Do limite da propriedade em União da Serra, demarcado por cerca de arame farpado, se vê uma grande área arborizada, o sol se pondo por trás de uma colina e um trecho de mata fechada. A fotografia da paisagem no topo do morro tem uma figura estranha ao local: Jean Carlo Araldi dos Santos, 16 anos.
Sentado na grama, o estudante do segundo ano do Ensino Médio apoia o caderno sobre os livros. O estojo protege lápis, caneta e o aparelho celular que funciona a pleno somente no fim da trilha de um quilômetro, percorrida a pé para que o adolescente possa se conectar com os professores.
O pico da montanha é o único ponto com cobertura de internet no terreno em que ele vive, um sítio pertencente ao empregador de seu pai. O smartphone foi comprado para possibilitar o acesso às lições a distância, modelo adotado no Rio Grande do Sul desde março, quando os encontros presenciais nas escolas foram suspensos em razão da pandemia de coronavírus.
– Se começa a chover, eu não subo e acumula trabalho para o outro dia. Mas às vezes chove quando já estou no morro, e preciso estudar no meio dos raios. Isso quando a bateria do celular não acaba antes, e fica mais coisa acumulada – explica o aluno da Escola Estadual de Ensino Médio Ricardo Francisco Gasparin.
Enquanto o governo do Estado discute a volta das aulas presenciais, estudantes como Jean encaram as dificuldades do ensino remoto em locais com insuficiência na cobertura da rede de internet móvel. O esforço de Jean é semelhante ao de Alan Somavilla, 11 anos, que teve a história contada na última segunda-feira (24) em GaúchaZH: o menino sai de casa e vai até o meio da lavoura estudar em uma tenda improvisada pelos pais, medida que também visa ao acesso às tarefas escolares.
Jean Carlo mora na área rural de União da Serra, município localizado entre Serafina Corrêa e Guaporé, na serra gaúcha. A população estimada é de 1.156 habitantes, segundo o IBGE. Nos dias em que os trabalhos ficam atrasados, ele diz ficar no meio do potreiro até o anoitecer, retornando a casa após as 20h.
A casa com cômodos de madeira fornece o sustento da família. Como caseiro do espaço, o pai, Oscar Fernando dos Santos, recebe R$ 1,3 mil por mês. Com ajuda do filho, o homem de 43 anos se comunica pelo smartphone. Ele não tem autonomia para lidar com a tecnologia, pois não aprendeu a ler. A mãe estudou até a quarta série, e a escrita foi o auge alcançado na escola.
Após conviver com a rotina desgastante de estudos do filho, os pais decidiram investir quase 20% da renda mensal na compra de um receptor de internet via satélite. Os equipamentos de captação do sinal e o pacote vão custar, no primeiro ano, R$ 2,6 mil, e foram instalados nesta terça-feira (25). A velocidade, de 10 mega, possibilita acompanhar as lições do quarto.
Mesmo afirmando que o valor é "bastante impactante" no orçamento, o caseiro não demonstra arrependimento.
– Sinto muito orgulho pelo meu filho ser tão dedicado. E o que eu puder fazer para ajudar, eu vou ajudar – define.
O estudante ainda não decidiu para qual curso pretende prestar vestibular, em 2021, mas demonstra interesse em mecânica. Em todas as falas, ele reforça que quer retribuir o investimento feito pela família:
– Se eu estudar bastante talvez eu possa conseguir um bom trabalho, planejar um bom futuro para mim. E ajudar meu pai e minha mãe, que estão sempre comigo, indo inclusive lá em cima às vezes, para não me deixar sozinho - agradece.