Não é raro presenciarmos comportamentos exacerbados de euforia quando se trata de Copa do Mundo, ou qualquer outro tipo de evento de igual magnitude. Vivemos esse clima no Brasil em 2014 e estamos assistindo na Rússia, quatro anos mais tarde. Ora, é época de alegria entre nações entorno de uma paixão: o futebol. Entretanto, infelizmente, também não são raras as cenas que geraram indignação. E foi justamente o que acontece no último sábado, dia 16 de junho, no terceiro de Mundial, envolvendo um grupo de brasileiros e gerou revolta em todo o país.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, uma estrangeira, que visivelmente não compreende o português, é vítima de assédio. A jovem, ainda não foi identificada, mas especula-se que seja russa, é cercada por brasileiros e incentivada a repetir ofensas obscenas. Porém, para especialistas, o episódio em solo russo nada mais é do que um retrato cultural brasileiro.
Para o professor do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da PUC-RS, Angelo Brandelli Costa, o ambiente esportivo é culturalmente preconceituoso no Brasil. Atitude que pode ser percebida melhor no Exterior.
— Não é uma novidade que ambientes esportivos sejam discriminatórios no Brasil. Para nós, infelizmente, já é natural e não causa estranhamento. Mas quando essas atitudes acontecem lá fora, toma a proporção que deveria ter aqui — declarou.
Sobre se tratar de pessoas que possuem um nível de escolaridade diferenciado, o professor ressalta que o episódio é um retrato de falta de informação sobre assuntos de cunho discriminatório.
— A educação formal não tem relação especifica, pelo contrário. O Brasil vive um paradoxo. É um país onde não podemos falar sobre gênero nas escolas, por exemplo. É uma questão universal, mas também um alerta cultural. No Brasil não é uma surpresa, já que não se fala de preconceitos em sala de aula — finalizou.
Para o psicanalista Robson de Freitas Pereira, da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, eventos do tamanho de uma Copa do Mundo "de uma maneira geral sempre propiciam o nosso melhor e o nosso pior". O tamanho da proporção do episódio se deu "pela vergonha de serem brasileiros".
— Do ponto de vista da psicanálise, o que esses cidadãos brasileiros fizeram foi expressar o comportamento de massa que nós idealmente gostaríamos que já estivesse ultrapassado na nossa cultura, mas não estão. Ao contrario, o que acontece é mais comum — afirmou.
Para o psicanalista, o momento político e econômico que o Brasil vive também pode de certa maneira incentivar atitudes desproporcionais fora do país.
— O que provavelmente possa facilitar esse tipo de episódio é que vivemos incertezas, tanto com a lei e quanto ao nosso futuro. Isso faz com que as pessoas tenham mais "força" e essa percepção de impunidade — finalizou.
Os brasileiros identificados
Desde que o vídeo foi compartilhado nas redes sociais, dois dos brasileiros envolvidos no episódio foram identificados: um policial militar de Lages-SC e um advogado ex-secretário de Turismo de Ipojuca-PE.
Eduardo Nunes
A identidade do tenente da Polícia Militar de Lages, em Santa Catarina, foi confirmada pela comunicação da PM do Estado. Ele está de férias em solo russo e aparece nas imagens de camiseta branca, logo atrás da estrangeira.
Em nota, a Polícia Militar de Santa Catarina diz que, assim que o policial retornar ao batalhão um processo administrativo será aberto para apurar sua atitude e definir quais medidas serão tomadas.
O comando da PM também classificou o episódio como lamentável e informou que não corrobora com este tipo de atitude que é incompatível com a profissão.
Diego Valença Jatobá
O advogado é ex-secretário de turismo da cidade de Ipojuca, região metropolitana de Recife, em 2013. Na época, ele era filiado ao PSB durante a gestão de Pedro Serafim (PDT). Neste mesmo ano, Diego foi afastado do cargo após postar nas redes sociais um foto segurando várias cédulas de 100 dólares.
Diante das cenas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) declarou que abrirá um processo de investigação no tribunal de ética e disciplina da entidade contra o advogado. Se constatada a má conduta, o advogado deverá ser excluído do quadro da ordem.