Aposta em países ricos, a oferta de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) ainda está longe de ser significativa no Brasil. As vagas em cursos técnicos, que podem facilitar o acesso a vagas melhores no mercado de trabalho, têm crescido nos últimos anos no país, mas a modalidade enfrenta desafios como a necessidade de investimentos, a modernização dos currículos e a ampliação do território abrangido, por parte do poder público, além do estigma de quem ainda pensa que o modelo só serve para pessoas de baixa renda.
Em relatório divulgado em setembro pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que abrange nações de Europa, América do Norte e Oceania, além de algumas dos outros continentes, o Brasil aparece com 11% da população entre 15 e 24 anos matriculada em cursos profissionalizantes. Nos membros da OCDE, o percentual é de 37% -mais do que o triplo.
Diversa em modalidades e perfis de estudantes, a EPT promete uma empregabilidade alta, bem como um acréscimo salarial considerável. Na pesquisa "Potenciais efeitos macroeconômicos com expansão da oferta pública de Ensino Médio Técnico no Brasil", divulgada em julho pelo Itaú Educação e Trabalho, a taxa de desemprego de pessoas formadas em um curso técnico integrado ao Ensino Médio é de 7,2%, contra 10,2% da parcela com o Ensino Médio tradicional. O salário dos trabalhadores, por sua vez, é 32% maior.
Já um estudo do Insper mostra crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro se o país expandisse a quantidade de alunos em cursos de Ensino Médio técnico. O impacto positivo, segundo a pesquisa, seria entre 1,34% e 2,32% em longo prazo, quando a probabilidade de conseguir uma vaga na educação profissional e tecnológica dobra ou triplica. Esses alunos formados geram maior produção para a economia.
Não há, porém, vagas apenas para quem ainda está na Educação Básica. A EPT pode ser oferecida de três formas: integrada ao Ensino Médio (quando uma mesma escola tem o currículo regular somado às aulas técnicas), concomitante (quando o curso técnico é ministrado em uma instituição diferente, mas pode ser frequentado por alunos que ainda não se formaram) ou subsequente (quando o estudante já tem nível médio e deseja se capacitar em alguma área).
A centenária Escola Técnica Estadual Parobé transpira tradição. Fundada em 1906, a instituição já foi vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi internato e funcionou em diferentes endereços. Em seus 117 anos de existência, carregou duas características: a gratuidade e uma identidade própria, que faz com que muitos alunos tenham dado voltas na vida e regressado, depois, como professores.
Chegar ao Parobé - desde 1960 localizado em uma área de 28 mil metros quadrados na Avenida Loureiro da Silva, Porto Alegre - é um pouco como chegar à moradia de um familiar. Apesar de ser o maior colégio da rede estadual na Capital, com 1,8 mil alunos, entre os servidores o clima é aquele que existe quando a convivência é constante e ocorre há anos. Ao chegar, a equipe de GZH já foi convidada tomar um café com os docentes, no intervalo das aulas.
— Nossos professores são muito comprometidos. Pode até haver um período em que falte professor, mas, na maioria das vezes, eles seguem aqui e se comprometem, em questão de horário, de qualificação no trabalho. Tem professor com 80 anos — diz a diretora, Iraci Milnickel.
A instituição tem 186 servidores que atuam em cinco cursos técnicos subsequentes - Edificações, Eletrônica, Eletrotécnica, Estradas e Mecânica - e um integrado ao Ensino Médio, de Eletrotécnica. Na modalidade subsequente, o estudante precisa já ter concluído o Ensino Médio para frequentar as aulas. Os cursos são oferecidos há mais de 50 anos e são referências dentro das opções de ensino técnico.
A direção e os professores garantem que a empregabilidade dos estudantes é de 100%, entre os que querem, de fato, trabalhar na área. O colégio conta com parcerias junto a empresas que carecem de mão de obra especializada.
Foi buscando autonomia para fazer consertos em casa e aventando novas possibilidades profissionais que João Olmar Toledo, 40 anos, ingressou em Eletrotécnica no Parobé em 2012. Frentista na época, logo conseguiu um emprego na fábrica da Taurus, onde está até hoje. Recentemente, retornou para cursar Eletrônica, a fim de abrir mais portas.
— Eles estão pedindo muito de Eletrônica na Taurus, e eu tenho a experiência, mas não o canudo, que é o curso técnico. E, daqui, é só seguir, mais adiante, com uma faculdade em Engenharia Elétrica. Estou com 40 anos e mostro para os meus filhos que nunca é tarde para estudar — afirma Toledo.
Dados revelam que a EPT faz a diferença: aumenta as chances de empregabilidade e oferece melhores salários e maior aprendizagem.
