A Escola Especial Ulbra Concórdia, no bairro Vila Ipiranga, zona norte de Porto Alegre, está correndo o risco de deixar de oferecer seus serviços e fechar as portas a partir de dezembro por falta de recursos. A instituição é referência na educação bilíngue de surdos — em Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa — há 54 anos. Em agosto, a Associação Educacional Luterana do Brasil (Aelbra), mantenedora do colégio, informou aos professores que não pode mais bancar a escola.
— Em virtude das nossas dificuldades financeiras anunciamos que, ao final do ano, estaremos descontinuando o projeto, mesmo sabendo da sua importância. Não temos mais como mantê-lo. A escola é 100% de bolsistas e contamos com uma folha salarial na casa de R$ 130 mil — declarou Adriano Chiarani da Silva, vice-reitor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
A escola tem 88 alunos, sendo nove na educação infantil, 48 no Ensino Fundamental e 31 alunos no Ensino Médio. Os professores são graduados em suas áreas de atuação, assim como possuem o conhecimento e fluência na língua brasileira de sinais. Ao longo do ano letivo, atividades especiais são desenvolvidas com os alunos e buscam proporcionar uma aprendizagem ampla. Desde março, em razão da pandemia, os estudantes frequentam aulas online.
— Infelizmente, o currículo utilizado pelas escolas não é adaptado aos alunos surdos. Os professores ministram as aulas na primeira língua dos surdos, a de sinais, sendo o português a segunda língua. Mas não adianta simplesmente dar um texto ao aluno, é preciso fazer adaptações por conta das diferentes estruturas da língua — conta Katherine Carol Halberstadt, professora de História e integrante da comissão de assuntos externos da escola.
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul promoveu, nesta quarta-feira (9), uma audiência pública para debater sobre o fechamento da instituição. A sessão foi acompanhada por deputados, pela Defensoria Pública do Estado (DPE-RS), pais, alunos e professores.
A dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da DPE, defensora pública Andreia Paz Rodrigues, vê com tristeza o possível fechamento da unidade. Ela lembrou ainda que a instituição recebe alunos de todos os Estados do Brasil.
— É uma perda muito grande para toda a comunidade, especialmente para os alunos e professores. A educação é libertadora para essas crianças que poderão ser profissionais excelentes no futuro. Nos entristece muito esse fato e acredito que, a partir dessa audiência, buscaremos algumas alternativas — defendeu.
A busca por alternativas para o não fechamento da instituição pautou as conversas nesta manhã. A presidente da Associação Crianças e Adolescentes Surdos do Rio Grande do Sul (ACAS-RS), Carla Brum, propõem a união dos alunos da Escola Estadual de Ensino Médio para Surdos Professora Lília Mazeron, no bairro Santa Maria Goretti, na zona norte da Capital. Na instituição estadual estudam 64 alunos e lecionam 18 professores.
— Nós conversamos com a Ulbra sobre a possibilidade de a associação assumir e dar continuidade ao projeto, buscando novamente a filantropia. O prédio foi planejado para receber alunos surdos, com toda a arquitetura voltada para a comunidade, com sala multimídia, laboratório de artes, informática, biologia, química e física.
A possibilidade apontada pela ACAS seria através de parcerias com o município, com governo do estado ou federal. No entanto, nem a Secretaria da Educação do Estado, a Diretoria de Acessibilidade da Prefeitura de Porto Alegre, e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, embora convidados, registraram presença na audiência pública desta quarta. O governo estadual assumiria a manutenção da folha de pagamento dos professores das duas escolas, conforme a proposta da associação.
O vice-reitor afirma que a Universidade Luterana está aberta a dialogar e encontrar alternativas para que o projeto tenha continuidade. Em recuperação judicial desde dezembro de 2019, a Ulbra perdeu a filantropia e cessou o repasse de recursos.
— Somos pioneiros na América do Sul na linguagem de surdos. Queremos muito que uma entidade possa continuar conduzindo essa atividade que é muito importante para o Rio Grande do Sul — defendeu.
Comissão busca soluções com MEC e Secretaria estadual
Conforme a diretora da escola, Hiltrud Elert, uma comissão de pais e mães, alunos e professores foi formada para tentar buscar uma solução, com interlocução com o Ministério da Educação e com a Secretaria Estadual de Educação.
— Nosso custo de manutenção é muito grande para uma entidade que está em recuperação judicial. A escola é o que é graças à gestão que teve, ao projeto pedagógico e aos professores. Somos uma referência nacional — disse.
A professora Katherine Carol Halberstadt é membro da Comissão de Assuntos Externos da Escola Concórdia (Caeec), composta por professores, ex-professores, pais e a comunidade externa. Segundo a professora, independente da instituição, o objetivo é manter as portas abertas e o atendimento aos alunos.
— Estamos unidos para conseguir uma solução viável para todos os alunos. Precisamos encontrar outra mantenedora que nos assuma, com a mentalidade de visão social e que não cobre mensalidade dos alunos.
A história da escola
A instituição foi fundada na década de 1960 pelo reverendo Dr. Martin Carlos Warth e por sua esposa, Naomi Hoerlle Warth. A aula inaugural da Unidade de Ensino Especial foi realizada no dia 5 de setembro de 1966, nas dependências do Seminário Concórdia, situado no bairro Mont'Serrat, na zona norte de Porto Alegre. Na época, a turma de língua de sinais contava com apenas três alunos.
Em 1970, a escola passa a se chamar Centro Educacional para Deficientes Auditivos (Ceda), uma associação filantrópica que tinha como principal objetivo administrar o trabalho desenvolvido no local. Desde 1996, já com o nome de Escola Especial Ulbra Concórdia, a unidade passou a integrar a rede de escolas da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
Leia a nota da Ulbra na íntegra
Descontinuidade da Escola Especial Ulbra Concórdia, de Porto Alegre/RS
A Diretoria da Aelbra Educação Superior – Graduação e Pós-graduação S.A., em Recuperação Judicial, mantenedora da Escola Especial Ulbra Concórdia, decidiu descontinuar as atividades a partir de 2021, tendo em vista a necessidade de contenção de custos.
A escola, cuja finalidade é atender alunos com deficiência auditiva, atualmente é considerada um projeto de assistência social e atende a 88 alunos, tendo 32 funcionários na folha de pagamento. Adicionalmente, mantém convênio com a Secretaria de Educação do Estado do RS para subsidiar investimentos na sua estrutura.
A Aelbra está em busca de interessados em dar continuidade a este projeto de assistência social de tamanha importância para a cidade de Porto Alegre.
A Direção