Ginásios e salas de aula que até o início deste mês eram ocupados por estudantes gaúchos agora funcionam como lares temporários para pessoas afetadas pelas enchentes. Em todo o Rio Grande do Sul, há mais de 70 escolas estaduais servindo de abrigo para adultos, crianças e animais — sendo 15 somente em Porto Alegre. A Capital conta ainda com o apoio de quatro unidades de ensino municipais, além de instituições privadas, que estão mobilizadas para atender quem precisou deixar sua casa.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre, as quatro escolas de Ensino Fundamental que estão atuando como abrigo para as famílias são: Aramy Silva, Elyseu Paglioli, Jean Piaget e Grande Oriente do Rio Grande do Sul. Nesses locais, além de acolhimento e alimentação, cerca de 600 pessoas estão tendo acesso a uma equipe com mais de 50 psicólogos e assistentes sociais da Associação Brasileira de Educação, Saúde e Assistência (ABESS), que é parceira da prefeitura e responsável pelo programa Incluir + POA.
Localizada no bairro Camaquã, na zona sul da Capital, a Aramy Silva tem toda sua estrutura voltada ao acolhimento das famílias atingidas. O diretor da instituição, Celso Pessanha Machado, explica que a instituição começou a receber pessoas na madrugada de domingo (5) — um dia antes, mesmo sem saber que se tornaria um abrigo, havia realizado uma feira para arrecadação de roupas, na qual foram arrecadadas muitas peças.
— Na madrugada de sábado para domingo, me ligaram dizendo que a vila onde moram vários alunos estava cheia de água e pediram para abrir a escola. Daí começaram a mandar pessoas para cá. Passamos o domingo nessa função e nos organizamos. Não foi difícil, porque a comunidade pediu e abraçou. Somos muito unidos — destaca Machado, que também precisou deixar sua casa no bairro Cidade Baixa e está abrigado na escola.
Atualmente, há cerca de 95 pessoas instaladas no espaço, sendo 15 crianças. Grande parte delas é de Eldorado do Sul, afirma o diretor.
Logo na entrada, voluntários fazem um cadastro e apresentam o local para quem chega. Conforme Machado, ajudantes da escola e da comunidade atuam em diferentes áreas e permanecem na instituição 24 horas, fazendo um revezamento de horários.
Os alimentos são distribuídos no refeitório, onde a equipe de cozinha da escola pode atuar quando necessário — na maioria das vezes, a escola recebe doações de marmitas. O mesmo prédio conta com um espaço destinado às crianças, área para lavar e estender roupas, e salas de aula que foram transformadas em quartos para as famílias, setor de estoque de doações e posto de atendimento médico.
— Temos uma parceria longa com o posto, porque eles fazem várias ações aqui na escola. Agora, a sala de artes foi adaptada para receber o posto, porque tem pia. O médico fica aqui atendendo todos os dias e conseguimos os medicamentos — comenta o diretor.
Dois chuveiros, que antes eram utilizados pelos funcionários, estão destinados aos banhos das mulheres, enquanto os homens dividem um terceiro, que foi instalado junto ao banheiro masculino. A segunda sala de artes, que fica nos fundos da instituição, guarda colchões e roupas de cama. No pátio do prédio da Educação Infantil, onde também há pessoas abrigadas em salas de aula, foi criado um espaço destinado aos animais.
No prédio em que ficam as salas administrativas, a biblioteca foi virou uma grande loja de roupas femininas, que são separadas por tipo e tamanho. Já no auditório, ficam os sapatos e as roupas masculinas.
A professora dos anos iniciais Luciana Luzzardi, 40 anos, é uma das funcionárias da escola que atua no setor de distribuição de roupas. Moradora do Centro Histórico, ela não é somente voluntária: também está abrigada no local.
— Agora eu moro dentro do Guaíba, antes era na frente. Saí de lá no sábado e fui para a Cidade Baixa, na casa de uma amiga, mas tive que sair porque começou a inundar. Daí eu vim para cá, porque fiquei sabendo que estavam abrigando o pessoal. Vim ajudar e ser ajudada — conta Luciana, destacando que a água já estava na altura do peito quando deixou seu prédio na região central da Capital.
Ao sair de casa, a professora conseguiu pegar apenas uma muda de roupas e, com a chegada do frio, também precisou buscar um agasalho em meio às doações da escola.
Instituições privadas
Questionado pela reportagem de GZH sobre o número de instituições que estão servindo como abrigo, o Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe) informou que ainda está fazendo uma pesquisa a respeito do tema. Em Porto Alegre, algumas escolas disponibilizaram seus ginásios para o acolhimento de quem precisou sair de casa. Um exemplo é o Colégio Mãe de Deus, no bairro Tristeza, também na Zona Sul.
No ginásio do colégio, havia 116 pessoas de diferentes cidades e 25 animais abrigados até o final da manhã desta quinta-feira (9). Assim como na Escola Aramy Silva, voluntários realizam o acolhimento logo na entrada da estrutura. Colchões, cadeiras e itens pessoais ocupam a quadra, enquanto as arquibancadas servem como um grande estoque: há roupas para todas as idades, sapatos, produtos de higiene e limpeza, além de um espaço para distribuição de alimentos.
Uma sala lateral abriga o estoque de comida, enquanto outra comporta a área kids, com brinquedos e jogos para as crianças. Também há uma área de banheiros com chuveiros.
— As comidas estão vindo todas prontas. Itens de produção estamos destinando para outros lugares. Nós estamos com um grupo de voluntários muito bacana, então quando tem excedente conseguimos nos comunicar com outros abrigos que estão precisando. O volume de solidariedade e de doações está imenso — ressalta Juliano Garcia, coordenador do abrigo.
De acordo com o voluntário, o colégio cedeu o espaço no domingo para a comunidade escolar e os vizinhos da região. A partir disso, o grupo começou a organizar o espaço para receber os desabrigados das enchentes.
Nos fundos do ginásio, há também uma sala na qual foi montada uma clínica de saúde, com remédios e enfermeiros, técnicos de enfermagem, médicos e psicólogos voluntários, e um espaço pet.
O Colégio Santa Doroteia, no bairro Cristo Redentor, na Zona Norte, também funciona como abrigo. Ao todo, a instituição está atendendo 314 pessoas — sendo mais de 80 crianças e adolescentes. A psicóloga Marina Gomes, que atua como voluntária no local no qual normalmente trabalha como orientadora educacional, explica que as vítimas das enchentes estão ocupando o ginásio e as canchas cobertas do colégio.