É do meio da Vila Mapa, em um dos bairros de renda familiar mais baixa de Porto Alegre, que saiu uma das duas escolas brasileiras e a única pública a participar da edição de 2023 do First Lego League World Festival (FLL). E não é um caso isolado – batizada com o nome de um dos maiores compositores do Brasil, a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Heitor Villa Lobos, na Lomba do Pinheiro, tem se dedicado a criações não apenas na música, mas também na robótica. Nessa área, desde 2007, já são mais de 40 medalhas e 30 troféus em competições nacionais e internacionais.
A mais recente aventura dos Lobóticos, como é chamada a equipe de robótica do colégio, terminou há uma semana, quando retornaram a Porto Alegre, diretamente dos Estados Unidos. Lá, seis estudantes e a professora Cristiane Cabral venceram a categoria “Melhor Modelo de Solução” com uma maquete automatizada que projeta um espaço de lazer e entretenimento para a comunidade da Vila Mapa, com direito a brinquedos movidos a energia renovável, temática proposta nesta edição do FLL.
— A gurizada resolveu olhar para a própria comunidade. Como toda periferia, aqui tem vários problemas de energia, como falta de luz, roubo de fios. Já estávamos envolvidos com projetos de lazer para a comunidade, aí os alunos acharam interessante pensar na criação de uma praça pensando na energia — relata a professora.
Os alunos sentem falta de praças na Vila Mapa e, por isso, resolveram projetar a revitalização de uma. Com o uso de robótica, idealizaram um parquinho de diversões, com brinquedos movidos por fontes de energia solar e eólica e por dínamos, que funcionam por meio do uso de um gira-gira. O resultado foi uma maquete feita com peças de Lego, levadas para serem apresentadas na FLL Explore, voltada para crianças de seis a 10 anos. Também há divisões da competição específicas para os pequenos de quatro a seis anos e para os maiores, de nove a 16.
A mãe dos projetos com o uso de robótica na Heitor Villa Lobos é a professora Cristiane, que trabalha com a temática desde 2007, quando a Secretaria Municipal de Educação (Smed) comprou kits com os mecanismos para toda a rede. A docente, então, se apaixonou – capitaneou os trabalhos, fez mestrado e doutorado na área e nunca deixou que o projeto morresse.
— Atualmente, temos incentivo da prefeitura para seguirmos com o projeto, mas nem sempre foi assim. Já tivemos que fazer vaquinha para ir às competições. Em paralelo, com doações e o que arrecadamos vencendo eventos, conseguimos dar continuidade — comenta a educadora, ressaltando que as direções e os colegas da escola sempre foram parceiros e se empenharam para manter a robótica na instituição.
Ninguém deseja o que não conhece, e, quando eles conhecem essas possibilidades, passam a desejá-las
CRISTIANE CABRAL
Professora
Se faltam recursos, sobra mobilização. Em 2018, Cristiane lançou um financiamento coletivo para levar os Lobóticos ao Canadá, para representar o Brasil no Robocup, outro campeonato mundial de robótica. O engajamento teve um final feliz: a equipe conseguiu viajar e voltou trazendo consigo o prêmio de Melhor Apresentação na modalidade OnStage, na qual alunos precisam dançar com robôs.
Desde 2012, estudantes da escola da Vila Mapa já participaram – e venceram – cinco eventos internacionais: quatro Robocups, no México, na Holanda, no Brasil e no Canadá, e um FLL, nos Estados Unidos. Mas a professora faz questão de ensinar aos alunos que o mais importante é participar e partilhar conhecimentos.
— O grande troféu é mostrar o que se fez. A gente não ganha todas, mas é importante o que a gente aprende. Temos que ir lá e sair com a sensação de que fizemos o que podíamos. Tudo é aprendizado, ainda mais com crianças de 10 anos — observa a docente.
A viagem também ofereceu diversão aos estudantes. O grupo aproveitou a ida aos Estados Unidos para conhecer a Disney. Para isso, os pais fizeram rifa e venderam lanches na busca de recursos.
Trabalho em equipe
E, pelo jeito, os pequenos aprendem mesmo a dar menos bola para troféus do que para a vivência envolvida nesses projetos. Lara Hoffmann, 10 anos, por exemplo, não titubeia ao responder do que mais gostou na viagem:
— O que eu mais gostei foi estar todo mundo junto. Eles são meus amigos, e isso é importante, porque a gente trabalha muito em equipe.
A menina também ficou surpresa com a variedade de culturas que encontrou no evento. A comida, achou meio apimentada demais.
— Gostei mais ou menos (da comida). Eu gosto de pimenta na sopa, mas, lá, era pimenta em tudo. A gente estava com medo de que até na sobremesa viesse pimenta — conta Lara.
Sury da Silva, 10 anos, se impressionou com a diferença de idiomas falados entre as pessoas.
— Eu nunca sonhei com não falar português, porque aqui todo mundo fala e, por isso, eu achava que o mundo todo falava. É muito legal. Na nossa apresentação, a gente conseguiu um tradutor, que ficava dizendo para os juízes o que a gente estava falando, e parecia que eles entendiam que a gente estava interessado — lembra a menina, que gostou ainda mais da viagem por saber que não estava só passeando, mas participando de um momento que era fruto do trabalho e do esforço do grupo.
A interação com outras equipes acontecia com a ajuda da professora, que fala inglês, e por meio de alguns gestos. Um deles é a troca de broches, explicada por Lara:
— A nossa equipe tinha um broche dos Lobóticos, e as outras equipes também têm os deles. Aí, a gente vai passando e trocando os nossos broches pelos deles.
Para Cristiane, o fato de o projeto dar acesso às crianças a experiências que não teriam sem ele, como o próprio uso de um kit de robótica, que tem custos superiores a R$ 7 mil, é o que lhe move a continuar.
— Ninguém deseja o que não conhece, e, quando eles conhecem essas possibilidades, passam a desejá-las. Quando comecei o projeto, em 2007, estava muito chateada, sem entender a minha função na educação. O projeto, sem dúvida, me proporcionou isso — observa a docente.
As atividades de robótica ocorrem no contraturno dos alunos e são opcionais. Os estudantes que se destacam nas oficinas, que ocorrem uma vez por semana, são convidados a participar dos Lobóticos, que têm mais um encontro semanal. De lá, já houve quem deu continuidade aos estudos científicos no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e quem tenha conseguido um emprego na HP Brasil.