Diferente dos milhões de candidatos que fazem a prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sonhando em ingressar no Ensino Superior, o gaúcho Gabriel Borges, 22 anos, que é professor de redação, costuma fazer o exame para testar a prova e assim emular a experiência que seus alunos vivem diante deste desafio. Só que na edição do Enem 2021, esse teste lhe rendeu a rara e almejada nota mil. Na edição anterior, nenhum candidato do Rio Grande do Sul pontuou tão alto.
— Eu já tinha tido notas 960, 920, mas este foi o meu primeiro mil. Fico feliz pois é difícil conquistá-lo. Tanto é que, na edição anterior, foram 28 notas mil dentre cerca de 3 milhões de participantes, é uma proporção muito pequena — afirma Gabriel.
O professor nasceu em Estrela. A vinda para Porto Alegre foi em 2017 para cursar Escrita Criativa na PUCRS. Esse movimento só foi possível porque, depois de participar do Enem daquele ano, conquistou uma bolsa integral pelo Prouni. Sua paixão à época — e até hoje — são os contos e a ficção, mas, durante a faculdade, Gabriel se envolveu com outros estilos de escrita que o encaminharam para a carreira que segue hoje.
— Comecei a trabalhar com redação sendo monitor em um curso pré-vestibular, e percebi que, além de escrever, gosto da docência e de estar perto dos estudantes. Aí, migrei da Escrita Criativa para Letras Português e assim ter uma licenciatura e poder dar aula — afirma Gabriel.
Desde 2020, ele faz parte do quadro de profissionais que trabalham com redação no MeSalva!, curso online de preparação para vestibulares e Enem. Mas Gabriel precisou de tempo e estudo para ficar excelente em redação: em 2016, sua nota foi de 660, uma pontuação que considera mediana. Isso porque só ter intimidade com a escrita, observa Gabriel, não basta para ir bem na redação do Enem. É preciso ter as competências necessárias para construir o tipo de texto exigido pelo exame nacional.
— Em 2016 eu já amava literatura, já lia e escrevia bastante, mas eu não conhecia a dissertação argumentativa que é cobrada pelo Enem. É preciso ficar imerso nesse tipo de texto do concurso para ir bem. Minha principal dica para tirar notão na redação é: leia redações nota mil, 980, 960. Isso vai te colocar em contato com o gênero, com os pontos fortes, com as coisas que você deve evitar. Ver a coisa pronta e feita com excelência ajuda muito a fazer algo parecido — relata.
Segundo o professor, além de estudar com afinco, também é preciso contar com um pouco de sorte, já que parece haver uma certa "mística" ao redor da nota mil, que vai para além dos parâmetros de correção exigidos pelo manual. Segundo ele, não se sabe da existência de um sistema que "barre" notas mil, mas a proporção de redações gabaritadas em relação ao número de participantes é muito pequena, o que abre margem para confabulações e superstições.
— Quando entreguei os textos nas duas últimas edições do Enem, eu sabia que estavam muito bons, mas sabia que a redação nota mil tinha também esse quesito que é quase sorte. É como se, além de ter feito um texto perfeito, os astros também tivessem que estar alinhados. Isso pode estar ligado ao fato de que sempre há subjetividade por trás da avaliação e da escrita — afirma Gabriel.
Mais dicas
O professor compartilha alguns conselhos para quem quer repetir o feito de gabaritar a redação. Um deles é que o candidato deve se preparar escrevendo redações com regularidade e de forma a simular uma prova de Enem, o que vai ajudá-lo a não ser surpreendido na hora da prova real. Também é importante ter ritmo de raciocínio e de escrita, e uma noção de quanto cabe nas trinta linhas que são o limite da prova.
— É importante fazer simulados para sentir o ritmo e não tomar um susto no dia da prova. É muito diferente escrever redação tranquilo e ter que escrevê-la junto com mais 90 questões que costumam ser extenuantes, pois são de linguagens e ciências humanas e envolvem bastante leitura — afirma Gabriel
Também é recomendável que o aluno busque uma correção de redação com qualidade, para ter um feedback dos pontos em que está acertando ou errando, e assim continue progredindo. A ideia é que, para ter uma nota alta, é preciso conseguir enxergar o texto de forma parecida com a de um avaliador.
Quanto ao tempo dedicado à escrita, dado que a redação é feita no mesmo dia que a prova de linguagens e de ciências humanas, a estimativa de Gabriel é de que o estudante deve reservar 1h30min para o texto e mais três minutos para cada questão objetiva.
A leitura atenta dos textos motivadores e da frase temática também é essencial. A partir disso, a dica é fazer um brainstorming, selecionando as ideias que funcionam melhor para o texto e escolhendo argumentos cuja complexidade não seja maior do que o tempo que o candidato tem para apresentá-lo. O tema que Gabriel teve que encarar foi "Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil". Para isso, abriu o texto com um conceito de democracia do cientista político Norberto Bobbio, como citação indireta.
— Trouxe o conceito de que a democracia não é só eleições de quatro em quatro anos, e sim todo o guarda-chuva do aparato do Estado, é todo mundo ter acesso à educação e à alimentação. Defendi que, para ter acesso a políticas públicas, é preciso ter o registro civil — lembra o professor.