Fala-se muito de competências socioemocionais e o quanto elas serão cada vez mais exigidas dos profissionais. Mas nada disto fará sentido se não houver uma contribuição da escola, por meio de um amplo projeto pedagógico. Trata-se da educação integral, que busca contemplar a formação tradicional com o desenvolvimento dessas habilidades.
A fim de agregar mais horas de estudo e atividades diversas, algumas instituições adotam o turno integral (quando tudo é trabalhado de forma conjunta) ou o contraturno (período inverso ao das aulas regulares, com atividades complementares). Isso ocorre porque o estudante precisa desenvolver aspectos cognitivos, sociais e emocionais durante a permanência na escola.
Quanto mais tempo tiver para viver uma diversidade de experiências naquele espaço, exercitando o convívio social, as relações interpessoais e a resolução de problemas, mais articulada será essa educação.
Ao contrário da maioria dos países, o Brasil não tem tradição no ensino de turno integral. Segundo a gerente de Educação do Sesi-RS, Sônia Bier, no resto do mundo os jovens estudam em torno de seis ou sete horas diárias. Aqui, são quatro horas.
— A escola em turno integral não é, necessariamente, uma escola de educação integral: pode trabalhar apenas a preparação para um exame, sem cuidar dos outros aspectos, por exemplo. Mas pode ser, sim, uma escola que dá tempo para que o aluno experimente diferentes situações e possa articular os diferentes aspectos da vida — defende.
Já o contraturno não prevê a articulação entre todos os aspectos. Em geral, oferece práticas diversificadas, como esportes, música e tecnologia, em horários separados das disciplinas clássicas, como português, matemática e geografia. A composição fica dividida entre um momento mais puxado pelas questões cognitivas e outro dedicado às sensíveis e sociais.
Para Sônia Bier, oportunizar que o aluno desenvolva todos esses aspectos, orientado por profissionais que estudaram para isso, cria uma condição melhor para que ele se autoconheça e experimente coisas novas. Ela lembra que, há algumas décadas, o tempo que não se estava na escola era dedicado a assistir televisão, brincar na rua ou mesmo trabalhar.
— Nenhum desses momentos oportunizava aos alunos conhecer museus, ter experiências, tocar possibilidades de realização de projetos. Estava todo mundo ligado a uma realidade muito restrita. A solução que muitas instituições encontram é um híbrido entre contraturno e tempo integral. Com um vasto cardápio de atividades complementares, elas conseguem oferecer uma formação ampla, mas de forma flexível para as famílias.
Os momentos, no entanto, geralmente não estão combinados com as disciplinas convencionais.
— O Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre, tem o que chama de turno integral, em função da permanência estendida na escola. No entanto, cada estudante pode escolher se vai optar por mais tempo de atividades e quais oficinas vai frequentar. Judô, desenho, lettering, guitarra, teclado, futsal e ginástica são algumas das opções. Todas as aulas são ministradas por professores contratados pela própria instituição — acrescenta Sônia.
Os estudantes Júlio Espinel, nove anos, e Gunther de Moraes, 11, são um exemplo. Estudam em séries e turmas distintas pela manhã e, duas vezes por semana, praticam judô no turno da tarde.
Já Cecília Selhorst, 12 anos, optou pela oficina de desenho e lettering, pois sempre teve interesse por artes. Ao lado da colega Rafaela Mai Murakami Moreira, 12 anos, ela desenvolve recursos para retratar proporções e movimentos em suas obras, além de outras técnicas.
A mãe de Cecília, Camila, se diz bastante satisfeita porque, além do conteúdo teórico obrigatório, a escola da filha se preocupa em formar cidadãos conscientes.
— Ficamos tranquilos sabendo que ela está em um ambiente seguro. Uma vez por semana, ainda almoça com o irmão mais novo, que está no contraturno, sem a presença dos pais ou avós, desenvolvendo autonomia e liberdade de escolha com responsabilidade.
Oportunidades ampliadas
A gerente de Educação do Sesi-RS, Sônia Bier, traz uma reflexão prática sobre a adoção de contraturno e turno integral.
— A escola integral tem a vantagem de ampliar as oportunidades dos alunos de viverem situações de aprendizagem mais completas e mais orientadas. E, com isto, ampliam e mantêm a vontade de continuar aprendendo — aponta.
Um caso prático está em Viamão. Atendendo a 470 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental até o 3º do Ensino Médio, a Escola Estadual Setembrina trabalha apenas com turno integral. As aulas começam às 7h45min e vão até as 16h45min, em nove períodos diários. Para dar conta, os estudantes recebem quatro refeições: café da manhã às 7h20min, lanche às 9h, almoço ao meio-dia e outro lanche às 15h.
O diretor da escola, Ednilson José Roesler, conta que a Formação Geral Básica (FGB) e a formação diversificada funcionam concomitantemente, não sendo separadas por turnos. Inclusive, o mesmo professor que trabalha a FGB é responsável pelas atividades eletivas ou complementares.
— Como eles transitam nas duas, essa integração é mais fácil. Uma atividade começa centrada na FGB e a diversificada ajuda a aprimorar, dar uma nova cara àquele conteúdo — observa.
O desenvolvimento dos conteúdos e das habilidades socioemocionais se dá por meio de atividades como a multifeira, voltada às ciências da natureza e à matemática; o projeto “Brasil, Mostra Tua Cara”, em que os estudantes expressam por meio da música a riqueza cultural do país; e um teatro, na área de linguagens, no fim do ano. O tema central escolhido para este ano foi a inclusão.
Roesler vê com otimismo os resultados alcançados a cada ano. Segundo ele, a maioria dos estudantes dá continuidade nos estudos, ingressando em universidades públicas ou privadas.
Duas opções
Nas escolas de Ensino Médio do Sesi-RS há turno integral e atividades de contraturno para estudantes de sete a 14 anos. O currículo das escolas inclui as formações cognitiva, social e emocional, desenvolvendo o que prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com competências que vão ajudar a empreender, trabalhar ou ir para a faculdade.
Além dos conteúdos curriculares, os estudantes participam de aulas de música, robótica e uma série de projetos que levam em conta as necessidades dos alunos, para que deem prosseguimento em seus projetos de vida.
O contraturno, por sua vez, atende a alunos da rede pública que têm aula regular pela manhã e os pais querem matricular no turno inverso. A estes, a equipe do Sesi-RS dedica o desenvolvimento de competências importantes e que, muitas vezes, a escola não consegue dar muito espaço.
Entenda o que muda
Embora turno integral e contraturno representem passar mais tempo na escola, fundamentalmente há diferenças. Há, ainda, a educação integral. Conheça as particularidades:
- Turno integral: todas as atividades fazem parte do mesmo currículo, sendo trabalhadas de forma integrada para desenvolver, à luz das mesmas temáticas, tanto as competências cognitivas quanto as socioemocionais.
- Contraturno: durante o turno inverso ao das aulas regulares, os estudantes participam de atividades complementares que, como o nome sugere, agregam outras competências àquelas já trabalhadas nas aulas regulares. Normalmente, são oportunidades para desenvolver principalmente as habilidades socioemocionais – como liderança, relacionamento interpessoal e resiliência, por exemplo.
- Educação integral: muitas vezes esse conceito causa confusão, por ter um nome muito parecido. A educação integral pressupõe que a tríade cognitivo, social e emocional será desenvolvida ao longo da formação do estudante – mas isso nem sempre é garantido, mesmo em escolas de turno integral.
*Produção: Padrinho Conteúdo