TAMIRES FAKIH
SUPERINTENDENTE DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO RS
O aluno comprovou na prática as oportunidades que surgem para quem faz o curso técnico, ao menos nas áreas que estudou. No primeiro semestre, mesmo não tendo uma base de conhecimentos prévia sobre o assunto, já iniciou um estágio em uma empresa de elevadores. Na opinião dele, as chances aparecem, mas é preciso correr atrás.
— É difícil, né? Se fosse fácil, todo mundo fazia. Eu trabalho à noite, saio às 7h da manhã e venho para cá, e tenho três filhos, ainda. Hoje, a gurizada quer uma coisa fácil. "Ah, tem cálculo, não quero." Aí, o pessoal desiste muito. Mas isto aqui é o teu futuro. O curso técnico te abre muitas portas. É que o mercado te exige um mínimo. Com estudos já é difícil, imagina sem? Tem que se adequar — defende Toledo.
De fato, a desistência é alta. No início do semestre, havia 2,7 mil matriculados no Parobé, somando todos os cursos. Hoje, são 1,8 mil - redução de um terço do número original.
— A procura sempre foi alta, mas muitos iniciam e desistem, depois que pegam o atestado de frequência e levam na empresa, ou porque não conseguiram vale-transporte. Mas temos, também, muita gente comprometida, que vem aqui e não quer mais sair, inclusive emendando o curso de Eletrotécnica no de Eletrônica, e vice-versa — pontua a diretora.
Para aqueles que conseguem concluir o curso de Eletrônica, por exemplo, o acréscimo salarial é considerável, segundo o professor Luís Aransegui.
— A gente recebe muitos agradecimentos deles (alunos) depois, porque, muitas vezes, eles trabalham em uma função que tem um piso de um salário mínimo, um salário mínimo e meio. Com os diplomas de técnico em Eletrônica e Eletrotécnica, a gente parte de um piso de três salários mínimos, ou seja, a categoria não permite que se pague menos. Mas, claro, tem que estudar bastante antes — pondera o docente.
Atualmente, a oferta de estágios é maior do que o número de estudantes, conforme a coordenadora do técnico em Eletrônica, Gleci Bastos Gonçalves e Oliveira.
— Eles conseguem estagiar desde o módulo 1 (primeiro semestre, de quatro, no total), quando o estágio ainda não é obrigatório, mas as empresas procuram, porque querem treinar o aluno à maneira delas. Oferecem transporte, alimentação, materiais. É uma oportunidade de o estudante se inserir no mercado — avalia Gleci.
Uma dificuldade relatada pelos servidores do colégio é financeira: os equipamentos necessários para o dia a dia de um curso técnico são caros e precisam ser atualizados constantemente, o que nem sempre é possível. A vantagem, lá, é que a quantidade de profissionais aptos a fazer eventuais consertos é vasta:
— Se tem um computador pifado, por exemplo, a gente conserta. A gente até usa o conserto desses equipamentos para eles fazerem a prática. "Professor, o computador não liga". "Tá, e o problema é meu? Faz ele ligar" — relata, rindo, Aransegui.
De volta à sala de aula
Cursando o segundo semestre de Eletrotécnica, Deyse Selau de Cândido, 37 anos, participou do sorteio das vagas no Parobé três vezes seguidas, até passar. O ingresso na instituição faz parte de um processo de resgate dos cuidados com ela mesma.
— Minha vida aconteceu ao contrário. Primeiro, eu casei e fiz filhos. Agora, depois disso, passei a cuidar mais de mim. Como eles (os filhos) já são grandes e mais independentes, eu parti em busca de conhecimento e qualificação profissional. Esse ramo de obras sempre me chamou a atenção, porque o meu pai tem uma empreiteira — ressalta Deyse, que considera o leque de opções, para técnicos na área, muito amplo.
Antes de ingressar no Parobé, a estudante trabalhava fazendo pintura e manutenção em obras. Agora, com a demanda dos estudos, ficou mais difícil de conciliar, e ela tem feito apenas faxinais semanais. Apesar do esforço e da mudança de rotina, considera que vale a pena e quer ir além: depois, pretende cursar mais um técnico, para trabalhar na Braskem.
— Mesmo com os meus familiares tendo uma empresa, eu quero trabalhar na Braskem. Quero fazer técnico em Petroquímica, Química, alguma área que me permita isso — analisa, acrescentando que ainda tem o plano de fazer graduação em alguma Engenharia do setor elétrico.
O colégio oferece, ainda, cursos subsequentes de Edificações, Estradas e Mecânica. Em Edificações, o professor Marco Rogoski salienta que existe um mercado em ascensão, e que há poucos cursos técnicos na área.
— O engenheiro, hoje, não consegue ficar presente em todas as obras. Então, você tem um engenheiro para cinco, seis obras, e dois, três técnicos em edificações por obra. Mudou muito essa formatação, e acho que vai mudar mais. O profissional de nível técnico tem ganhado tentáculos, digamos assim, e recebido responsabilidades que não tinha — observa Rogoski.
