Depois de nove anos, o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe) terá, a partir desta terça-feira (6), um novo presidente – o professor Oswaldo Dalpiaz, que assume o posto no lugar de Bruno Eizerik, que comandava a gestão da entidade desde 2013. Em entrevista a GZH, o educador, que atuou por 40 anos como docente em sala de aula e por 33 como gestor de instituição de ensino, defendeu uma maior integração entre as redes pública e privada, em setores como o transporte e o calendário escolar, além da política educacional no Ensino Médio e no Ensino Técnico, por exemplo. Dalpiaz destacou, ainda, o desafio das instituições privadas tradicionais de Ensino Superior diante do crescimento do formato de ensino a distância (EaD) e trouxe reflexões sobre temas como o homeschooling e as transformações digitais nas escolas após a pandemia.
O Sinepe fala em ampliar as parcerias com o setor público. Quais são essas parcerias?
É uma proposta nossa. Não posso garantir que haja essa parceria, mas a intenção é dizer que, se a gente não se unir, fica muito mais difícil trabalhar na educação. Se a gente conseguir unir os entes que trabalham com educação, como Secretaria Estadual da Educação (Seduc), Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), União Nacional Dirigentes Municipais de Educação (Undime), União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), provavelmente a gente consiga, através dessas parcerias, um resultado melhor, superando esta crise ou essa dicotomia que existe entre, por exemplo, o ensino privado e o público. Vamos trabalhar para eliminar essa separação, essa dicotomia. Todos os ex-presidentes do Sinepe sempre defenderam que a nossa meta é a educação como um todo, e não a educação privada. Se trata de buscar uma parceria pra construir juntos.
E quais são as possibilidades de construção juntos?
Primeiro, temos que conversar e, nessa conversa, encontrarmos os pontos comuns nos quais podemos fazer as parcerias, porque há coisas mais fáceis, mas há coisas um pouco mais difíceis. Por exemplo, estabelecer um calendário de atividades letivas com uma data igual ou aproximada não é tão problemático. E uma data de férias na metade do ano, alguns feriadões comuns, seria já uma forma de aproximar. Além disso, por que não fazermos capacitações comuns? O Ensino Médio, por exemplo, tem coisas comuns para a escola pública e a privada. Se a gente tiver uma parceria de formação, de orientação, inclusive para transferências, isso poderia ajudar muito. Hoje, não é que seja mais difícil, mas como a organização é independente, cada escola tem seu calendário, sua matriz. Então, isso fica um pouco mais difícil. Se a gente conseguir aproximar, fica melhor. Nas escolas profissionais, se a gente estabelecesse uma política de escola profissional, seria fantástico. Hoje em dia, nós temos aí centenas, milhares de jovens que estão fora da escola, gostariam de ter uma profissão. E se a gente fizesse uma parceria de formação? Por exemplo, em tal escola o governo entra com uma parte, a escola privada entra em com outra parte. O importante seria atingir o jovem, né? E não ficar naquela discussão de escola privada, escola pública. É o jovem e a educação que interessam.
Essa aproximação já vem acontecendo, não? Em quais outras áreas ela é possível?
Vem. Outro exemplo prático viável é o transporte escolar. Se o ônibus da prefeitura traz alunos distantes, 15, 20, 30 km para uma escola pública, por que não pode aproveitar o mesmo ônibus e trazer alunos que queiram frequentar uma escola privada na cidade? É um sonho que a gente tem, mas é um sonho viável, não é uma coisa assim absurda. Nós tivemos, nos últimos anos, um trabalho muito grande do ex-presidente Bruno (Eizerik) no sentido de fazer um contato, aproximar as entidades. Durante a pandemia, essas entidades se aproximaram, e as vantagens, benefícios que nós tivemos, foram muito grandes, porque as coisas eram comuns. Claro, reconhecemos que a maioria das escolas privadas teve muito mais recursos à disposição de uma maneira mais imediata do que o setor público, que tem que passar por aqueles processos de licitação, demoras e controles, o tribunal de contas. Mas certas ações foram feitas juntando-se a força e a capacidade política de outras entidades, como a Famurs, como a Undime, que, junto com o Sinepe, conseguiram avançar. O retorno das aulas, da maneira como nós fizemos, foi possível graças a essas parcerias.
O senhor assume a gestão, em um momento de muitos desafios para conseguir voltar ao normal e recuperar algumas coisas, ainda que isso seja menos latente no setor privado. Quais são os desafios principais nesse contexto?
