A Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira (19) a votação do Projeto de Lei 3.179 de 2012, que regulamenta a prática da educação domiciliar no Brasil. O texto-base da proposta foi aprovado na noite de quarta (18) e, nesta quinta, o plenário analisou e rejeitou todas as sugestões de alteração apresentadas pelos partidos durante o debate anterior. Com a conclusão, a matéria agora será analisada pelo Senado.
A pauta dá margem para um amplo espaço de debate, não havendo consenso, sobretudo entre pais e educadores, sobre o assunto. O programa Gaúcha+, da rádio Gaúcha, desta quinta-feira (19), ouviu dois representantes de opiniões distintas sobre o tema. Entre eles, Édson Prado de Andrade, professor de direito, advogado e gestor da Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar (ABDPEF):
— Educação domiciliar não se confunde com a chamada educação híbrida que, durante a pandemia, foi implementada pelos gestores e pelo sistema de ensino. A educação domiciliar é promovida sob a gestão e a orientação dos pais, seja porque os pais mesmo são de fato os orientadores da criança ou porque contratam, eventualmente, algum professor particular. Normalmente o que acontece é que a criança se desenvolve sob a orientação dos seus pais. Não há, internacionalmente, uma sujeição da educação domiciliar ao Estado — afirma Édson.
O projeto de lei que está sob votação no Brasil, por sua vez, define que, para usufruir da educação domiciliar, o estudante deve estar matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do seu aprendizado por meio de avaliações periódicas. Além disso, de acordo com o projeto, ao menos um dos pais ou responsáveis deverá ter escolaridade de nível Superior ou em educação profissional tecnológica e os pais ou responsáveis deverão seguir Base Nacional Comum Curricular (BNCC) definida pelo Ministério da Educação.
A proposta ainda prevê que seja garantida a convivência familiar e comunitária do estudante e a realização de atividades pedagógicas para promover a formação integral do estudante, contemplando seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural. Nesse sentido, o gestor da Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar defende que a socialização não precisa se dar somente na escola.
— A teoria é: a socialização primária se dá em casa, com a família, e a socialização secundária na escola, que faz a transição para a vida adulta. Isso era uma verdade absoluta no passado, não é mais. Há uma quantidade enorme de crianças que não convive com a sua família no dia a dia, são os pais que trabalham o dia todo. Nessa pandemia, que os pais precisaram ficar em casa junto com seus filhos, os filhos não puderam ir à escola, isso mudou radicalmente. Houve um crescimento do homeschoooling com o homeoffice. A percepção de que a família convive mais quando a criança aprende em casa, traz bem-estar à criança — defende.
Socialização é ponto crítico, diz especialista
Para a coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS, Bettina Steren, entretanto, o homeschooling impede a socialização com outras pessoas. A docente argumenta que o efeito da educação realizada em casa já pôde ser sentido após ensino remoto adotado na pandemia:
— Depois de dois anos de isolamento, a gente pode ver o resultado. Hoje, muitas escolas estão procurando ajuda, porque as criança estão tendo dificuldade na interação, na relação. A violência que está tendo hoje em dia nas escolas foi aumentada, que a gente ouve os professores falarem e vê nas pesquisas muitas crianças estão mais violentas do que antes. [...] Em todo esse tempo sem contato com o outro, (as crianças) não desenvolverem essa habilidade de comportamento social e emocional.
Para ela, a interação na escola é muito diferente de outras formas de socialização, como "brincar com outras crianças na pracinha".
— A melhor forma de aprender é convivendo com os outros. Isso (não conviver) vai trazer muitos prejuízos para as crianças no sentido de que elas não vão ter a convivência diária, de criar vínculos com crianças da idade dela, com professores e outra pessoas que não sejam a família — argumenta Bettina.
Em sua fala, Andrade defendeu que a escola pode ser um "elemento engessador das crianças", já que a educação tradicional exigiria que todos os alunos sigam o mesmo ritmo e o mesmo conteúdo. Bettina, porém, argumenta que essas afirmações generalizam as escolas.
— Pais que poderiam fazer esse trabalho poderiam ter mais discernimento de colocar seus filhos em uma escola que faça um trabalho diferenciado. Se os pais conseguem perceber isso (um possível engessamento), eles podem colaborar com a escola (...). Em vez de deixar a criança com a família, deixa na escola e a família participa também da escola, podendo falar e trazer essas questões dos seus filhos. A escola deveria estar aberta para ouvir os pais em relação aos seus filhos — afirma a profissional.