Anunciado no dia 14 de outubro pelo governo do Estado, o programa Avançar na Educação pretende tornar 56 escolas do RS em instituições "padrão". O Executivo pretende destinar uma verba de R$ 72 milhões para ser dividida entre as unidades, para bancar melhorias, reparos e qualificação de professores. A reportagem ouviu diretores de unidades de ensino para entender quais as maiores dificuldades enfrentadas e como o dinheiro pode ser útil para melhorar a relação entre escolas e alunos.
Apesar de ainda não terem maior detalhamento sobre como a verba será aplicada nos locais, diretores ouvidos pela reportagem se mostram animados com o anúncio do governo. A expectativa dos gestores é que o investimento seja significativo e impacte, de fato, na vida de alunos e professores:
— O que vemos é que, normalmente, as escolas foram recebendo puxadinhos, muitas vezes feitos pela própria comunidade escolar. São melhorias de emergência, sem um planejamento estratégico, em bairros que estão crescendo. Mas isso não é suficiente, o poder público precisa nos ajudar a apresentar uma escola digna. Então a gente espera que esse investimento realmente possa suprir as necessidades desses locais — pontua Geraldo Onezio Fonseca, diretor da escola Eva Carminatti, no bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre.
No caso da instituição, a última reforma ocorreu em 2017, promovida por professores e alguns pais. Com tintas compradas pela instituição, a própria comunidade escolar arregaçou as mangas e pintou salas e corredores para melhor receber os alunos. Atualmente, o local atende 749 alunos.
Ao olhar para dentro das escolas, os diretores listam os principais problemas encontrados no dia a dia. Com atividades presenciais e remotas ocorrendo de forma simultânea, uma das maiores queixas diz respeito a equipamentos de informática e de acesso a internet.
— O acesso de qualidade a rede de internet já era uma realidade. Mas, com a pandemia, se tornou ainda mais evidente o papel da escola na inclusão digital. Ter computadores em bom estado, internet rápida e datashow em sala de aula, por exemplo, é uma necessidade hoje em dia, não um exagero — explica Marcelo Lima Melnitzki, diretor da escola Açorianos, em Viamão, que oferece Ensino Fundamental, Médio e EJA e atende 845 alunos.
— Hoje, em um mundo globalizado, essa é uma área fundamental para que o aluno consiga trabalhar depois, seja onde for. Esse contato com um computador, noções básicas de informática, tem virado um papel da escola. E nossos professores não foram formados para atuar na área de informática. É preciso investir no treinamento deles, ou ter alguém responsável por esse trabalho, além de melhorar os equipamentos — complementa Fonseca.
Outros desafios enfrentados dizem respeito a estrutura dos prédios. Na escola na Lomba do Pinheiro, um das salas do setor administrativo, onde ficam integrantes da direção, tem uma coifa instalada perto de uma das mesas, porque anteriormente o refeitório funcionava ali. Com pouca verba, a adequação foi ficando para depois. Na cozinha onde as refeições dos alunos são preparadas, o abafamento evidencia a falta de um exaustor. As paredes sofrem com a umidade, que desgasta a tinta, e as grades de ferro das janelas estão danificadas. Uma quadra, que não tem piso apropriado para as atividades nem cobertura, não pode ser utilizada em dias de chuva.
Os problemas se repetem em demais unidades. Completando cem anos em 2022, o Colégio Estadual Barbosa Rodrigues, em Gravataí, também acumula reparos por fazer: é preciso consertar o telhado, que causa goteiras nos corredores e nas salas, terminar as obras do refeitório, ampliar o quadro de professores para que não faltem docentes durante o ano, e qualificá-los.
— A gente faz uns reparos que são como curativos. Mas eles não resolvem o problema. Para isso, precisamos de verba — resume a diretora do local, Silvia Regina Santos de Freitas.
Investimento em acessibilidade, como rampas, também é necessidade urgente, na avaliação dos diretores.
Na escola Açorianos, as quadras poliesportiva e de vôlei não contam com piso adequado nem cobertura. Com a pandemia, que impossibilitou o uso desses espaços, a escola deixou de fazer a manutenção para poupar gastos. Com o valor economizado, serão reformados piso, marcações, tabelas, goleiras e cercas.
— Mas isso é o básico, e só teremos como fazer porque economizamos na pandemia. Para a cobertura, por exemplo, o valor fica inviável. Aqui temos espaço para fazer pelo ao menos mais duas quadras, e poderíamos oferecer mais atividades aos alunos, nos turnos inversos — explica o diretor Melnitzki.
