Depois de anúncios do Ministério da Educação (MEC) sobre bloqueios no orçamento deste ano de universidades e institutos federais, a pasta informou, na quinta-feira (9), que parte dessa verba será efetivamente cortada e remanejada para outros órgãos. Reitores das instituições gaúchas alertam que a redução nos valores, que representa perda de mais de R$ 220 milhões em todo o país, põe em risco bolsas de estudos, outras formas de assistência estudantil e postos de trabalho de profissionais terceirizados, além de gerar possibilidade real de paralisação das aulas.
Em nota enviada aos reitores, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) comunicou que apesar de o bloqueio de 14,5% ter sido reduzido para 7,2% na última sexta-feira (3), o MEC apontou que 3,6% já serão remanejados para o pagamento de despesas obrigatórias de outros órgãos. Na prática, significa que esse percentual será de fato cortado e retirado da conta – diferentemente dos recursos bloqueados, que ainda aparecem na conta das universidades, embora não possam ser utilizados naquele momento.
Nas instituições federais, o clima é de incerteza, diante da frequência das mudanças no orçamento. Muitos dos reitores resolveram aguardar até refazer seus planejamentos, uma vez que não sabem ao certo com quanto dinheiro poderão contar até o final do ano. Procurado, o MEC não retornou à reportagem até a publicação desta matéria.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Procurada, a UFRGS não retornou aos pedidos de entrevista e informações da reportagem até o final da tarde desta sexta-feira (10).
Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Na UFPel, com o corte orçamentário realizado em 2021, o ano de 2022 já foi iniciado com um déficit de cerca de R$ 5 milhões, a serem pagos para empresas contratadas. Somados os valores cortados e bloqueados, hoje a instituição enfrenta um déficit de cerca de R$ 10 milhões. Neste cenário, não será possível honrar parte dos pagamentos previstos para os meses de outubro, novembro e dezembro.
— Há empresas que têm prevista em contrato uma flexibilidade que permite que a UFPel atrase o pagamento por alguns meses, mas outras não têm. Uma das maiores despesas é com energia elétrica, por exemplo, que, se não é paga, pode ser cortada imediatamente. Por isso, existe um risco real de não chegarmos até o fim do ano — destaca o superintendente de Orçamento e Gestão de Recursos da instituição, Denis Franco.
A prioridade é pagar as despesas com a assistência estudantil, como auxílios para moradia, alimentação e transporte. No entanto, o superintendente afirma que não é possível prever o que seria paralisado primeiro, uma vez que a falta de recursos gera efeito dominó – sem luz, por exemplo, não se tem aula, e, sem aula, não tem por que manter o funcionamento do restaurante universitário (RU), e assim por diante.
Universidade Federal do Pampa (Unipampa)
Por enquanto, a Unipampa não refez seu planejamento orçamentário, pois trabalha pela recomposição dos valores. Segundo o reitor Roberlaine Jorge, a situação financeira já era crítica e, com esses cortes, se agravou.
— A universidade teve um crescimento orgânico, o que gera aumento nos gastos, e as despesas também aumentaram. O custo com o RU, por exemplo, teve aumento de 130% na comparação com o período pré-pandemia. Por isso, estamos nos mobilizando com todas as entidades pela recomposição do orçamento — explica o reitor.
O gestor relata que a Unipampa já está no limite de cortes em setores como a prestação de serviços por terceirizados, que fazem a limpeza e a segurança dos campi, por exemplo. Por isso, um corte a esta altura do ano deixa a instituição “quase inadministrável”.
— A gente está trabalhando, mas a dificuldade é enorme. O risco que corremos é de pararmos as atividades. Como ficam as aulas práticas sem insumos, por exemplo? — questiona Jorge.
Com o bloqueio, a universidade fica impedida de usar R$ 3,6 milhões do orçamento anual. Entre as medidas transitórias/paliativas possíveis, está a anulação parcial de contratos terceirizados com profissionais da limpeza, motoristas, vigilantes e da manutenção.