Um dos desafios é a aproximação do sindicato às instituições privadas. Por quê? O número de associadas é pequeno em relação ao número total de entidades privadas que existem. Outro desafio importante é dar continuidade ao trabalho que a diretoria que tá deixando agora fez. Essa continuidade é imprescindível, porque os encaminhamentos feitos foram maravilhosos, só que também há necessidade de melhorias. Os paradigmas começam a mudar, há temas novos a enfrentar, então o sindicato terá que estar preparado para propor alternativas aos problemas antigos. Agora, se você olhar Educação Básica e Educação Superior, você vê que esses dois setores têm problemas diferenciados. Na Educação Básica, você tem uma preocupação imediata, por exemplo, em relação à implementação do Ensino Médio. Oficialmente começou esse ano, mas as escolas do ensino privado já estão há dois, três anos estudando essa preparação. Tem escolas hoje que estão bastante seguras em relação àquilo que estão fazendo, mas há necessidade de uma caminhada, porque não há ainda uma maturidade de todo o processo. Itinerários formativos, as eletivas, projeto de vida, embora haja estudos, um preparo, ainda há deficiências, porque é uma caminhada que tem que ser feita. Também no Ensino Básico ainda há uma preocupação generalizada no sentido de conseguir recuperar aquelas defasagens provocadas pela pandemia. Durante a pandemia as escolas fizeram milagres, porque nós deitamos no domingo à noite com uma situação e, na segunda-feira, as escolas tiveram que se reinventar em três, quatro dias, entrar em contato com os professores, dar-lhes as orientações básicas primárias e depois começar a trabalhar nesse sentido. Não se perdeu mais em razão da agilidade com que as escolas tentaram resolver os problemas. Mas tem ainda muitas defasagem a serem recuperadas.
E no Ensino Superior, quais os principais desafios?
As escolas de Ensino Superior estão enfrentando um problema seríssimo, que é esse novo formato, essa nova modalidade de ensino que está tomando conta, que é o EaD. O EaD está tomando conta de maneira tal que as escolas, as universidades que vinham bem organizadas debaixo de um aspecto, essa organização toda agora começou a sentir os efeitos dessa nova modalidade. Tanto que hoje nós temos mais alunos fazendo o seu curso universitário de forma EAD do que presencial. Universidades grandes, de 20, 25, 30 mil alunos, hoje estão com 10, 12 mil alunos. Como vai ser com uma infraestrutura preparada pra atender 20 mil alunos e atendendo 10 mil? Há um desafio por parte das direções, das mantenedoras, de buscarem com criatividade, com inteligência, alternativas e saídas para isso.
O senhor acha possível buscar saídas nessas condições, ou as instituições terão que diminuir a infraestrutura?
Isso vai passar por uma gestão estratégica de novos investimentos, para reformular toda a questão da gestão. É muito dolorido para uma universidade ter que demitir professores. Passa uma mensagem de que a educação está indo mal, mas não é que esteja mal, é a circunstância que exige. Essas instituições não podem ficar aí mantendo professores se não tiverem recursos. Então você vê a pressão das entrantes, com novas fórmulas, nova gestão, nova perspectiva na formação de custos. A minha filha recebeu um convite pra fazer um curso de especialização, uma pós. No total dos valores, dava R$ 9,80 por mês. Como competir? Não tem como. Aí a minha filha perguntou “mas pai, dá pra encarar”? Eu disse “olha, filha, toda vez que você faz um curso desses, você tem que olhar duas coisas: primeiro a proposta que a universidade faz. Segundo, se você vai além da proposta ou não vai”. Se você ficar dentro da proposta, você vai ter um conhecimento igual a R$ 9,80. Agora, se você for além, ou seja, continuar os seus estudos para além da proposta da universidade, aí é outro caminho. Mas o que eu quero dizer é que com entrantes desse tipo fica muito difícil uma escola nossa, tradicional na sua forma, na sua seriedade acadêmica, continuar com isso.
O senhor considera que com uma mensalidade tão baixa não tem como manter uma seriedade acadêmica?
Não tem como. Tem uma parcela de estudantes que sabe distinguir uma coisa da outra e tem recursos para suportar essa diferença, mas há muitos estudantes que não têm. O governo está tirando os investimentos, os financiamentos, porque nem sempre a gestão desses financiamentos dá certo, por N razões. As universidades que se prepararam para ter um número X de alunos, porque viria o financiamento para esse aluno, e esse financiamento não apareceu. Fica muito difícil.
Ao mesmo tempo, as próprias universidades tradicionais têm investido em cursos EAD. O senhor acha possível um EaD de qualidade?
Evidente. O EaD é uma alternativa fantástica, mas precisa ter uma infraestrutura metodológica, de pessoal, mesmo física, porque há muitos alunos que se empenham muito, mas, quando não existe uma infraestrutura, pode haver dificuldade de acesso à internet, por exemplo. Agora, dizer que esta modalidade EAD não serve, isso não dá pra dizer. São recursos maravilhosos. O EaD entrou para ficar. A qualidade do EaD é que vai determinar a qualidade de conhecimento de profissionais, além das habilidades que ele próprio for buscar. Por outro lado, o “valor” moral, intelectual, das faculdades pequenas, instaladas em cidades pequenas, sem muito recurso, é fantástico. Eu conheci um diretor que uma vez, conversando sobre esse assunto, me deu uma lição muito bonita. Ele disse “eu não posso perguntar como é que o aluno entra aqui na minha faculdade. Eu tenho que perguntar como é que ele vai sair”. Uma faculdade pequena pode ajudar muito as pessoas. Muitos estudantes, depois que pegam esse caminho, fazem milagres na construção de sua vida pessoal, sua vida familiar, vida profissional, se envolvem, se engajam, fazem “sucesso”. Por isso que falar em educação é muito bonito quando a gente pensa que a educação transforma. Nem sempre e nem todos, mas que transforma, transforma.
