Com a retomada das atividades e a suspensão de restrições pela covid-19, gestores de empresas são desafiados a encontrar o melhor formato de jornada para os funcionários e a entender as mudanças de comportamento dentro e fora dos negócios. Uma pesquisa da consultora global Great Place to Work ouviu lideranças de recursos humanos e gestores brasileiros e constatou que as companhias que não melhorarem seus ambientes de trabalho nem identificarem que os funcionários buscam cada vez mais a realização pessoal e boas oportunidades de desenvolvimento tendem a perder espaço no mercado.
O levantamento reuniu 2.654 respostas de organizações de diversas áreas, como tecnologia, indústria e serviços. Para este ano, 42,6% dos entrevistados colocaram o desenvolvimento e a capacitação de lideranças como o principal foco para melhorar o ambiente organizacional e buscar resultados. A preocupação com essa questão foi tão grande que 94,3% querem investir na preparação de seus líderes.
— Aquele líder que era mais pautado em uma gestão de comando e controle, que acredita que feedback não é importante, que acha que saúde mental é “mimimi”, que não entende de diversidade, precisa aprender a se desenvolver nessas temáticas. A pesquisa percebe essa deficiência nessa liderança, que é de uma gestão passada — explica a diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work, Daniela Diniz.
A especialista comenta que há uma mudança de perfil que hoje exige um líder que não apenas bata as metas, mas que tenha uma postura mais humanizada, com as chamadas “soft skills”, que são as habilidades comportamentais, aliadas ao conhecimento técnico. Isso também se acentua no jeito de transmitir as informações dentro da organização, que foi outro item que apareceu como um ponto de destaque, com 49,2% dos entrevistados colocando a comunicação interna como um dos principais temas a serem trabalhados em 2022.
Aquele líder que era mais pautado em uma gestão de comando e controle, que acredita que feedback não é importante, que acha que saúde mental é “mimimi”, que não entende de diversidade, precisa aprender a se desenvolver nessas temáticas
DANIELA DINIZ
Diretora de conteúdo e relações institucionais do Great Place to Work
Para Daniela, a nova estrutura das organizações está abrindo espaço para ouvir todos os colaboradores, reduzindo o conceito de reuniões restritas a diretores para tomar as decisões. Segundo ela, aqui pode estar um ponto para ajudar a pensar em novas ideias, já que a mentalidade das lideranças foi apontada como o principal empecilho para promover a inovação nas empresas, com 37,1% das respostas.
Um detalhe curioso é que transformação digital caiu no campo das prioridades das empresas. Enquanto que nas edições de 2020 e 2021 da pesquisa o item ocupava o quarto lugar, em 2022 foi para a nona posição, com apenas 16,5% das pessoas o estabelecendo como prioridade. Uma explicação para isso, conforme o estudo, é que a pandemia acelerou a digitalização dos processos e trouxe novas preocupações.
Formato híbrido
Aliar o trabalho presencial com o home office tem sido a estratégia de muitas empresas com a melhora dos índices da pandemia. Mesmo que algumas organizações ainda estejam avaliando o futuro, 1.104 das 2,6 mil consultadas na pesquisa já definiram o seu modelo de jornada. Destas, 66% optaram pelo formato híbrido, 24% por voltar totalmente presencial e 10% por ficar totalmente remoto.
Isso é um desafio para as empresas, que precisam conciliar o formato adotado com os anseios dos funcionários. Um movimento já identificado nos Estados Unidos mostrou que a pandemia fez com que alguns profissionais passassem a ver a relação com o trabalho de um jeito diferente.
— A pessoa pensa: "Opa, dá pra trabalhar de casa, eu posso ficar com a minha família, eu posso até ganhar menos". Então você tem uma parcela da população que não vai querer voltar ao que era antes. E as empresas estão entendendo esses sinais e precisam se conectar com o que faz sentido para esse funcionário. Tem gente que está abrindo mão do emprego porque não quer mais trabalhar de segunda a sexta, das 8h às 17h, em um formato rígido — destaca Daniela.
A diretora diz que não é possível confirmar se o formato híbrido veio para ficar, mas sim a flexibilidade de horários e de locais para desempenhar as tarefas, de acordo com a política de cada empresa.
Saúde mental
A preocupação com a qualidade de vida cresceu durante a pandemia e trouxe o tema da saúde mental para dentro das corporações. No questionário, 97,2% das empresas consideraram a saúde mental como um ponto relevante, e 80% confirmaram que isso aumentou depois da covid-19.
A atenção para o desgaste emocional, o estresse e a ansiedade ficou ainda mais em evidência quando, em janeiro deste ano, a Síndrome de Burnout (ou Síndrome do Esgotamento Profissional) passou a ser considerada uma questão ocupacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A doença atinge 32% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros, conforme uma pesquisa da International Stress Management Association (Isma-BR).
— É o legado negativo pelo aumento de casos dessa doença na pandemia, mas o positivo é que essa pauta entrou de forma séria nas empresas. Se tira aquele peso de falar de depressão. Isso também está ligado à capacitação da liderança para identificar esses sinais e dar encaminhamento — esclarece Daniela.
Diversidade e inclusão
A pesquisa ainda chama atenção para a falta de ações que promovam a diversidade e a inclusão dentro das organizações, apesar de o tema aparecer nas pautas estratégicas. Somente 12,2% dos entrevistados afirmaram que a empresa em que atuam tem maturidade no tema e contribuíram, de fato, para uma equidade de gênero, racial, geracional, do público LGBT+ e outras minorias.
— Acredito que falta uma cultura de diversidade. Até 10 anos atrás, mal se falava nisso. É muito novo, você ainda não tem uma liderança com essa cultura. É preciso educar sobre o tema, para depois gerar as práticas e colher os resultados — argumenta Daniela.