Por Ana Rita Berti Bagestan
Professora e integrante do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS)
A forma de organizar o conhecimento e de olhar a realidade revela a cultura, com seus valores e crenças, costumes e hábitos de grupos sociais, de uma região ou de uma época.
Na última década, com o estabelecimento da Meta 11, do atual Plano Nacional de Educação (PNE), vigente até junho de 2024, a sociedade ampliou o olhar sobre a Educação Profissional Técnica (EPT) e seu valor diante dos princípios norteadores: ciência, pesquisa, técnica, educação, prática social, cultural, estética, interdisciplinaridade, articulação com o setor produtivo e indissociabilidade entre teoria e prática na dimensão do trabalho.
A EPT é uma modalidade educacional que perpassa todos os níveis da educação nacional, articulada às demais modalidades de educação e às dimensões do trabalho. De acordo com a Meta 11, é preciso “triplicar as matrículas da EPT de Nível Médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público”, porém, ao final da década, o Ministério da Educação (MEC) informou que somente 11% dos estudantes matriculados no Ensino Médio estavam em cursos técnicos. Os dados revelam que há preconceito pelo trabalho e a técnica, em relação à valorização do conhecimento e à produção intelectual.
A EPT reúne elementos, que não estão nas demais ofertas. O conhecimento técnico é um saber a ser valorizado e reconhecido pela sociedade. É derivado do trabalho, do saber fazer, de colocar o conhecimento em ação, para produzir resultado, inovação e resolver problemas. Quem não sabe fazer inviabiliza o conhecimento e a técnica.
Os saberes técnicos precisam ser escolarizados, definidos e expressos para servir de base à organização da oferta da EPT. A Educação Profissional é uma modalidade educativa própria, que trata da laboralidade com técnica. O currículo da EPT é organizado por competências, que se constituem pela articulação do conhecimento, habilidades, valores e atitudes. Forma o jovem com perfil apropriado à inserção qualificada no mundo do trabalho e na vida cidadã. A escola é o locus legítimo para formalizar a oferta.
A legislação e as normas nacionais e estadual e, mais recentemente, a Lei Estadual que Institui a Política Estadual de Educação Profissional e Técnica no Rio Grande do Sul, sancionada no início deste ano, pelo governador Eduardo Leite, contemplam a EPT nos currículos escolares.
Cabe ressaltar que a legislação referente ao Ensino Médio e à EPT permite a flexibilização da organização curricular para que as escolas atendam às diversas demandas.
A oferta da EPT, segundo legislação e normas, pode se dar por meio de cursos técnicos, qualificações profissionais ou programas de aprendizagem profissional nas empresas (Jovem Aprendiz) concomitantes à qualificação profissional, nos itinerários formativos de EPT ou articulada à área propedêutica por meio de Unidades Curriculares Eletivas, com aproveitamento da carga horária no currículo escolar do Ensino Médio. Desse modo, é dada a oportunidade para os estudantes fazerem as suas escolhas e terem acesso às ofertas, em suas escolas ou por meio de parcerias devidamente credenciadas.
As necessidades das famílias e dos estudantes geram expectativas em torno de formação, emprego, renda e vida cidadã. Da mesma forma, os setores produtivos e de serviços também possuem expectativas e obrigações legais que devem ser consideradas. As instituições ofertantes do Ensino Médio e EPT sabem que uma formação significativa ajuda a evitar a evasão e gera sentido e aprendizagem à vida do estudante.
Temos de romper com a concepção existente e predominante na sociedade de que a EPT é uma modalidade assistencialista. Há uma evidente necessidade de mudar o paradigma, pois a EPT é promotora do desenvolvimento do indivíduo, da sociedade e do país. Diplomados e estudantes qualificados em EPT são profissionais cobiçados no mundo do trabalho e potencializados para o Ensino Superior.
Se o estudante desejar cursar o Ensino Superior, é uma opção que fará, o que não impede que a EPT seja ofertada de forma articulada aos currículos propedêuticos do Ensino Médio, por meio das Unidades Curriculares Eletivas, onde não houver curso técnico. Assim, o princípio da escolha, pelo real interesse e necessidade dos jovens, das famílias e dos arranjos de desenvolvimento socioeconômico, será realmente valorizado.