O EaD entrou para ficar. A qualidade do EaD é que vai determinar a qualidade de conhecimento de profissionais, além das habilidades que ele próprio for buscar
OSWALDO DALPIAZ
Presidente do Sinepe
Voltando para a Educação Básica, está em curso uma discussão sobre a implementação do ensino domiciliar, ou homeschooling. Em Porto Alegre, há uma lei aprovada para a prática. O que o senhor pensa a respeito e como essa metodologia poderia ser implementada de forma a não haver perdas para os alunos?
Hoje não existe homeschooling. Quem estabelece o homeschooling é o governo federal, então, oficialmente, nenhum pai ainda poderá aplicá-lo, porque isto depende de uma lei federal, e deve existir também a regulamentação. E quem regulamenta isso é o Conselho Nacional de Educação. Uma vez regulamentado por eles, vai passar depois para as instâncias “menores”, que são os Estados e depois, se for o caso, os municípios. Essa é uma discussão que eu acredito que ainda vá longe, porque não é simples. Como tese, o Sinepe não é a favor do homeschooling. O Sinepe acha que o melhor caminho é a diversidade de aprendizagem, de convivência e de relações. A riqueza que um aluno tem frequentando a escola é, de certa maneira, perdida, se ele ficar apenas em casa. Não que ele não tenha outros momentos de relações, de convivência com a sociedade. Só que aquela vivência de escola, de trabalhar em grupo, de aprender a respeitar, a superar as dificuldades que se apresentam, são fatores essenciais de crescimento do jovem, da criança.
Outra questão que está sendo comentada é um projeto de lei debatido na Assembleia Legislativa, que prevê a liberação para que escolas de Ensino Fundamental possam oferecer apenas uma parte da etapa, e não toda, como hoje é obrigatório. O Sinepe se posiciona favorável a essa proposta. Por quê?
No Conselho Estadual de Educação, existe uma norma segundo a qual as escolas indígenas, quilombolas e tal podem organizar a sua escola por partes, até o quinto ano, a partir do quinto, a partir do sexto. Para as escolas urbanas, essa possibilidade não existe. No momento em que alguém deseja montar ou fundar uma escola, por exemplo, de Ensino Básico, deverá fazê-lo do primeiro ao nono ano. Não necessariamente deverá ter imediatamente todos os alunos, mas a escola, ou a mantenedora, ou a empresa, deverá ter um projeto que contemple tudo isso. Por exemplo, ter salas de aulas prontas para receber alunos. O regimento deve contemplar tudo isso. A biblioteca deve ter todo o material disponível para todos os alunos. A escola não poderá dizer que depois vai comprar. Então, existe uma vontade, uma tendência por parte de muita gente, e o Sinepe abraça essa ideia, de que a escola possa organizar a sua atividade por partes.
Isso não geraria o risco de uma região em que houvesse baixa demanda em determinada etapa acabar ficando sem a oferta aquela série?
Sim, mas isto está muito mais ligado à realidade da escola particular do que à da escola pública. Eu acho que na totalidade dos municípios aqui, o Estado tem condições de atender. Isso a gente fala mais em termos de escola particular, mesmo, porque no Conselho Estadual não há diferenciação de legislação.
As escolas sempre foram criticadas por não se atualizarem, mantendo muitas aulas expositivas, por exemplo. O senhor acha que, após a pandemia, o sistema educacional está conseguindo fazer essas mudanças?
São momentos. Qual é o foco que a escola tem? Prestar um serviço de qualidade. Qual é a plataforma que ela vai usar? Durante algum tempo, o quadro verde. Durante algum tempo, foi o giz. Depois, veio o retroprojetor. Depois, o vídeo. Hoje, estamos com outras plataformas. Então, se a escola tem a preocupação de fazer uma boa qualidade, ela vai aproveitar as plataformas que virão, com maturidade, a serviço dessa qualidade que ela deve desenvolver com seus alunos. Essa é a preocupação. Então a escola que está aberta aos tempos é uma escola que aproveita o que o tempo está oferecendo para ela, de olho naquilo que poderá ver. Quando isso vem, a escola está preparada para assumir essa novidade. A pandemia alertou para muitas coisas. Por exemplo, a crença da imprevisibilidade. A imprevisibilidade faz parte da escola, porque a escola tem que ficar aberta àquilo que vem. Quando aparece uma coisa imprevisível, você não pode ficar atordoado, porque o imprevisível faz parte. Então, se você tem uma estrutura e está bem fundamentada, o imprevisível não te assusta. A escola tem que acompanhar tudo o que acontece. Se fala hoje na indústria 5.0 e a educação é 2.0? Não, a escola tem que caminhar, não se arrastando à indústria 5.0, mas tem que caminhar na busca de alternativas para que ela possa fazer um belo trabalho educativo.