla Gre-Nal.
Natural de Porto Alegre, cria da Restinga, o menino começou a jogar no projeto social intitulado Udinese Futebol Clube, no bairro do extremo sul da Capital. Dali, tentou a sorte no Grêmio, tentando seguir os passos de seu grande ídolo Ronaldinho, mas também no Inter, clube do coração de seu pai, que é músico de uma banda de pagode. Foi reprovado em ambos.
— Sou do Sul e sei como as coisas funcionam. Lá, para você vingar, tem de ser forte e grande. Muitos treinadores têm preconceito. Acham que futebol é vigor físico, porrada e com isso os moleques maiores têm mais oportunidades. Ele sempre foi mirradinho, mas era tinhoso. Com nove anos, já jogava contra meninos de 13, 14. E, se deixasse dominar, ele passava mesmo. Só paravam com falta—disse Clayton Padilha, em entrevista ao jornal Estadão, um velho amigo da família que foi ao socorro do garoto de nove anos que acabara de ser cortado de uma peneira na escolinha tricolor sob a alegação de ser "mirradinho".
Foi indicado ao Porto Alegre, clube da família Assis Moreira. Passou o primeiro ano só treinando. No segundo, o clube fechou a base. A partir daí, rodou pela várzea: Sport Sul, da Zona Sul, Academia do Morro, da Vila Maria da Conceição, e E.C 2014, de Viamão. Visto por um agente, foi parar no Audax, de São Paulo, até o seu fechamento ao final daquela temporada. Acabaria no Imbituba, de Santa Catarina. Foi quando despertou o interesse do Avaí.
Em Florianópolis, chegou a ser relacionado pelo técnico Gilson Kleina para uma partida pelo Brasileirão de 2015, mas permaneceu no banco de reservas. Quando desceu para disputar competições de base, chamou a atenção de Deco, que decidiu agenciá-lo. Pelas mãos do ex-meia, foi levado para Portugal, onde defendeu o Vitória de Guimarães. Dali, saltou para o Sporting Lisboa, então comandado por Jorge Jesus.
A ascensão em terras lusitanas ganhou maiores proporções com o título da Liga 2018-2019, culminando no interesse do Rennes. Foi somente uma temporada na França, quando acabou contratado pelo Leeds United, a pedido do técnico argentino Marcelo Bielsa, em uma transação avaliada em 17 milhões de libras (R$ 123 milhões pela cotação da época).
— Ele não baixou a cabeça diante do comentário infeliz do tal treinador quando era criança. Lembro que estava muito triste, com os olhos cheios d'água. O que fiz foi pedir para não mudar a sua essência. A persistência falou mais alto. Não chegou onde está por acaso — conclui Clayton.