Após receber o diploma de técnico, é comum, de acordo com o docente, o profissional ser alçado a cargos superiores na hierarquia, como supervisor, por exemplo.
Os números da rede profissionalizante gaúcha
Somadas as redes federal, estadual, municipais e privadas, o Estado registrou, em 2023, exatos 133.850 estudantes em cursos técnicos. O objetivo no Plano Nacional de Educação era de que se chegasse a 315.891 matriculados até 2024, o que demandaria a criação de mais do que o dobro de vagas em um ano, o que não ocorrerá.
A rede estadual de escolas técnicas conta hoje com 157 instituições de ensino, que oferecem 63 cursos para 28.635 alunos. Até 2027, a expectativa é dobrar o número de vagas, chegando a 57.593, e ampliar o território coberto, que é de 22%, para 50% das regiões do RS até 2026. No Plano Decenal da Educação Profissional e Tecnológica do Rio Grande do Sul, consta que a quantidade de matrículas em escolas estaduais alcance 115.917 até 2032.
A diversificação regional ocorrerá, por exemplo, em regiões de fronteira com Argentina e Uruguai, em municípios como Itaqui, Uruguaiana e Alegrete, onde hoje não há oferta de EPT, segundo a superintendente da Educação Profissional do RS, Tamires Fakih.
— A ideia é chegar a esses municípios e ir aumentando a oferta, porque os dados revelam que a EPT faz a diferença: aumenta as chances de empregabilidade e oferece melhores salários e maior aprendizagem — descreve Tamires, acrescentando que, para o ano que vem, o Estado pretende criar cursos técnicos articulados com a Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A superintendente afirma que é preciso romper paradigmas, pois ainda é forte a visão de que os cursos técnicos seriam voltados para pessoas economicamente vulneráveis e que estariam aquém da qualidade do Ensino Superior:
— Quando você vai às nossas escolas técnicas, não é isso o que você vê. No Ensino Técnico Agrícola, por exemplo, os estudantes vivenciam a prática em meio a aulas teóricas, com o apoio de universidades do entorno e de órgãos como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Além disso, ele não compete com o curso superior: é uma continuidade dos estudos.
Nesse contexto, outro desafio é convencer as instituições de Ensino Superior a aceitar créditos cursados na EPT depois, quando o aluno decide fazer uma graduação, o que facilitaria o desenvolvimento contínuo.
— Ainda há resistência das universidades e da sociedade em ver que a EPT é um espaço de desenvolvimento, inovação e tecnologia — lamenta a gestora.
Outra demanda é criar cursos técnicos aderentes às novas economias, como a indústria criativa e a digital, que demandam estruturas robustas de laboratórios e contratações de profissionais especializados. Em parte, o problema tem sido enfrentado com parcerias com o Sistema S, que também possui cursos técnicos, e universidades comunitárias, além das Secretarias Estaduais do Trabalho e da Cultura, que promovem cursos de livre duração para a comunidade. Para o futuro, um curso técnico em Energias Renováveis terá o apoio do Sindienergia-RS, sindicato patronal do setor.
Tamires percebe que o interesse do jovem por ingressar em um curso técnico é maior quando familiares seus já frequentaram aulas nessa modalidade. Em camadas mais baixas, há menos estímulo, e, por isso, a Superintendência da Educação Profissional do Estado (Suepro) tem investido em divulgar a oferta em espaços públicos onde os estudantes circulam.
O órgão da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) também lançou, neste ano, o programa Partiu Futuro, que procura aproximar os alunos do mundo do trabalho. Em 2024, cerca de 2 mil matriculados em sete escolas participarão de um piloto, no qual, a partir do segundo ano do Ensino Médio, poderão ser contratados por empresas através de sua instituição de ensino.
A contratação de professores capacitados também é um entrave que o Ministério da Educação (MEC) tem procurado resolver. Com o aumento de vagas para alunos, será preciso contratar mais docentes para atender a demanda.
— No fim das contas, um engenheiro bem formado, que poderia dar aula em uma escola técnica, é disputado pelo mesmo mercado das empresas. Como atrair esse profissional para a educação? Primeiro, as carreiras em educação têm que melhorar, o que se encaminha por meio de políticas estruturantes e a aproximação com o empresariado, que o ministro está buscando — afirmou Getulio Marques Ferreira, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC, durante evento realizado em setembro pelo Itaú Educação e Trabalho em São Paulo.
Até 2026, o plano da pasta é ampliar dos 680 campi de institutos federais para 1 mil.
Com isso, o objetivo é que cada unidade atenda cerca de cinco ou seis dos 5.568 municípios brasileiros. A princípio, a ampliação se daria por meio do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), mas, até o momento, o valor era considerado por Ferreira insuficiente para completar o número desejado.