Universidade Federal do Rio Grande (Furg)
Na Furg, o bloqueio de 7,2% no orçamento discricionário – ou seja, nas despesas obrigatórias – representa R$ 4,2 milhões. Antes mesmo do início do ano, as instituições de ensino já tinham sofrido corte de 5,6% nesses recursos.
Com a redução no orçamento, o impacto na Furg será tanto em ações de ensino, pesquisa, extensão, cultura e assistência estudantil quanto no pagamento de despesas fixas essenciais ao funcionamento da universidade, como água, energia elétrica e serviços terceirizados.
— Há um risco de descontinuidade de fluxo financeiro para os contratos firmados pela universidade, tendo em vista a ação orçamentária na qual o bloqueio incidiu. Estamos lutando para que esse bloqueio seja revertido. Entretanto, caso necessário, poderá haver renegociação de contratos em algumas áreas específicas — destaca Diego Rosa, pró-reitor de Planejamento e Administração da Furg.
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
O principal impacto para a UFCSPA será na construção de dois novos prédios – um na Rua da Conceição, onde está prevista a instalação da Clínica da Família UFCSPA, e outro na Rua Sete de Setembro, onde um antigo prédio do Ministério Público do Trabalho (MPT) deverá comportar parte das atividades da instituição. No entanto, para além do investimento em infraestrutura, o corte deve prejudicar o dia a dia.
— Já tínhamos feito uma super revisão nos contratos. Estamos no limite. A partir de agora, o que resta é diminuir postos de terceirizados e investimentos em áreas que sempre tentamos priorizar, que é a assistência estudantil, como bolsas-permanência e de iniciação científica — pontua a reitora da universidade, Lucia Pellanda.
Como o orçamento para a pesquisa também já sofreu reduções, a UFCSPA havia destinado parte de seu orçamento para o pagamento de bolsas de mestrado e doutorado. Com os novos cortes, no entanto, essas áreas podem sofrer impacto. Entre bloqueio e corte, o orçamento será de R$ 2,3 milhões a menos.
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
A UFSM realizou audiência pública sobre a redução orçamentária na última quinta-feira (9), a fim de explicar à comunidade universitária quais serão os impactos da mudança. Foram citadas a possibilidade de demissão de funcionários terceirizados e alterações diretas em atividades de ensino, pesquisa e extensão.
O cenário financeiro da universidade foi apresentado pelo reitor Luciano Schuch como um dos mais preocupantes da história da instituição. O bloqueio representa redução de R$ 9,3 milhões no orçamento previsto para o ano, o que, conforme o gestor, aprofunda a crise orçamentária vivida pelas universidades, que, mesmo sem os cortes, já têm um orçamento defasado.
Os recursos em assistência estudantil estão entre os que mais causam preocupação. De 2015 a 2022, o orçamento destinado via Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) cresceu 5,3%, enquanto, no mesmo período, o valor da cesta básica cresceu 124%, segundo o reitor.
— Enquanto isso, a nossa população está empobrecendo cada vez mais, com renda mais baixa e, em consequência, cada vez mais demandas na assistência estudantil para a permanência e formatura dos nossos estudantes — afirmou Schuch.
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)
A UFFSressaltou que o bloqueio orçamentário não impacta os recursos destinados a auxílios, bolsas e funcionamento básico. Alguns contratos estão sendo reavaliados e alguns investimentos postergados, mas o planejamento, por enquanto, se mantém o mesmo."Foram tomadas ações no âmbito administrativo através da redução de despesas com diárias, passagens e transportes. Ainda, alguns contratos estão sendo reavaliados e alguns investimentos foram postergados. Todo o planejamento se mantém como o original, aguardando eventuais cortes ou desbloqueios para sua efetiva execução”, diz trecho da nota da instituição.