Uma iniciativa em uma escola no Morro da Cruz, comunidade na zona leste de Porto Alegre, busca formar e mudar a trajetória de jovens por meio da música. Sons do Morro é o nome do projeto que, desde 2015, serve de exemplo para mostrar como a educação musical pode ser uma poderosa ferramenta de transformação social.
O grupo de música da Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Judith Macedo de Araújo é coordenado pela professora Michelle Cavalcanti e deu seus primeiros passos em 2014, quando surgiram ideias em relação a atividades envolvendo musicalidade na instituição.
No ano seguinte, a escola passou a oferecer oficialmente a atividade educativa e cultural, buscando ampliar o tempo de permanência dos alunos. Com o passar do tempo, o Sons foi ficando mais conhecido na rede municipal de ensino, até conseguir uma carga horária própria para o projeto.
Aprendizado
Realizado no turno inverso, o projeto, que conta com quase 60 alunos, tem encontros diários, nos quais os jovens têm contato direto com instrumentos musicais e buscam, por meio de dinâmicas e estudos, criar conhecimento e habilidades na música, promovendo várias trocas entre os estudantes.
— A gente parte daquele princípio de que o aluno não aprende somente com o professor, mas também com o colega que está ao lado, que está há mais tempo no projeto. Acaba sendo muito bonito esse movimento, essa troca de ideias — conta a professora.
O nome surgiu em 2017, inspirado pela criação da música Sonhos do Morro. A escolha foi o resultado de um processo colaborativo entre todos os estudantes. Em 2018, a ideia foi adotada e o grupo passou a ser conhecido oficialmente como Sons do Morro.
Instrumentos improvisados
Quando o projeto começou, não havia instrumentos musicais à disposição. Os itens utilizados para fazer som eram, em sua maioria, improvisados.
— Nós começamos a construir instrumentos com sucata, como latas de Nescau e outros materiais — lembra Michelle.
Segundo ela, os estudantes traziam panelas velhas, pedaços de berço e outros materiais que se transformavam em itens de percussão. Com o tempo e a maior visibilidade, começaram a vir doações de violões, flautas, entre outros aparelhos. Ainda assim, não são muitos, e os estudantes precisam fazer revezamento entre os poucos equipamentos.
Pelo alto volume de estudantes, o grupo aceita doações, pois nem todos conseguem ser atendidos diretamente e, para o estudo efetivo de um instrumento, por vezes, é necessário que o ensino prático continue em casa.
Até mesmo para driblar esse obstáculo, o grupo buscou utilizar a improvisação como uma marca registrada do Sons do Morro. Canos de PVC, latas, entre outros materiais, transformaram-se em itens musicais que acompanham as apresentações.
— A gente vai se adaptando, mas é isso, né? Música é uma coisa que a gente sabe que tem muitas faces, muitas formas de fazer — completa a professora.
Concertos anuais envolvem a comunidade
O Sons do Morro não se resume apenas ao aprendizado, mas também a gerar novas experiências. Uma ideia que começou despretensiosamente em 2015 foi a de realizar, anualmente, um concerto no final do ano em um dos teatros da cidade. A primeira experiência foi no Teatro Carlos Carvalho, na Casa de Cultura Mario Quintana. O espaço logo ficou pequeno para o grupo, que recebia em peso a comunidade do Morro da Cruz.
— As pessoas se organizam e levam seus familiares para assistir ao concerto. É um evento aberto para a comunidade, que sempre nos prestigia com muito carinho — conta a professora.
A partir de 2016, o grupo começou a realizar os concertos no Teatro Renascença, localizado no Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues. Em 2022, o Sons participou da programação dos 250 anos de Porto Alegre, realizando um concerto no Mirante da Cruz, com o horizonte de Porto Alegre como cenário.
O momento foi um dos que mais marcaram os alunos, como mais uma ação de pertencimento. Recentemente, o grupo também teve a oportunidade de tocar com o rapper brasileiro MV Bill em uma apresentação que ocorreu no Mirante do Morro da Cruz, no início de abril deste ano.
Um futuro ligado às melodias
Calebe Pinto Figueira, de 20 anos, ingressou no grupo em 2015, quando o projeto dava seus primeiros passos. Desde então, participou dos concertos anuais e de diversos momentos que marcaram sua trajetória. Para ele, o Sons do Morro não apenas ensinou música, mas também abriu portas.
— Foi a partir do Morro que consegui ter uma perspectiva que não tinha antes. Além disso, foi uma família que me abraçou de forma carinhosa. Todos nós sempre nos ajudamos quando necessário — relata Calebe, que prossegue:
— Quando alguém entra no Sons do Morro e tu começa a estudar música, tudo fica diferente. Passamos a ver as coisas de frente e a pensar de outra maneira. Isso muda tanto o que está por fora quanto o que está dentro de ti.
Além de todo o aprendizado, o projeto também encaminhou Calebe para um futuro promissor. Após completar o Ensino Médio, o jovem pretende prestar o vestibular para ingressar na UFRGS ao final do ano no curso de Música:
— Meu objetivo é entrar na faculdade e seguir esse caminho, futuramente fazer mestrado. Quero continuar no estudo contínuo do violão.
Além disso, ele também pretende continuar no projeto e, quem sabe, em algum momento, lecionar no grupo.
— Muita gente não teve essa oportunidade. Então, para o meu futuro, quero me formar em música e, antes disso, continuar o trabalho do Sons. Depois de formado, quero dar aulas e poder passar o conhecimento que tive para outros jovens da comunidade — finaliza o jovem.
Você pode acompanhar o projeto através das redes sociais @gruposonsdomorro no Facebook e @sonsdomorro no Instagram. Para doações, é possível entrar em contato pelo WhatsApp: (51) 3446-5624.
*Produção: Murilo Rodrigues