O torcedor do Corinthians Rogério Lemes, 44 anos, foi retirado pela Polícia Militar das arquibancadas do Itaquerão, neste domingo (4), durante o clássico contra o Palmeiras. Durante a execução do hino nacional, antes de o jogo começar, ele gritou por mais de uma vez "ei, Bolsonaro, vai tomar no c..." e foi abordado pelos policiais na arquibancada do estádio.
A assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública (SSP) do estado de São Paulo disse, em nota à imprensa, que "não houve prisão, mas a condução dele ao posto do Juizado Especial Criminal (Jecrim), onde foi registrado boletim de ocorrência não criminal e depois liberado para voltar a assistir à partida de futebol".
Lemes disse à reportagem que pôde voltar a arquibancada 10 minutos antes do final do partida — o empate de 1 a 1 entre Corinthians e Palmeiras — terminar.
"A conduta adotada para preservar a integridade física do torcedor, que proferia palavras contra o presidente da República, o que causou animosidade com outros torcedores, com potencial de gerar tumulto e violência generalizada", disse a nota da SSP.
O órgão também afirmou, na nota, que não pauta suas ações por orientações políticas. "Entre as atribuições da Polícia Militar estão: proteger pessoas, fazer cumprir as leis, combater o crime e preservar a ordem pública."
Lemes diz que agentes do Batalhão de Choque da Polícia Militar o agrediram na condução ao posto do Jecrim. Ele disse que que foi levado por dois militares para uma sala reservada e sofreu chutes e um mata-leão.
No boletim de ocorrência, a delegada Monia Olga Neubern Pescarmona não cita agressão e diz "que o declarante Rogério estava no setor das cadeiras quando, em dado momento, expressou opinião política gritando palavras contra o atual Presidente Jair Messias Bolsonaro. Informa que foi abordado por policiais militares, os quais para evitar um tumulto o conduziram para esta delegacia."
Lemes não registrou a sua versão sobre a suposta agressão em uma delegacia. Ele alega que teme represálias.
— Fui humilhado, algemado e um policial me deu um mata-leão. Quando me derrubaram, eu uso prótese após ter necrose na cabeça do fêmur, pedi para me levantarem e gritaram comigo: "você não é bom? Agora se vira". Ainda estou com corpo dolorido, um pegou o meu dedo e começou a torcer — disse Lemes à reportagem.
O corintiano conta também que teve o celular apreendido e vasculhado pelos policiais. O aparelho, segundo ele, foi devolvido.
— Eu perguntei para a delegada qual o crime havia cometido, eu apenas expressei meu protesto político. Ela me respondeu que ali (no estádio) não é lugar para isso — afirmou o torcedor.
Palmeirense, Bolsonaro esteve no Allianz Parque no sábado (27), no empate com o Vasco por 1 a 1. Foi o último jogo do Palmeiras pelo Brasileiro antes de visitar o rival Corinthians. Ele também participou da festa palmeirense na conquista do título nacional de 2018.
Antes do jogo deste domingo, Bolsonaro brincou com o resultado da partida.
"Não teremos feijoada hoje à noite. A porcada vai tá feliz hoje à noite, tenho certeza disso. Se der o contrário, é bom não zoar, senão posso pegar o Itaquerão pra nós. Falou? É brincadeira", disse Bolsonaro ao deixar o Palácio do Alvorada pela manhã.
Neste ano, a Folha de S.Paulo noticiou que manifestações políticas em estádios estavam na mira dos policiais. Em março, na vitória do Sport por 4 a 0 sobre o Petrolina, no dia 24, integrantes da torcida Antifascista estenderam faixa em protesto à reforma da Previdência com a seguinte frase "Torcedor/a é trabalhador/a e também quer se aposentar". A faixa foi retirada pelo Batalhão de Choque.
O Estatuto de Defesa do Torcedor, que rege o comportamento do público nos estádios do Brasil, não é claro sobre protestos políticos. O artigo 13 veta ao público "entoar cânticos discriminatórios, racistas o xenófobos". A Fifa é bem rigorosa e contra manifestações políticas nos estádios. A entidade determina que os clubes "mantenham-se politicamente neutros" e consideram protestos passíveis de punição.
A professora de Escola de Direito do Brasil e doutora em Direito Político e Econômico, Mônica Sapucaia Machado, lembrou que o direito à livre expressão é garantido pela Constituição e que o pode acontecer àquele que se expressa é, por exemplo, responder por calúnia ou difamação.
— Ele não deveria ter sido detido, nem questionado (pela polícia). Quem deveria questioná-lo é quem teria sido ofendido. Nesse caso, o presidente, por meio da Advocacia Geral da União — disse Machado, entendendo que não há base aparente para a justificativa policial de evitar algum tipo de tumulto.
— De forma nenhuma, até porque é crime formal, você pode ser agredido pelo exercício da sua palavra — explicou Machado à reportagem. Ela atenta ainda para um "escalonamento desse comportamento estatal" e lembra a abertura da Rio-2016, quando a então presidente Dilma Rousseff foi vaiada pelas arquibancadas, mas nada foi feito contra quem a vaiava.
Bolsonaro já foi vaiado e elogiado em partidas de futebol à qual esteve presente em 2019, como na final da Copa América — na ocasião, o porta-voz da presidência, Otávio Rêgo Barros, disse que as vaias são um direito do cidadão.