Outra demanda que as escolas pretendem atender a partir do investimento é a de reabrir a biblioteca diariamente aos alunos. No caso da escola Açorianos, em Viamão, o espaço só é utilizado por professores em dias específicos, quando alguma aula é ministrada ali. Se não, o local fica fechado por falta de um responsável para atender os estudantes.
— Lembro que quando eu era estudante, também na rede estadual aqui em Viamão, tirava livros quase toda a semana, o que me influenciou muito a gostar da leitura. É isso é algo que se perdeu nas escolas hoje, porque nem todas têm uma pessoa designada para cuidar da biblioteca. Para ser modelo, a escola precisa desse espaço aberto e disponível aos alunos — opina a vice-diretora da manhã do local, Carine Vieira dos Santos.
Governo irá destinar R$ 72,5 milhões para tornar escolas modelo
Lançado pelo governo do Estado no dia 14 de outubro, o projeto contempla um plano de investimentos de R$ 1,2 bilhão na educação estadual, entre obras, tecnologia, capacitação e programas para melhorar a aprendizagem. As 2.376 escolas da rede estadual serão contempladas. A expectativa é destinar a maior parte dos recurso ainda em 2022, afirma o governo, e a ação é possível graças a reformas estruturais que foram feitas no início da gestão. O Executivo defende que este é o maior investimento na educação estadual gaúcha dos últimos 15 anos.
Do valor total, R$ 72,5 milhões serão destinados a implementação das 56 escolas padrão — o que deve encaminhar pouco mais de R$ 1 milhão a cada unidade. Os 56 locais foram selecionados por terem os piores indicadores de qualidade de infraestrutura.
Segundo a Secretaria da Educação do RS (Seduc), para ser considerada modelo, as instituições precisarão atender a nove critérios. Entre eles, possuir conectividade de alta velocidade em todos os espaços, salas de leitura, banheiros acessíveis, fachada e paisagismo de baixa manutenção e espaço coberto para convivência e prática de atividade física.
A Seduc explica que um projeto arquitetônico de referência vem sendo montado por equipes técnicas, e deve ser finalizado ainda este ano. Depois, o grupo fará vistorias e conversará com as 56 escolas para planejar como irá adaptar as definições a cada local. O governo não informou a previsão de conclusão das obras nos espaços.
A secretaria destaca que o principal norte do programa é investir em pessoas: no objetivo de impactar a educação:
— Os eixos principais do Avançar na Educação são pessoas e tecnologias, que são as bases do plano de investimento do governo. Vamos em busca de garantir a aprendizagem e qualidade de ensino para todos, de forma equânime e inclusiva — afirma a secretária de Educação, Raquel Teixeira.
Escola é ponto de referência para comunidades pobres, dizem diretores
Mais do que uma boa estrutura e formação, os diretores defendem que uma escola melhor apresentada proporciona autoestima, motivação e sensação de pertencimento a alunos e professores. Aspectos ainda mais importantes quando a instituição está inserida em periferias e regiões mais carentes.
— Nesses locais mais carentes, as pessoas muitas vezes se veem abandonadas, esquecidas. Há uma carência socioeconômica muito grande. E a troca social acaba se dando pela escola, que vira um ponto de referência, um norte para toda a comunidade daquele local. E quando o poder público investe na escola, toda essa comunidade se beneficia, se sente vista, valorizada. Isso mexe na autoestima do aluno, da famíliae de todo o entorno — explica Melnitzki.
Diretor da escola na Lomba do Pinheiro, Fonseca ressalta que as escolas não fecharam completamente durante a pandemia, e seguiram atendendo pais e alunos. Além das aulas oferecidas, Fonseca defende também a criação de espaço como auditórios, turmas de teatro e demais atividades. Para ele, quando o aluno encontra nas instituições formas de desenvolver atividades e ocupar o tempo, consegue ter mais perspectiva para construir seu futuro:
— Quais locais temos aqui no bairro que ofereçam atividades? Espaços que tenham esportes, atividades culturais, lazer? Não temos muitas opções. Então a gente acaba pegando esse papel. A escola não atende apenas a um grupo de alunos ou professores. É uma comunidade inteira que se beneficia de uma escola melhor, são famílias que vão enxergar um futuro mais saudável, feliz e estruturado — diz Fonseca.