A pandemia , que completa três anos no dia 11 de março, deixou perdas irreparáveis, como a morte milhares de brasileiros. Levou também a outros danos muito difíceis de serem recuperadas. É o caso do prejuízo na educação. Um dos países da América do Sul a manter por mais tempo as escolas totalmente fechadas no período, o Brasil tem o desafio de enfrentar problemas como o abandono escolar e perdas de aprendizagem e socioemocionais dos alunos da Educação Básica.
Leia a segunda parte da reportagem: Escolas públicas apostam em projetos “vida real” para engajar alunos e superar dificuldades deixadas pela pandemia
Segundo levantamento da Unesco – agência da Organização das Nações Unidas (ONU) especializada em educação, ciência e cultura –, as escolas brasileiras permaneceram totalmente fechadas por 267 dias entre 2020 e 2021, tempo que só é menor do que o registrado na Venezuela, na Bolívia e no Equador, na América do Sul. Com pouca coordenação nacional, a retomada aconteceu de forma desigual entre Estados e municípios brasileiros. Nas redes estaduais, o formato 100% presencial voltou entre setembro de 2021 e abril de 2022. No RS, foi em novembro de 2021.
— Durante o fechamento, as escolas não sabiam onde estavam cerca de 40% de seus alunos. Hoje, os indicadores de abandono escolar voltaram aos patamares pré-pandemia, mas o risco de evasão segue elevado, já que muitos estudantes têm que trabalhar, por conta da crise econômica, e há um desinteresse nos estudos, porque muitos ficaram com uma defasagem muito grande — relata Ivan Gontijo, coordenador de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
Em pesquisa Datafolha de 2022 encomendada pela entidade, na qual foram ouvidos estudantes de Ensino Médio de todo o país, 41% dos entrevistados no Rio Grande do Sul disseram que trabalhavam fora de casa. O índice é superior à média brasileira, de 31%.
A dificuldade de acesso à internet afetou principalmente alunos da rede pública, o que ampliou a desigualdade já existente antes da pandemia, na comparação com as escolas privadas. A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) realizou, em 2022, uma avaliação com mais de 600 mil estudantes, para identificar quais os níveis de conhecimento da rede em Língua Portuguesa e Matemática após a pandemia. O pior resultado foi no 3º ano do Ensino Médio – o percentual de alunos com um conhecimento abaixo do básico esperado para aquela série era de 92% em Matemática e de 62% em Língua Portuguesa.
Medidas de combate
Entre as medidas desenvolvidas pela Seduc para combater o prejuízo está o programa Aprende Mais, que ampliou a carga horária de ambas as disciplinas, distribuiu bolsas e incentivos aos docentes e entregou 50 mil Chromebooks a professores e 90 mil a alunos. Durante a pandemia, idealizou o cursinho Pré-Enem, com aulas disponibilizadas no YouTube e ministradas por professores da rede estadual. Para combater a evasão escolar, foi criada a bolsa de estudos Todo Jovem na Escola, que oferece R$ 150 mensais a estudantes de 15 a 21 anos que sejam de famílias de baixa renda e tenham frequência mínima de 75% das horas/aula.
No ano letivo de 2022, mesmo para aqueles que não alcançaram a frequência mínima foi oferecida uma segunda chance de passar de ano – uma avaliação realizada durante as férias, na qual alunos infrequentes ou com nota insuficiente puderam fazer uma prova ou um trabalho para aumentar sua média e tentar a aprovação. Em nota, a Seduc informou que essa iniciativa foi criada porque a pasta entende que “a reprovação pode, muitas vezes, ser a porta de saída da escola, na medida em que aquele estudante se torna um desalentado dentro da instituição de ensino”. Ainda não foi divulgado o número final de estudantes aprovados e reprovados nem antes, nem depois dessa avaliação.
É preciso de no mínimo três anos para os sistemas educacionais voltarem para onde estavam
IVAN GONTIJO
Coordenador de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação.
Houve, ainda, um aumento no repasse para a alimentação escolar, a fim de fornecer refeições quentes diárias nas instituições de ensino, e a criação de uma política pública de distribuição de absorventes para combater a pobreza menstrual.
Na rede municipal de Porto Alegre, três principais programas foram instituídos, todos visando o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos alunos: o Alfabetiza+POA, focado na alfabetização, o RecomPOA, de recomposição das aprendizagens não trabalhadas durante a pandemia, e o Programa de Correção de Fluxo, focado na correção da distorção idade/ano. Nos três, foram realizadas formações dos professores, novos arranjos pedagógicos e está sendo feito um acompanhamento dos projetos.
Destaques nacionais
Em nível nacional, o Todos Pela Educação faz um monitoramento das atividades desenvolvidas em cada Estado. Entre as iniciativas, está o trabalho de busca ativa dos alunos que não estão frequentando a escola, o que foi feito de formas diferentes em cada região. Um dos destaques foi Pernambuco, que tornou aliados os próprios estudantes da rede nesse processo – lançou bolsas de monitoria, nas quais alunos tinham a função de dialogar com os colegas que não têm ido às aulas, a fim de incentivá-los a retornar.
— É muito diferente se quem bate na porta da casa é um colega, e não o Conselho Tutelar. E o resultado é que Pernambuco teve um dos menores índices de evasão — observa Ivan Gontijo.
Na área de recuperação da aprendizagem, muitos Estados fizeram, assim como o RS, avaliações diagnósticas e uma flexibilização, para saber quais foram as perdas e focar nos tópicos essenciais. As principais ações foram reforços escolares, monitorias pedagógicas feitas por estudantes que estivessem com um desempenho superior aos colegas e a criação de turmas menores em uma parte da semana, na qual alunos da mesma série eram divididos entre mais ou menos avançados, a fim de trabalhar habilidades mais específicas.
O atendimento psicológico das crianças e dos adolescentes também foi disponibilizado em alguns locais. Em São Paulo, por exemplo, mais de mil psicólogos foram contratados, e foram criados espaços de convivência e de conversas. No Rio Grande do Sul, a Seduc inclui o desenvolvimento de competências socioemocionais na formação de seus professores, mas não possui um programa específico para o atendimento dos alunos.
De modo geral, conforme o coordenador de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, os Estados que se destacaram no combate aos impactos da pandemia na educação foram aqueles que já possuíam políticas públicas mais estruturadas nesse setor – é o caso de Pernambuco, do Paraná, do Ceará e de São Paulo, por exemplo. Por outro lado, locais como Bahia, Pará e Rio de Janeiro tiveram mais dificuldade de dar uma resposta à crise.
— O Rio Grande do Sul ficou no meio. Teve uma troca de gestão no meio da pandemia e teve resultados razoáveis. Em 2023, se mantiveram o mesmo governador e a mesma secretária da Educação, o que é uma vantagem, porque a mitigação dos efeitos da pandemia não acontece a curto prazo. É preciso de no mínimo três anos para os sistemas educacionais voltarem para onde estavam — analisa Gontijo.